Categoria: forma de conteúdo

Comentários sobre Prolegômenos a uma Teoria da Linguagem de Hjelmslev. Nílvia Pantaleoni

Comentários sobre Prolegômenos a uma Teoria da Linguagem[1]

Refletir sobre a obra de Louis Hjelmslev, Prolegômenos a uma teoria da linguagem, exige certo esforço, contudo, à medida que uma nova leitura se processa consegue-se vislumbrar aos poucos o edifício da teoria da linguagem que, no último capítulo, o autor nos deixa entrever, quando afirma que precisara se basear provisoriamente num ponto de vista imanente ‑ estabelecendo como objeto a constância, o sistema e a função interna da linguagem ‑ com a finalidade maior de atingir o domínio do saber humano em sua totalidade. Passo a comentar as definições de linguagem, texto e língua; sistema, norma e uso; o signo do ponto de vista saussuriano que subsidiou a noção de signo hjelmsleviano; plano de expressão e plano de conteúdo.

A linguagem, para Hjelmslev, é considerada como um princípio retor, um princípio de categorização do mundo. A função do linguista é trabalhar a linguagem que se define por ser um texto. O texto, por sua vez, é considerado como uma sintagmática que se projeta em todas as direções e em todos os sentidos. Já “uma língua pode ser definida como uma paradigmática cujos paradigmas se manifestam por todos os sentidos”, é um sistema de signos, adequada para formar novos signos. Ela se ordena com uma porção de figuras – unidades menores do sistema ‑ e de signos – unidades do texto. A língua é concebida como uma combinatória, é interdependência entre termos, quer dizer, não se tem um sem os outros. É nesse sentido que Hjelmslev considera a língua como texto infinito, cuja estrutura precisa ser definida; ela é uma rede de funções semióticas. A cada função semiótica são associados dois funtivos que são os dois argumentos que a função coloca em relação: a forma do conteúdo e a forma da expressão.

O sistema de uma língua (ou seu esquema) é uma realidade puramente formal; é o conjunto de relações abstratas que existem entre seus elementos, independentemente de toda caracterização fonética ou semântica destes. O exemplo que Hjelmslev apresenta é do r francês que se define, no sistema, pelo modo como se combina, na sílaba, com os outros fonemas. O sistema é ordenado pelo processo que é inato, enquanto que  próprio sistema é aprendido, é social. A norma, por outro lado, é o conjunto de traços distintivos que, na manifestação concreta de um sistema, permitem reconhecer os elementos uns dos outros. Continuando com o exemplo do r, do ponto de vista da norma, ele se define como uma consoante vibrante, pois isto já é suficiente para distingui-lo de qualquer outro fonema francês. O uso linguístico, portanto, são os fenômenos semântico-fonéticos por meio dos quais o sistema se manifesta de fato. A língua atual que nós conhecemos é sui generis, é aquilo que no momento está em uso. A norma representa uma espécie de abstração operada com relação ao uso.

Para Saussure e os linguistas da escola de Praga, o signo é visto pelas suas funções externas (palavras e relações de palavras, umas portadoras de significado, imagem mental, enquanto outras são apenas relacionais), ele representa então o plano das ideias mais o plano dos sons. Quando se trata do signo hjelmesleviano, é necessário estabelecer as definições de função e de funtivo: função é a dependência que preenche as condições de uma análise – descrição de um objeto através das dependências homogêneas de outros objetos – e funtivo é o objeto que tem uma função em relacionamento a outros objetos Nesse sentido, para Hjelmslev, o signo é visto como dois funtivos: conteúdo e expressão (plano do conteúdo e plano da expressão). A expressão é do sistema; o conteúdo é do processo. O sentido é amorfo, podendo ser conformado de maneiras diferentes nas diferentes línguas. O que determina a sua forma são as funções da língua. A função de um signo enquanto ser signo de algo é a função entre a forma e a substância. sendo que sua função é significar, ele não tem significação; toda significação surge no contexto situacional pleno que a língua estabelece. O signo tem uma função constante porque todas as línguas têm um processo, mas diferenciam-se pelo sistema.

Para abordar a distinção entre plano de conteúdo e plano de expressão, