Mês: fevereiro 2013

Reflexões sobre a Pragmática e o Ensino da Língua Materna. Nílvia Pantaleoni (2000)

Reflexões sobre a Pragmática  e o Ensino da Língua Materna

 

Nílvia Pantaleoni (2000)

Obs: as fontes bibliográficas encontram-se no corpo do artigo

 

I. O que é uma abordagem pragmática?

Pragmática (do lat. pragmatica) significava “coleção de regras e fórmulas que regulam os atos e cerimônias da corte e da Igreja”; por extensão, passou a significar qualquer formalidade de cortesia ou de etiqueta. Nesse sentido, Monteiro Lobato, em sua primeira carta de amor à Purezinha, sua noiva, declarava: “Já que a pragmática não permite a dois noivos o conversar a sós numa sala, deve por coerência, estender semelhante fiscalização às cartas, pois que são elas palestras escritas; chama, portanto a pobrezinha da Noemia para junto de ti, a vigiar a leitura desta”.

Por pragmatismo, entende-se a doutrina que toma como critério de verdade o valor prático que tenha efeitos positivos e seja útil ao homem. Charles S. Peirce e William James foram seus principais representantes. Enquanto o primeiro formulou a doutrina num sentido puramente lógico e metodológico, o segundo procurou estendê-la ao campo da ética. (Larrouse. Enciclopédia)

Atualmente, pragmática também se refere ao ramo da linguística que propõe integrar ao estudo da linguagem o papel dos usuários, bem como as situações em que a linguagem é utilizada. Como tal, ela estuda as motivações psicológicas dos falantes, as reações dos interlocutores, as pressuposições, os subentendidos, as implicações, as convenções do discurso, etc.

Nossa preocupação é com a pragmática, ramo da linguística, que atualmente vem se firmando como um novo paradigma. Ela nos propõe muitas questões, e é tentando respondê-las que o novo paradigma vai se estabelecendo. A pragmática estuda:

  1. a natureza da linguagem como instrumento de comunicação;
  2. os princípios regulares que norteiam os processos de interpretação linguística;
  3. como a gramática das línguas afeta a função comunicativa;
  4. que relação existe entre o significado literal e o significado comunicado, já que o significado do falante é intencional e depende das circunstâncias em que se produz;
  5. qual é a função do contexto na interpretação dos atos de fala.

E assim por diante.

Reyes (El abecé de la pragmática, 1995) esclarece qual é o domínio da pragmática em relação à gramática e à semântica. A gramática, que se divide em fonologia, morfossintaxe e semântica, é a disciplina linguística que estuda as estruturas convencionais de sons, combinações de morfemas e significados. A semântica é a parte da gramática que relaciona as formas linguísticas com os objetos do mundo que essas formas representam. Finalmente, a pragmática estuda a porção do significado que não é convencional ou gramatical, quer dizer, que não está codificado por regras. A autora vai contestar esta limitação do campo da pragmática, seus limites não são tão definidos como a afirmação acima parece fazer crer, pois as diferenças entre o significado semântico e o significado pragmático não são sempre nítidas.

Retornamos à nossa pergunta inicial: O que é uma abordagem pragmática?

É justamente a abordagem que as gramáticas funcionais empregam, já que sua preocupação é com a língua em uso. Uma concepção funcionalista da gramática valoriza o papel do falante na produção de seu texto. De acordo com Neves, M.H.M. (Mesa-redonda: Temas em Funcionalismo, s.d.), a perspectiva funcionalista integra-se em uma teoria global de interação social, e a hipótese fundamental da Gramática Funcionalista é de que existe uma relação não-arbitrária entre o funcional – a instrumentalidade do uso da língua – e a gramática – sistematicidade  da estrutura da língua.

Para os funcionalistas, a gramática é acessível às pressões do uso, e a competência comunicativa é a capacidade que os indivíduos têm de usar e interpretar de uma maneira interacionalmente satisfatória as expressões que codificam e decodificam; dessa forma, a concepção da linguagem como atividade cooperativa entre falantes reais se apresenta como um de seus princípios básicos. Neves, citando Auwera (1989), reconhece que a gramática funcional, até o presente momento, é o modelo gramatical que obteve a maior integração da pragmática na gramática.

 

II. A interação professor-aluno na abordagem pragmática

Partindo da pressuposição de que o contexto do processo ensino-aprendizagem insere-se em situações de fala, portanto, de interações verbais, podemos transportar as máximas conversacionais de Grice para a sala de aula.

Os estudos iniciais de Grice, apresentados originalmente na conferência “Lógica e Conversação”, 1967, preconizam um modelo que hoje denominamos griceano, baseado no Princípio da Cooperação: “Faça sua contribuição conversacional tal como é requerida no momento em que ocorre, pelo propósito ou direção do intercâmbio conversacional em que você está inserido”.

Para Grice, a comunicação é um ato de fé na linguagem e no interlocutor.

O professor, em sua aula, se observar este princípio, estará seguindo as máximas conversacionais. Senão, vejamos: A asserção acima está dividida em duas partes:

1)    a comunicação é um ato de fé na linguagem;

2)   a comunicação é um ato de fé no interlocutor.

Em relação à primeira parte da asserção, o professor tem que confiar no instrumento de comunicação que ele possui: a linguagem. Ora, ele saberá utilizar este instrumento em situações rotineiras de fala, de conversação, a não ser que ele seja portador de alguma patologia que o impediria de interagir satisfatoriamente na sala de aula.

No entanto, ele apenas poderá “confiar”, “ter fé na linguagem”, somente e se souber o que deve falar em sua aula. Por exemplo, se o assunto a ser tratado for “a coesão e a coerência do texto escrito”, ele precisa dominar estes conceitos, saber reconhecê-los em textos escritos e, finalmente, saber transmitir estes conceitos para seus alunos.

Todos os passos descritos são realizados por meio da linguagem, que ele precisou “especializar”, apoderando-se e dominando os conceitos e os termos científicos relacionados a eles.

Em relação à segunda parte da asserção: “a comunicação é um ato de fé no interlocutor”, se for transposta para a situação de aula, continuando o nosso raciocínio, o professor (x) tem de acreditar, tem de confiar no seu interlocutor, o aluno(y). De nada adianta x ter adquirido um arsenal de conhecimentos, dominando, pois, o assunto que deve comunicar ao seu interlocutor, se não acreditar que y seja capaz de ouvir, entender, compreender e assimilar este assunto.

Supondo que y ouça com nitidez, decodificando todos os sinais emitidos por x, esta não é condição suficiente para que y entenda e compreenda os enunciados, pelo fato de não possuir os mesmos conhecimentos prévios de x; a mesma capacidade de compreensão de x (sabe-se que a capacidade de compreensão do indivíduo vai se alargando, à medida que ele vai se apossando de novos conhecimentos, estocando-os em sua memória profunda ou semântica e utilizando-os adequadamente, sempre que for necessário).

Para que y entenda e compreenda e, posteriormente, assimile os conceitos que x quer comunicar, é necessário que x acredite que y possui qualificações para entender o que ele quer ensinar (evidentemente, supondo-se que, no planejamento, a adequação do conteúdo às condições de percepção e compreensão do aluno já foi devidamente efetuada).

Finalmente, se x está devidamente preparado, dominando o assunto que vai tratar com y; e se y tem condições de receber as informações que lhe serão passadas por x, o que é necessário para que a interação entre ambos seja satisfatória?

É aqui que entra o Princípio de Cooperação de Grice:

“Faça sua contribuição conversacional tal como é requerida no momento em que ocorre, pelo propósito ou direção do intercâmbio conversacional em que você está inserido”.

III. Ensinar a língua portuguesa por quê e para quê?

De acordo com Widdowson “O ensino de língua para a comunicação” (1991), o grande objetivo de se ensinar uma língua estrangeira é o de propiciar ao aprendiz a habilidade de usar esse idioma para fins comunicativos. Esta sua proposta de aprendizagem responde a pergunta “Para que ensinar uma língua estrangeira”.

Já a pergunta – “Por que ensinar uma língua estrangeira”-  poderia ser respondida de diversas formas:

  1. porque o aprendiz vai estagiar ou residir num país onde se fala essa língua;
  2. porque as oportunidades de colocação no mercado de trabalho aumentam quando o candidato é proficiente ou, ao menos, sabe atender o telefone, traduzir e responder cartas nesse idioma;
  3. porque o profissional atuante no mercado de trabalho sente a urgência de uma especialização e, para tanto, ele precisa saber ler nesse idioma, já que, em quase todas as áreas do conhecimento, existe uma bibliografia básica ainda não traduzida para o português;
  4. porque essa língua estrangeira faz parte do currículo escolar.

Podemos afirmar que as três primeiras razões são “automotivantes” para o aprendiz, pois é imperiosa a necessidade de aprender essa língua estrangeira, para poder se comunicar, principalmente no que se refere aos itens 1 e 2.

Contudo, quando a língua estrangeira faz parte do currículo escolar (item 4), a coisa muda de figura. Inúmeras vezes, os alunos não percebem a aplicação imediata do que lhes está sendo ensinado e, o que é pior, provavelmente nada disso terá aplicação em tempo algum. O que se ensina normalmente nas aulas de língua estrangeira são formas gramaticais que podem levar o aluno, sendo otimistas, à produção de frases isoladas.

Nesse sentido, Widdowson (1991) vai tentar priorizar o ensino do uso comunicativo em vez da aprendizagem das formas gramaticais, pois, segundo ele, quando se ensina o uso, garante-se o aprendizado das formas e a contrapartida não é verdadeira. Não podemos ignorar que ele parte do pressuposto básico de que o professor de língua tem sempre de saber coisas além da língua que vai ensinar.

Quando transportamos para o ensino da língua materna as questões que abordamos em relação ao ensino da língua estrangeira, somos convidados a algumas reflexões. Parar, de vez em quando, para refletir sobre nossa prática pedagógica é salutar. Ninguém, em sã consciência, pode afirmar que a razão e a finalidade do ensino de língua não possam ser mudadas. Como já dizia Camões:

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,

Muda-se o ser, muda-se a confiança;

Todo mundo é composto de mudança,

Tomando sempre novas qualidades.

Por que, então, ensinar a língua portuguesa para falantes nativos, se eles já sabem falar esta língua?

Se examinarmos o problema por este ponto de vista simplista, é evidente que vamos responder que “não se ensina o padre-nosso ao vigário”. No entanto, podemos redarguir que o vigário sabe rezar o padre-nosso em sua paróquia, lá no interior de Goiás, mas, se chegar à capital, deverá conhecer determinadas regras e convenções de variantes diferentes das que emprega no dia-a-dia, para dizer o mesmo padre-nosso, sem ferir ouvidos e suscetibilidades.

São essas outras variantes, que o aluno ainda não domina, que devem ser ensinadas na escola, partindo-se, sem dúvida, de seu próprio registro, com seu dialeto e seu sotaque como ponto de partida. A razão do ensino da língua, dessa forma, pode ser a proposta por E. Bechara que postula que a escola deve procurar formar alunos “poliglotas em sua própria língua”. E isso se obtém por meio da ampliação de sua competência comunicativa que, segundo Hymes (1974) é a capacidade que os indivíduos têm, não apenas de codificar e decodificar expressões, mas também, de usar e interpretar essas expressões de uma maneira interacionalmente satisfatória.

Para que ensinar a língua portuguesa?

A pergunta deve ser respondida sem se perder de vista o objetivo maior do ensino da língua, discutido no parágrafo acima. Passamos a elencar algumas finalidades práticas obtidas no ensino de língua, ainda que algumas delas também devam participar do planejamento de outros componentes curriculares.

As atividades de língua devem ser orientadas para que no final do curso fundamental, por exemplo, o aluno saiba:

  1. consultar um dicionário;
  2. fazer uma pesquisa na biblioteca;
  3. acessar a Internet;
  4. ler, o que implica pensar criticamente sobre o que lê, seja um artigo de jornal ou um livro;
  5. escrever, o que implica, por exemplo, narrar um acontecimento, externar opiniões;
  6. conversar, o que implica, segundo Widdowson, saber dizer e ouvir, isto é, saber interagir, formulando e respondendo questões, usando com propriedade a língua.

Podemos afirmar que o ensino da língua portuguesa é fundamental para que o aluno tenha sua competência comunicativa ampliada e adquira a consciência de que esta ampliação é contínua, devendo acompanhá-lo vida afora, já que a escola apresentou-lhe e ensinou-lhe o manejo das ferramentas adequadas para isso.

 

IV. Quais os avanços e os limites em uma abordagem pragmática?

Apoiando-nos na tradução espanhola (1995) da obra de Teun A. van Dijk, Texto e contexto: Semântica e pragmática do discurso, confirmamos que o grande avanço em uma abordagem pragmática no ensino da língua é a preocupação que se passa a ter, não apenas com o discurso manifestado, mas também com as estruturas mentais subjacentes implicadas na interação comunicativa: necessidades, crenças, conhecimento, intenções e propósitos dos participantes dos atos de fala, isto é, do falante e do ouvinte. No entanto, é extremamente importante não perder de vista a interação real que acontece na sala de aula.

A atual visão funcional que se tem da língua, como sistema convencional e como produto histórico, enfatizando seu papel na interação social, corrige a visão “psicologizante” da língua e de seu uso. É evidente que não se questiona que nosso conhecimento da língua seja um sistema mental complexo e que o avanço representado pelos trabalhos de Chomsky e seguidores contribuiu enormemente para a compreensão de nossa competência linguística, isto é, a possibilidade do falante de construir e de reconhecer uma infinidade de frases gramaticalmente corretas, de interpretar as que são dotadas de sentido e de descobrir as frases ambíguas. Contudo, Chomsky preocupava-se com o falante ideal, com sua competência e, numa abordagem pragmática da língua, enfatiza-se o seu uso, o seu desempenho por falantes reais em situações reais, levando se em consideração o contexto.

Atualmente, nós, professores de língua, não podemos perder de vista que a maioria de nossas atividades tem implicações sociais, nossos atos são, portanto, parte de interações. Nesse sentido, não podemos ignorar a Teoria da Ação que procura explicar a natureza dos atos comunicativos. Todo ato comunicativo supõe uma troca e baseia-se num conjunto de ações, das quais fazem parte os atos de fala.

Para que nosso discurso pedagógico não seja autoritário, ignorando o interlocutor, devemos tirar proveito da teoria da ação que subsidia nossa prática educativa, ao salientar a importância da cooperação que deve existir entre os agentes: professor e aluno. Ambos devem interagir satisfatoriamente mesmo que tenham propósitos ou intenções diferentes. Enquanto que a intenção e o propósito do professor, na maioria das vezes, estão centrados no aluno, já que seu propósito é fazer com que ele seja aprovado e sua intenção é que esse aluno seja capaz, por exemplo, de ler e interpretar textos de dificuldade média; o propósito do aluno  é compatível com o do professor na medida em que ele quer ser aprovado, contudo sua intenção não é aprender, mas, na maioria das vezes, conseguir o seu diploma.

Algumas práticas de sala de aula que são facilitadas, se empregarmos uma abordagem pragmática, referem-se, por exemplo, à leitura, à interpretação e à produção de textos. Já que essa abordagem preconiza a contextualização de todas as atividades, torna-se muito mais produtiva e interessante a aula de leitura e interpretação de textos, se fornecermos ao aluno indicações como título, autor, prefácio, editor, forma externa do livro ou da revista, permitindo que ele faça inferências, criando hipóteses provisórias que serão ou não confirmadas durante a atividade. Por sua vez, a aula de redação não precisa necessariamente ser um momento de enfado ou de tortura para o aluno, se o professor, de acordo com Maria Teresa Serafini, (Como Escrever Textos. Globo, 1985) montar com ele o contexto de produção, determinando o destinatário, o objetivo do texto, seu gênero, o papel do redator, a extensão do texto e ‑ o que é de fundamental importância para o aluno ‑ os critérios de avaliação que serão empregados e que não podem ser alterados pelo professor.

Por outro lado, quando, em nossas aulas de gramática, procuramos trabalhar com o discurso, abordando as funções pragmáticas que podem ter os conectivos, por exemplo, nas sequências de orações ou nas orações compostas, com certeza, só iremos nos confundir e aos nossos alunos. Um dos motivos, além do nosso despreparo,  é que, muitas vezes, o discurso precedente, essencial para esse tipo de estudo, não pode sempre ser representado pelo contexto. De acordo com van Dijk (Texto e contexto: Semântica e pragmática do discurso.1995),

“…um número limitado de indivíduos e propriedades pode estar disponível para a referência direta, indicativa no contexto. Todos os outros indivíduos, propriedades e relações requerem introdução pelo discurso prévio. Mais especificamente, a interpretação relativa das orações em uma sequência deve definir-se sobre se a sequência está realmente expressa ou não”.

Trocando em miúdos, só por meio de textos é que se pode trabalhar com a sintaxe do discurso. Sabemos, por experiência própria, que o nível sintático, morfológico e fonológico devem ser explorados pelo professor nos pequenos textos, mas também, fora dele quando precisamos exercitar e sistematizar alguns pontos. A Gramática Normativa nos subsidia a contento nesse tipo de atividade.

A lição mais importante que a Pragmática pode nos oferecer é que não podemos perder de vista o nosso interlocutor, quando estamos ensinando. Mesmo que nossas intenções sejam diferentes, temos de caminhar juntos e ele nos acompanhará mais satisfeito, se perceber que nos baseamos em situações concretas de uso em nossas aulas de língua, como ponto de partida para o desenvolvimento de conceitos, ou aplicações de regras, já que os sistemas da língua são convencionais e suas categorias e regras se desenvolvem sob a influência da estrutura da interação em sociedade.

Para finalizar, não devemos nunca demonstrar que conhecemos aquilo que, na realidade, conhecemos muito pouco, o Princípio de Sinceridade deve ser observado em nossa sala de aula. Xenofonte, no século IV a. C. dizia a respeito de Sócrates, modelo para todos os professores, que: “Tudo o que sabia ser útil ao homem e que ele próprio conhecesse, apressava-se a ensinar-lhes, e, para fazê-los aprender o que ele, Sócrates, ignorava, remetia-os a mestres competentes.

 

V. A interação e a argumentação enquadram-se numa abordagem pragmática?

Se levarmos em consideração que uma abordagem pragmática do ensino da língua é aquela na qual o professor está preocupado em interagir com o aluno, procurando abordar situações reais do uso da língua, demonstrando que a argumentatividade é uma importante característica da linguagem, podendo ser ensinada, pois faz parte da retórica que, na concepção aristotélica e na de seus seguidores, entre eles, Perelman, é uma techné, podemos convictamente assegurar que a interação e a argumentação se enquadram numa abordagem pragmática. Considerando que a Pragmática no ensino constitui-se de todo e qualquer aparato que o professor se utiliza para a eficácia de seu discurso pedagógico, passamos a apresentar sucintamente algumas observações baseadas na Nova Retórica de Perelman (1996).

Para que se entenda aonde pretendemos chegar, resgatemos alguns conceitos básicos da retórica antiga retomados pela Nova Retórica. Para Aristóteles, o discurso do orador é uma ação verbal orientadora, ação de persuadir na qual estão envolvidos três fatores: o caráter do orador (ethos), as disposições do ouvinte (pathos) e aquilo que o discurso (logos) demonstra ou parece demonstrar.  Transportando para a sala de aula, estão em jogo a individualidade do professor (ethos), suas intenções, o contexto de enunciação, sua aula, os enunciados em si (logos) e a motivação e a interpretação do aluno (pathos).

Para Perelman, é preciso alguma qualidade para tomar a palavra e ser ouvido, além disso, o orador deve ter apreço por seu auditório. A qualidade do orador é o que lhe garante credibilidade e confiança, permitindo que o ouvinte acredite em sua sinceridade. Seu discurso também deve apresentar certa modéstia, mas não humildade; sua argumentação deve ser convincente, mas não axiomática. O orador deve, portanto, demonstrar que se preocupou com seu ouvinte, interessou-se por seu estado de espírito, já que seu discurso apresenta um ponto de vista que pode ser aceito, e que, aliás, é o preferível e por isso mesmo deve ser aceito.

Um dos maiores problemas enfrentados pelo professor é a sua dependência em relação ao conjunto de conhecimentos que constitui o corpo de sua disciplina. A falta de desenvoltura no tratamento dos elementos de ligação que tornam o saber autônomo, na medida em que transformam simples informações em conhecimentos, embaraçam o seu discurso. A solução, infelizmente, de sobrevivência como professor na sala de aula é sua concordância irrestrita ao livro didático adotado.

Imaginando-se que a situação apresentada no parágrafo acima não exista ou, está sendo sanada constantemente, visto que o saber do professor não pode restringir-se ao conjunto de conhecimentos que adquiriu em sua formação acadêmica, mas deve estar em constante renovação e em sintonia com os avanços da ciência e das transformações sociais, o professor pode aliar seu domínio do conteúdo (logos) ao domínio de sua fala (ethos), como meio de persuadir seus alunos (pathos).

O professor, portanto, deve colocar-se na posição do orador que procura as manifestações explícitas ou implícitas de adesão de seu auditório particular: seus alunos. Um dos maiores problemas de interação que pode acontecer em sala de aula é a desqualificação do professor pelo aluno, ou vice-versa. O aluno, que não consegue ser convencido e também persuadido pela fala do professor, vai desqualificá-lo e não dará importância aos argumentos, mesmo que verdadeiros, que ele venha a apresentar. Da mesma forma, o professor, que considera seus alunos incapazes de seguir suas aulas, não tem consideração nenhuma por eles e não perceberá todo o potencial que neles existe, à espera de ser eficientemente aproveitado, se ele, professor, mudasse as estratégias em suas aulas.

O discurso pedagógico deve ter em mente um dos pressupostos da Retórica de que a linguagem não é só meio de comunicação, é também instrumento de ação sobre as mentes. Por isso mesmo, o estudo dos estilos que o orador se utiliza para obter o acordo com seu auditório pode ser também realizado pelo professor e uma das lições, que ele pode aprender, procede de Quintiliano, o grande retórico do primeiro século de nossa era, citado por Perelman e Tyteca, no Tratado da Argumentação (1996):

Talvez o defeito mais grave, para o orador, seja o de recuar ante a linguagem comum e ante as ideias geralmente aceitas. a aproximação entre linguagem comum e ideias aceitas não é fortuita: a linguagem comum é, por si só, a manifestação de um acordo, de uma concordância, da mesma forma que  as ideias aceitas…”.

O professor não precisa empregar uma linguagem difícil, argumentos herméticos e incompreensíveis, para se impor a seus alunos. Aliás, a expressão adequada, em se tratando do discurso pedagógico, não é “impor-se aos seus alunos”, mas conseguir a sua adesão, a sua cooperação, para que haja uma real interação.

Trechos iniciais dos capítulos para os seminários

Trechos iniciais dos capítulos

A crise do magistério, a formação do professor, as mudanças sociais e econômicas observadas no estado de São Paulo e no país de modo geral, somadas à “transição de um paradigma cientifico para outro – de base gramatical para o de base linguística – colocaram os professores de Língua Portuguesa numa situação muito desconfortável com  respeito a o que ensinar, como ensinar, para quem ensinar e, até mesmo, para quê ensinar  (Castilho, 2002). Essa posição desconfortável tende a perdurar, uma vez que as mudanças no âmbito educacional costumam demorar décadas para que se observe alguma transformação.

Se houve um tempo em que era comum se ouvir dizer que os alunos de modo geral não gostavam de escrever e quando o faziam era para atender a alguma solicitação da escola, atualmente, essa afirmação está cada vez mais difícil de ser sustentada, visto que, em tempos de cultura digital, os alunos trocam muitas mensagens na internet, criam comunidades virtuais, blogam e twittam no universo da rede, interagindo com várias e várias pessoas por meio da escrita e sem que a escola solicite que eles o façam, vale destacar.

Os textos sob análise foram extraídos do inquérito n. 360, do tipo D2 (diálogo entre dois informantes), pertencente ao arquivo do projeto NURC/SP e publicado em A linguagem falada culta na cidade de São Paulo, de A.T. Castilho e D. Preti, v. II, São Paulo, T.A. Queiroz/Fapesp, 1987.

Uma das características mais evidentes da conversação é, seguramente, o fato de que os interlocutores alternam-se nos papéis de falante e ouvinte. Desse modo, uma das formas de se compreender a organização do texto conversacional é verificar os processos pelos quais ocorre a alternância nos referidos papéis e a maneira pela qual os participantes atuam conjuntamente na construção do diálogo.

O presente estudo objetiva verificar no texto abaixo componentes conhecidos na literatura da Análise Conversacional sob a denominação de Marcadores Conversacionais (MC). Trata-se de elementos de variada natureza, estrutura, dimensão, complexidade semântico-sintático, aparentemente supérfluos ou até complicadores, mas de indiscutível significação e importância para qualquer análise de texto oral e cabal compreensão.

Tendo em conta o fato de que, na fala, interlocutores em interação constroem cooperativamente um texto, volta-se este estudo, em termos abrangentes, aos procedimentos de construção do texto falado. Dentre estes, focalizamos aqui, especificamente, o parafraseamento enquanto atividade linguística de reformulação.

Neste capítulo, examina-se um dos procedimentos característicos da língua falada, a correção. Para isso, analisa-se o texto que segue, extraído de uma conversação do material do Projeto NURC/SP.

O estudo da língua culta não implica necessariamente estabelecer um critério de valor para essa variante. O que se pensa é exclusivamente determinar como ela se constitui para representar o seu papel de maior prestígio social, qua a própria sociedade lhe atribui.

Quando se observa o fenômeno da gíria historicamente, ficamos surpreendidos em verificar que os linguistas, filólogos, lexicógrafos nunca deram importância maior ao estudo dessa vertente popular. Talvez o caráter efêmero do vocábulo gírio tenha contribuído para que houvesse certo desinteresse na análise desse recurso expressivo da língua falada.

O estudo da conversação entre idosos pode ser analisado, tendo em conta as condições psicofísicas, decorrentes do processo natural de envelhecimento ou das condições socioculturais em que esses falantes vivem na sociedade contemporânea.

A gíria constitui um vocabulário tipicamente oral. Sua presença na escrita reflete apenas um recurso linguístico, com objetivos determinados, como, por exemplo, indicar a fidelidade de uma transcrição; criar uma interação mais eficiente do escritor com o seu leitor, como ocorre em algumas matérias jornalísticas; dar uma realidade maior ao diálogo literário ou teatral; comprovar um uso em desacordo com o vocabulário de falantes cultos, caso em que é usual transcrevê-la entre aspas, como ocorre na mídia jornalística, etc.

Depois de repassar vários fenômenos caracterizadores da língua falada em geral e a conversacional em particular, inclusive fenômenos de natureza sintática, dedicamos especial atenção à frase, considerada a unidade mínima de qualquer texto.

Este artigo busca abordar questões relacionadas à natureza dos tetos construídos na internet, o chamado hipertexto: texto construído eletronicamente, produto linguístico das novas tecnologias de escritura, que materializam elementos próprios da oralidade e/ou da escrita. Essas novas tecnologias geram variadas e heterogêneas práticas sociais que são articuladas e propagadas pela linguagem.

Este texto começa a ser tecido graças ao estoque de palavras que tenho à disposição neste momento. As ideias há muito tempo pairam em minha mente. Mas o momento certo para que sejam ditas é este, em conformidade com o discurso atual. Há, contudo, um esquema previamente planejado, baseado nas atitudes mentais do escrevente.

É lugar-comum a firmação de que é próprio à língua mudar, evoluir. Auroux (1992), por exemplo, diz que a mudança é um processo tão natural das línguas vivas que, se não existir, a língua morrerá. Portanto, o raciocínio a se fazer para compreender o constante movimento da língua é simples: o uso  propicia variações linguísticas, decorrentes da constante renovação da vida social, e estas vigoram por certo tempo, o que gera o fenômeno conhecido por mudanças linguísticas.

TEXTOS – ORALIDADE E ESCRITA – SEMINÁRIOS

Obras – ORALIDADE E ESCRITA – Seminários

 

 ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA – In: ELIAS, V.M. (org.) Ensino de língua portuguesa: oralidade, escrita e leitura. São Paulo: Contexto, 2011.    

Crescitelli, M. C. Reis, A. S. O ingresso do texto oral em sala de aula (pp. 29-39).

Elias, V. M. Escrita e práticas comunicativas na internet (pp. 160-166).

ANÁLISE DE TEXTOS ORAIS – In: PRETI, D. (org.) Análise de textos orais. São Paulo: Humanitas – Projeto NURC/SP, 1993. Série Projetos paralelos, v. 1.

Fávero, L. L. O tópico discursivo (pp.39-63).

Galembeck, P. T. O turno conversacional (pp.65-92).

Urbano, H. Marcadores conversacionais (pp.93-116).

Hilgert, J. G. Procedimentos de reformulação: a paráfrase (pp.117-146).

Barros, D. L. P. Procedimentos de reformulação: a correção (pp.147-178

 

ESTUDOS DE LÍNGUA ORAL E ESCRITA – In: PRETI, D. Estudos de língua oral e escrita. Rio de Janeiro: Lucerna, 2004.

Preti, D. Mas, afinal, como falam (ou deveriam falar) as pessoas cultas? (pp.13-20).

Preti, D. Transformações no fenômeno sociolinguístico da gíria (pp.99-108).

Preti, D. Variação linguística e faixa etária: interação de idosos (pp.38-61).

FALA E ESCRITA EM QUESTÃO

Preti, D. A gíria na língua falada e na escrita: uma longa história de preconceito social (pp.241-257). In: PRETI, D.  (org.) Fala e escrita  em questão. São Paulo: Humanitas – Projeto NURC/SP, 2000. Série Projetos paralelos, v. 4.

A FRASE NA BOCA DO POVO

    Urbano, H. A frase oral (pp.133-158). In: URBANO, H. A frase na boca do povo. São Paulo: Contexto, 2011.

A LÍNGUA QUE FALAMOS – In: SILVA, L. A. da. A língua que falamos. Português: história, variação e discurso. São Paulo:  Globo, 2005.

Andrade, M. L. C. V. O. Textos construídos na internet: oralidade ou escrita (pp.15-30).

Lima-Hernandes, M. C. A dimensão social das palavras (pp.121-161).

Leite, M. Q. Variação linguística: dialetos, registros e norma linguística (pp.183-210).

NORMAS PARA TRANSCRIÇÃO. Extraídas de Castilho & Preti (1986). A linguagem falada culta na Cidade de São Paulo, vol. II.

NORMAS PARA TRANSCRIÇÃO

OCORRÊNCIAS

SINAIS

EXEMPLIFICAÇÃO

Incompreensão de palavras ou segmentos

(  )

do nível de renda… (  ) nível de renda nominal…
Hipótese do que se ouviu

( hipótese )

( estou ) meio preocupado ( com o gravador )
Truncamento (havendo homografia, usa-se acento indicativo da tônica e/ou timbre)

/

e  comé/e  reinicia
Entoação enfática

maiúsculas

porque as pessoas reTÊM moeda
Alongamento de vogal ou consoante(como s, r)

::

podendo aumentar para ::::  ou mais

ao emprestarem os… éh::::  … o dinheiro 
Silabação

por motivo transação
Interrogação

?

e o Banco… Central… certo?
Qualquer pausa

são três motivos… ou três razões… que fazem com que se retenha moeda… existe uma… retenção
Comentários descritivos do transcritor

((  minúsculas))

((  tossiu))
Superposição, simultaneidade de vozes

ligando as

     [

linhas

  A. na casa da sua irmã     [

B. sexta-feira?

A. fizeram lá…

     [

B. cozinharam lá?

Indicação de que a fala foi retomada ou interrompida em determinado ponto.

(…)

(…) nós vimos que existem
Citações literais, reproduções de discurso direto ou leitura de textos, durante a gravação

“    ”

Pedro Lima… ah escreve na ocasião… O cinema falado em língua estrangeira não precisa de nenhuma baRREIra  entre nós
  1. Iniciais maiúsculas: não se usam em início de períodos, turnos e frases.
  2. Fáticos: ah, éh, eh, ahn, ehn, uhn, tá (não por está: tá? você  está brava? ).
  3. Nomes de obras ou nomes comuns estrangeiros são grifados.
  4. Números: por extenso.
  5. Não se indica o ponto de exclamação (frase exclamativa).
  6. Não se anota o cadenciamento da frase.
  7. Podem-se combinar sinais. Por exemplo oh:::… (alongamento e pausa).
  8. Não se utilizam sinais de pausa, típicos da língua escrita (como . , ; ). As reticências marcam qualquer tipo de pausa.

RETEXTUALIZAÇÃO: da linguagem informal falada para a linguagem formal escrita. IN: MARCUSCHI, L.A. Da Fala para a Escrita: atividades de retextualização. São Paulo: Cortez Editora, 2001.

RETEXTUALIZAÇÃO: da linguagem informal falada para a linguagem formal escrita

LINHA

1           L2 — e ela mora lá…mas ela é…bem velhinha… maluca né? ela até hoje não sabe das coisas ela

2          esquece os nome ela:: a mim ela sabe… mas eu invento história pra ela… e ela acredita

3         em todas as história que eu invento… perturba mui:to a vida de minha irmã porque não

4         tem… os conceitos de higiene dela já sumiram… só gosta de andar mulamba…

5          L1 — ((riu))

6          L2 — quem chegar na casa de minha irmã ela corre com aqueles mulambo pra atender…

7           faz ene coisas… inclusive quando morava ainda nessa casa… com mamãe tem um

8           jardim grande tem um portão de: de pedestre né? e tem o portão de carro… normalmente

9          a gente só entrava no portão de carro que o de pedestre tinha muita planta…

10         L1 — uhm

11         L2 — então a gente nunca entrava por ali e minha tia que mora junto… fez uma reforma

12          no banheiro das empregadas jogou fora um aparelho… ela não admitiu

13         o aparelho tava quebrado ela não admitiu que jogar fora não é possível e resolveu

14         guardar… o lugar que ela guardou no jardim lá de casa… mas na frente… assim

15         no jardim… perto desse portão… quem passava pelo

16         L1 — a bacia do aparelho?

17         L2 — a bacia do aparelho usada antiga velha e amarelada… sabe? aquela bacia

18          branca que fica amarela… ali guardada…

19        L1 — ah:… meu deus do Céu

20        L2 — e o pior é que passou um tempo e a gente não via porque… entra/vinha carro né?

21        L1 — sei:: …não passava por ((riu))

22        L2 — entrava pelo portão de carro…

23        L1—  ((rindo)) tá lá enfeitando o jardim

24        L2 — e as empregadas que aguavam o jardim… não ligavam do terraço você não

25            via… via do muro… que era pior né?… no meio do terraço tinha um cajueiro

26           e tem umas plantas

27        L1 — que coisa engraçada

28        L2 — que cobrem o muro… você vê muito bem o muro… não é?

29        L1 — uhm

30        L2 — mas quem passava pelo muro a pé via aquele aparelho enfeitando o jardim…

31          até o dia que um tio meu chegou…

32        L1 — ai:: que coisa engraçada ((ri))

33        L2 — e foi entrar por aquele portão aí gritou pra minha mãe: I. que coisa lin::da… eu

34          não sabia que isso era moda…

35        L1 — pra que esse jarro tão…

36        L2 — eu vou até comprar uns pra botar no meu jardim… por que você não

37          planta cravo dentro? … ficava mais bonito…

38        L1 — ai meu Deus

39        L2 — aí mamãe “dentro de que não estou vendo nada?”

40        L1 — que coisa mais engraçada

41        L2 — “eu não sabia que você usava aparelho para enfeitar o jardim”…aí foi que mamãe

42           foi ver… só faltou morrer de raiva… porque todo mundo naquelas três semanas

43          passou por ali viu aquele lindo aparelho enfeitando o jardim de minha casa…

44        L1 — que coisa curiosa né?((rindo))

45        L2 — então ela tem essas maluquices né?

 

MARCUSCHI, L.A. Da Fala para a Escrita: atividades de retextualização. São Paulo: Cortez Editora, 2001.

PROGRAMA DE ENSINO da disciplina: Oralidade e escrita: fundamentos e ensino

Curso de Especialização em Língua Portuguesa – MÓDULO III – 2013

Oralidade e escrita: fundamentos e ensino

Profa. Dra. Nílvia Pantaleoni

Carga horária: 32h

I – Ementa:

Estudo da produção discursiva em suas modalidades oral e escrita, considerando-se as variabilidades de uso, do comum ao exemplar, em diferentes esferas de atividade humana.

II – Objetivos:

Geral:

Contribuir para o ensino de Língua Portuguesa por meio do estudo das modalidades oral e escrita da língua, sob a perspectiva textual-interativa.

Específicos:

  • Discutir as características das modalidades oral e escrita da língua como parte de um continuum tipológico, tendo como perspectiva os diferentes gêneros textuais.
  • Analisar diferentes produções discursivas tendo por base pressupostos da Análise da Conversação e da Análise do Discurso.
  • Refletir sobre as possibilidades de operacionalizar o estudo da interação verbal no ensino da Língua Portuguesa.

III – Conteúdos:

1.A interação verbal: pressupostos teóricos.

2. Gêneros textuais: produção e concepção discursiva na fala e na escrita

3. Relações entre fala e escrita.

4. A formulação do texto oral. A organização da interação conversacional

5. Processos de retextualização.

IV – Metodologia:

Leitura e discussão de textos teóricos. Aulas teórico-expositivas. Atividades individuais e em grupo para a realização de exercícios.

V – Avaliação:

Avaliação contínua por meio de atividades orais e escritas (individuais e em grupo).

VI – Bibliografia básica:

CASTILHO, A. T; ELIAS, V. M. Pequena gramática do português brasileiro. São Paulo: Contexto, 2012.

ELIAS, V.M. (org.) Ensino de língua portuguesa: oralidade, escrita e leitura. São Paulo: Contexto, 2011.

FÁVERO, L. L.; ANDRADE, M. L. C. V. O.; AQUINO, Z. G. O. Oralidade e escrita: perspectivas para o ensino de língua materna. São Paulo: Cortez, 1999.

KERBRAT-ORECCHIONI, C. Análise da conversação; tradução: Carlos Piovezani Filho. São Paulo: Parábola Editorial, 2006.

MARCUSCHI, L. Da fala para a escrita: atividades de retextualização. São Paulo: Cortez, 2001.

PRETI, D. (org.) Análise de textos orais. São Paulo: Humanitas – Projeto NURC/SP, 1993. Série Projetos paralelos, v. 1.

_____. (org.) Fala e escrita em questão. São Paulo: Humanitas – Projeto NURC/SP, 2000. Série Projetos paralelos, v. 4.

_____. Estudos de língua oral e escrita. Rio de Janeiro: Lucerna, 2004.

SILVA, L. A. da. A língua que falamos. Português: história, variação e discurso. São Paulo: Globo, 2005

URBANO, H. A frase na boca do povo. São Paulo: Contexto, 2011

 Bibliografia complementar:

JUBRAN, C. C. A. S; KOCK, I. G. V. Gramática do português culto falado no Brasil (org.). Campinas, SP: UNICAMP, 2006

KOCH, I. G. V. A inter-ação pela linguagem. São Paulo: Contexto, 1997.

PRETI. D. (org.) O discurso oral culto. São Paulo. Humanitas – Projeto NURC/SP, 1994. Série Projetos paralelos, v. 2.

_______. (org.) Estudos de língua falada: variações e confrontos. São Paulo: Humanitas – Projeto NURC/SP, 1998. Série Projetos paralelos, v. 3.

_______. (org.) Interação na fala e na escrita. São Paulo: Humanitas – Projeto NURC/SP, 2002. Série Projetos paralelos, v. 5.

_______. (org.). Diálogos na fala e na escrita. São Paulo: Humanitas, 2005. Série Projetos paralelos, v. 7.

_______. (org.). Oralidade em diferentes discursos. São Paulo: Humanitas, 2006. Série Projetos paralelos, v. 8.

Instruções Gerais do MANUAL DE REDAÇÃO E ESTILO de O ESTADO DE SÃO PAULO. Eduardo Martins

Instruções gerais

do MANUAL DE REDAÇÃO E ESTILO de O ESTADO DE SÃO PAULO. Eduardo Martins

1 — Seja claro, preciso, direto, objetivo e conciso. Use frases curtas e evite intercalações excessivas ou ordens inversas desnecessárias. Não é justo exigir que o leitor faça complicados exercícios mentais para compreender o texto.

2 — Construa períodos com no máximo duas ou três linhas de 70 toques. Os parágrafos, para facilitar a leitura, deverão ter cinco linhas cheias, em média, e no máximo oito. A cada 20 linhas, convém abrir um intertítulo.

3 — A simplicidade é condição essencial do texto jornalístico. Lembre-se de que você escreve para todos os tipos de leitor e todos, sem exceção, têm o direito de entender qualquer texto, seja ele político, econômico, internacional ou urbanístico.

4 — Adote como norma a ordem direta, por ser aquela que conduz mais facilmente o leitor à essência da notícia. Dispense os detalhes irrelevantes e vá diretamente ao que interessa, sem rodeios.

5 — A simplicidade do texto não implica necessariamente repetição de formas e frases desgastadas, uso exagerado de voz passiva (será iniciado, será realizado), pobreza vocabular, etc. Com palavras conhecidas de todos, é possível escrever de maneira original e criativa e produzir frases elegantes, variadas, fluentes e bem alinhavadas. Nunca é demais insistir: fuja, isto sim, dos rebuscamentos, dos pedantismos vocabulares, dos termos técnicos evitáveis e da erudição.

6 — Não comece períodos ou parágrafos seguidos com a mesma palavra, nem use repetidamente a mesma estrutura de frase.

7 — O estilo jornalístico é um meio-termo entre a linguagem literária e a falada. Por isso, evite tanto a retórica e o hermetismo como a gíria, o jargão e o coloquialismo.

8 — Tenha sempre presente: o espaço hoje é precioso; o tempo do leitor, também. Despreze as longas descrições e relate o fato no menor número possível de palavras. E proceda da mesma forma com elas: por que opor veto a em vez de vetar, apenas?

9 — Em qualquer ocasião, prefira a palavra mais simples: votar é sempre melhor que sufragar; pretender é sempre melhor que objetivar, intentar ou tencionar; voltar é sempre melhor que regressar ou retornar; tribunal é sempre melhor que corte; passageiro é sempre melhor que usuário; eleição é sempre melhor que pleito; entrar é sempre melhor que ingressar.

10 — Só recorra aos termos técnicos absolutamente indispensáveis e nesse caso coloque o seu significado entre parênteses. Você já pensou que até há pouco se escrevia sobre juros sem chamar índices, taxas e níveis de patamares? Que preços eram cobrados e não praticados? Que parâmetros equivaliam a pontos de referência? Que monitorar correspondia a acompanhar ou orientar? Adote como norma: os leitores do jornal, na maioria, são pessoas comuns, quando muito com formação específica em uma área somente. E desfaça mitos. Se o noticiário da Bolsa exige um ou outro termo técnico, uma reportagem sobre abastecimento, por exemplo, os dispensa.

11 — Nunca se esqueça de que o jornalista funciona como intermediário entre o fato ou fonte de informação e o leitor. Você não deve limitar-se a transpor para o papel as declarações do entrevistado, por exemplo; faça-o, de modo que qualquer leitor possa apreender o significado das declarações. Se a fonte fala em demanda, você pode usar procura, sem nenhum prejuízo. Da mesma forma traduza patamar por nível, posicionamento por posição, agilizar por dinamizar, conscientização por convencimento, se for o caso, e assim por diante. Abandone a cômoda prática de apenas transcrever: você vai ver que o seu texto passará a ter o mínimo indispensável de aspas e qualquer entrevista, por mais complicada, sempre tenderá a despertar maior interesse no leitor.

12 — Procure banir do texto os modismos e os lugares-comuns. Você sempre pode encontrar uma forma elegante e criativa de dizer a mesma coisa sem incorrer nas fórmulas desgastadas pelo uso excessivo. Veja algumas: a nível de, deixar a desejar, chegar a um denominador comum, transparência, instigante, pano de fundo, estourar como uma bomba, encerrar com chave de ouro, segredo guardado a sete chaves, dar o último adeus. Acrescente as que puder a esta lista.

13 — Dispense igualmente os preciosismos ou expressões que pretendem substituir termos comuns, como: causídico, Edilidade, soldado do fogo, elenco de medidas, data natalícia, primeiro mandatário, chefe do Executivo, precioso líquido, aeronave, campo-santo, necrópole, casa de leis, petardo, fisicultor, Câmara Alta, etc.

14 — Proceda da mesma forma com as palavras e formas empoladas ou rebuscadas, que tentam transmitir ao leitor mera ideia de erudição. O noticiário não tem lugar para termos como tecnologizado, agudização, consubstanciação, execucional, operacionalização, mentalização, transfusional, paragonado, rentabilizar, paradigmático, programático, emblematizar, congressual, instrucional, embasamento, ressociabilização, dialogal, transacionar, parabenizar e outros do gênero.

15 — Não perca de vista o universo vocabular do leitor. Adote esta regra prática: nunca escreva o que você não diria. Assim, alguém rejeita (e não declina de) um convite, protela ou adia (e não procrastina) uma decisão, aproveita (e não usufrui) uma situação. Da mesma forma, prefira demora ou adiamento a delonga; antipatia a idiossincrasia; discórdia ou intriga a cizânia; crítica violenta a diatribe; obscurecer a obnubilar, etc.

16 — O rádio e a televisão podem ter necessidade de palavras de som forte ou vibrante; o jornal, não. Assim, goleiro é goleiro e não goleirão. Da mesma forma, rejeite invenções como zagueirão, becão, jogão, pelotaço, galera (como torcida) e similares.

17 — Dificilmente os textos noticiosos justificam a inclusão de palavras ou expressões de valor absoluto ou muito enfático, como certos adjetivos (magnífico, maravilhoso, sensacional, espetacular, admirável, esplêndido, genial), os superlativos (engraçadíssimo, deliciosíssimo, competentíssimo, celebérrimo) e verbos fortes como infernizar, enfurecer, maravilhar, assombrar, deslumbrar, etc.

18 — Termos coloquiais ou de gíria deverão ser usados com extrema parcimônia e apenas em casos muito especiais (nos diálogos, por exemplo), para não darem ao leitor a idéia de vulgaridade e principalmente para que não se tornem novos lugares-comuns. Como, por exemplo: a mil, barato, galera, detonar, deitar e rolar, flagrar, com a corda (ou a bola) toda, legal, grana, bacana, etc.

19 — Seja rigoroso na escolha das palavras do texto. Desconfie dos sinônimos perfeitos ou de termos que sirvam para todas as ocasiões. Em geral, há uma palavra para definir uma situação.

20 — Faça textos imparciais e objetivos. Não exponha opiniões, mas fatos, para que o leitor tire deles as próprias conclusões. Em nenhuma hipótese se admitem textos como: Demonstrando mais uma vez seu caráter volúvel, o deputado Antônio de Almeida mudou novamente de partido. Seja direto: O deputado Antônio de Almeida deixou ontem o PMT e entrou para o PXN. É a terceira vez em um ano que muda de partido. O caráter volúvel do deputado ficará claro pela simples menção do que ocorreu.

21 — Lembre-se de que o jornal expõe diariamente suas opiniões nos editoriais, dispensando comentários no material noticioso. As únicas exceções possíveis: textos especiais assinados, em que se permitirá ao autor manifestar seus pontos de vista, e matérias interpretativas, em que o jornalista deverá registrar versões diferentes de um mesmo fato ou conduzir a notícia segundo linhas de raciocínio definidas com base em dados fornecidos por fontes de informação não necessariamente expressas no texto.

22 — Não use formas pessoais nos textos, como: Disse-nos o deputado… / Em conversa com a reportagem do Estado… / Perguntamos ao prefeito… / Chegou à nossa capital… / Temos hoje no Brasil uma situação peculiar. / Não podemos silenciar diante de tal fato. Algumas dessas construções cabem em comentários, crônicas e editoriais, mas jamais no noticiário.

23 — Como norma, coloque sempre em primeiro lugar a designação do cargo ocupado pelas pessoas e não o seu nome: O presidente da República, Fernando Henrique Cardoso… / O primeiro-ministro John Major… / O ministro do Exército, Zenildo de Lucena… É em função do cargo ou atividade que, em geral, elas se tornam notícia. A única exceção é para cargos com nomes muito longos. Exemplo: O engenheiro João da Silva, presidente do Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis Residenciais e Comerciais de São Paulo (Secovi), garantiu ontem que…

24 — Você pode ter familiaridade com determinados termos ou situações, mas o leitor, não. Por isso, seja explícito nas notícias e não deixe nada subentendido. Escreva, então: O delegado titular do 47o Distrito Policial informou ontem…, e não apenas: O delegado titular do 47o informou ontem.

25 — Nas matérias informativas, o primeiro parágrafo deve fornecer a maior parte das respostas às seis perguntas básicas: o que, quem, quando, onde, como e por quê. As que não puderem ser esclarecidas nesse parágrafo deverão figurar, no máximo, no segundo, para que, dessa rápida leitura, já se possa ter uma ideia sumária do que aconteceu.

26 — Não inicie matéria com declaração entre aspas e só o faça se esta tiver importância muito grande (o que é a exceção e não a norma).

27 — Procure dispor as informações em ordem decrescente de importância (princípio da pirâmide invertida), para que, no caso de qualquer necessidade de corte no texto, os últimos parágrafos possam ser suprimidos, de preferência.

28 — Encadeie o lead de maneira suave e harmoniosa com os parágrafos seguintes e faça o mesmo com estes entre si. Nada pior do que um texto em que os parágrafos se sucedem uns aos outros como compartimentos estanques, sem nenhuma fluência: ele não apenas se torna difícil de acompanhar, como faz a atenção do leitor se dispersar no meio da notícia.

29 — Por encadeamento de parágrafos não se entenda o cômodo uso de vícios linguísticos, como por outro lado, enquanto isso, ao mesmo tempo, não obstante e outros do gênero. Busque formas menos batidas ou simplesmente as dispense: se a sequência do texto estiver correta, esses recursos se tornarão absolutamente desnecessários.

30 — A falta de tempo do leitor exige que o jornal publique textos cada dia mais curtos (20, 40 ou 60 linhas de 70 toques, em média). Por isso, compete ao redator e ao repórter selecionar com o máximo critério as informações disponíveis, para incluir as essenciais e abrir mão das supérfluas. Nem toda notícia está jornalisticamente tão bem encadeada que possa ser cortada pelo pé sem maiores prejuízos. Quando houver tempo, reescreva o texto: é o mais recomendável. Quando não, vá cortando as frases dispensáveis.

31 — Proceda como se o seu texto seja o definitivo e vá sair tal qual você o entregar. O processo industrial do jornal nem sempre permite que os copies, subeditores ou mesmo editores possam fazer uma revisão completa do original. Assim, depois de pronto, reveja e confira todo o texto, com cuidado. Afinal, é o seu nome que assina a matéria.

32—O recurso à primeira pessoa só se justifica, em geral, nas crônicas. Existem casos excepcionais, nos quais repórteres, especialmente, poderão descrever os fatos dessa forma, como participantes, testemunhas ou mesmo personagens de coberturas importantes. Fique a ressalva: são sempre casos excepcionais.

33 — Nas notícias em sequência (suítes), nunca deixe de se referir, mesmo sumariamente, aos antecedentes do caso. Nem todo leitor pode ter tomado conhecimento do fato que deu origem à suíte.

34— A correção do noticiário responde, ao longo do tempo, pela credibilidade do jornal. Dessa forma, não dê notícias apressadas ou não confirmadas nem inclua nelas informações sobre as quais você tenha dúvidas. Mesmo que o texto já esteja em processo de composição, sempre haverá condições de retificar algum dado impreciso, antes de o jornal chegar ao leitor.

35— A correção tem uma variante, a precisão: confira habitualmente os nomes das pessoas, seus cargos, os números incluídos numa notícia, somas, datas, horários, enumerações. Com isso você estará garantindo outra condição essencial do jornal, a confiabilidade.

36 — Nas versões conflitantes, divergentes ou não confirmadas, mencione quais as fontes responsáveis pelas informações ou pelo menos os setores dos quais elas partem (no caso de os informantes não poderem ter os nomes revelados). Toda cautela é pouca e o máximo cuidado nesse sentido evitará que o jornal tenha de fazer desmentidos desagradáveis.

37 — Quando um mesmo assunto aparecer em mais de uma editoria no mesmo dia, deverá haver remissão, em itálico, de uma para outra: Mais informações sobre o assunto na página… / A repercussão do sequestro no Brasil está na página… / Na página… o prefeito fala de sua candidatura à Presidência. / Veja na página… as reações econômicas ao discurso do presidente.

38 — Se você tem vários originais para reescrever, adote a técnica de marcar as informações mais importantes de cada um deles. Você ganhará tempo e evitará que algum dado relevante fique fora do noticiário.

39 — Nunca deixe de ler até o fim um original que vá ser refeito. Mesmo que você tenha apenas 15 linhas disponíveis para a nota, a linha 50 do texto primitivo poderá conter informações indispensáveis, de referência obrigatória.

40 — Preocupe-se em incluir no texto detalhes adicionais que ajudem o leitor a compreender melhor o fato e a situá-lo: local, ambiente, antecedentes, situações semelhantes, previsões que se confirmem, advertências anteriores, etc.

41 — Informações paralelas a um fato contribuem para enriquecer a sua descrição. Se o presidente dorme durante uma conferência, isso é notícia; idem se ele tira o sapato, se fica conversando enquanto alguém discursa, se faz trejeitos, etc. Trata-se de detalhes que quebram a monotonia de coberturas muito áridas, como as oficiais, especialmente.

42 — Registre no texto as atitudes ou reações das pessoas, desde que significativas: mostre se elas estão nervosas, agitadas, fumando um cigarro atrás do outro ou calmas em excesso, não se deixando abalar por nada. Em matéria de ambiente, essas indicações permitem que o leitor saiba como os personagens se comportavam no momento da entrevista ou do acontecimento.

43 — Trate de forma impessoal o personagem da notícia, por mais popular que ele seja: a apresentadora Xuxa ou Xuxa, apenas (e nunca a Xuxa), Pelé (e não o Pelé), Piquet (e não o Piquet), Ruth Cardoso (e não a Ruth Cardoso), etc.

44 — Sempre que possível, mencione no texto a fonte da informação. Ela poderá ser omitida se gozar de absoluta confiança do repórter e, por alguma razão, convier que não apareça no noticiário. Recomenda-se, no entanto, que o leitor tenha alguma ideia da procedência da informação, com indicações como: Fontes do Palácio do Planalto… / Fontes do Congresso… / Pelo menos dois ministros garantiram ontem que…, etc.

45 — Na primeira citação, coloque entre parênteses o nome do partido e a sigla do Estado dos senadores e deputados federais: o senador João dos Santos (PSDB-RS), o deputado Francisco de Almeida (PFL-RJ). No caso dos deputados estaduais de São Paulo e dos vereadores paulistanos, mencione entre parênteses apenas a sigla do partido.

46 — O Estado não admite generalizações que possam atingir toda uma classe ou categoria, raças, credos, profissões, instituições, etc.

47 — Um assunto muito sugestivo ou importante resiste até a um mau texto. Não há, porém, assunto mediano ou meramente curioso que atraia a atenção do leitor, se a notícia se limitar a transcrever burocraticamente e sem maior interesse os dados do texto.

48 — Em caso de dúvida, não hesite em consultar dicionários, enciclopédias, almanaques e outros livros de referência. Ou recorrer aos especialistas e aos colegas mais experientes.

Apresentação do MANUAL DE REDAÇÃO E ESTILO de O ESTADO DE SÃO PAULO. Aluízio Maranhão – Diretor de Redação

APRESENTAÇÃO

O Manual de Redação e Estilo de O Estado de S. Paulo virou notícia faz muito tempo, desde 1990, quando foi lançada sua primeira edição. Afinal, em um país que ostenta carências profundas no acesso das pessoas à cultura e informação e a tiragem média dos livros não se distancia da faixa dos 3 mil exemplares, um Manual com estas características já ultrapassa a barreira das 500 mil unidades distribuídas. Trata-se sem dúvida de uma boa notícia, por servir de termômetro do interesse em escrever melhor, num Português objetivo e correto, mas sem pedantismo.

De autoria do jornalista Eduardo Martins, 57 anos, 37 deles dedicados ao ofício de moldar textos na Redação do Estado, o Manual chega agora à terceira edição. Cada um dos seus verbetes traz a experiência de quem chefiou incontáveis editorias no jornal, foi seu secretário de Redação e já por oito anos auxilia a Direção da Redação no controle de qualidade dos textos publicados.

Não é uma tarefa fácil. O mato-grossense Eduardo Martins lê o jornal diariamente com olhos de lupa, capazes de esquadrinhar de erros ortográficos a construções gramaticais mal desenhadas, passando por desobediências das normas adotadas pelo Estado para grafar datas, números, hora, nomes de personalidades estrangeiras, e assim por diante. Toda essa auditoria a serviço da Língua Portuguesa – e do leitor – se materializa em anotações à margem das páginas do jornal, encaminhadas a cada um dos editores para as providências necessárias. Esse trabalho permite a Eduardo dar tiros certeiros contra o desconhecimento da língua. Além de registrar os escorregões de repórteres e redatores, ele cotidianamente faz transmitir para cada um dos terminais de computador de todos os jornalistas do Estado regras e instruções extraídas do próprio Manual, ou impostas por situações novas, para que os erros deixem de ser cometidos.

A missão de Eduardo Martins tem de ser cumprida em tempos difíceis, diante do grande estrago causado em atividades que dependem da Língua Portuguesa pelo longo período de trevas em que o ensino no País foi tragado pela falência da máquina pública. Hoje, fala-se e escreve-se pior que em gerações passadas. E as redações brasileiras não são nenhum oásis nesse deserto. Mas, se padecem da mesma síndrome que ataca nos exames para o vestibular e nos textos de telenovelas, as redações podem e devem se converter em sólidas trincheiras de defesa do conhecimento da língua. O Manual é uma afiada arma nessa guerra.

Há 20 anos ou mais, as regras internas de redação eram exclusividade dos jornais. Não se pensava em editá-las para o público. Aquilo era coisa para dicionaristas e/ou gramáticos, pessoas tidas como grandes eruditos e detentores de um saber que beirava o inacessível. A profissionalização crescente da atividade jornalística, porém, permitiu que se percebesse que aqueles manuais poderiam ser editados em livro para um mercado carente de publicações voltadas para a aplicação prática da língua.

Os jornais, tanto quanto outras mídias, vivem momento importante em sua história, acossados por novos sistemas de difusão de informações, surgidos na esteira de uma revolução tecnológica que em uma década e meia mostrou que pode haver inúmeras formas de transmitir uma notícia de maneira tão eficiente, atrativa e rentável quanto a impressa em uma folha de papel.

Como competir no mercado de informações contra sistemas que distribuem notícias para computadores em velocidade superior àquela alcançada pelo rádio e TV? A pergunta martela a cabeça de editores de jornais no mundo inteiro. Um jornal como o Estado passou por desafios que o fizeram, em 122 anos de existência, um veículo de linguagem moderna, de paginação arejada, com novas seções e cadernos. Mas os desafios não se esgotam. Eles se sucedem e não permitem que nenhuma publicação possa se considerar uma obra acabada. Tudo, como a linguagem, está em constante evolução.

Cada vez se tem menos tempo para a leitura, imperativo que fundamenta várias reformas em jornais baseadas no farto uso de ilustrações e no encurtamento do texto. É visível, nas duas últimas décadas, a tendência ao emprego parcimonioso de longos parágrafos, de frases intermináveis, verdadeiro teste de fôlego para quem se dispõe a praticar leitura em voz alta. O jornalismo está ficando mais objetivo, os textos, mais diretos e, por isso mesmo, se torna fundamental o bom manejo da língua.

O Manual de Redação e Estilo sedimenta, ainda, uma histórica e gratificante convivência do Estado com o ensino e o conhecimento. A mesma preocupação que ligou o jornal à fundação da Universidade de São Paulo e a mesma convicção que o tornou pioneiro na criação do caderno Cultura, na década de 50, fazem-no lançar mais esta edição do Manual, adotado também em outros jornais e até como livro de auxílio para o ensino do Português nas escolas.

Além de aperfeiçoar a qualidade de cada jornalista do Estado, o Manual democratiza um acervo de conhecimentos até bem pouco tempo atrás confinado nas redações. Os ventos que empurram o jornalismo para novas fórmulas de edição também varrem regras estabelecidas em outras atividades. Por isso, o Manual é feito a partir da preocupação com o que é moderno e eficiente na comunicação. Este é um motivo suficiente para garantirmos que novas edições virão.

Aluízio Maranhão – Diretor de Redação

Liberdade, de Fernando Pessoa. In “Cancioneiro”.

Liberdade

 

Ai que prazer
Não cumprir um dever,
Ter um livro para ler
E não o fazer!
Ler é maçada,
Estudar é nada.
O sol doira
Sem literatura.

O rio corre, bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa,
De tão naturalmente matinal,
Como o tempo não tem pressa…

Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.

Quanto é melhor, quando há bruma,
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não!

Grande é a poesia, a bondade e as danças…
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol, que peca
Só quando, em vez de criar, seca.

O mais do que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças
Nem consta que tivesse biblioteca…

Fernando Pessoa, in “Cancioneiro”.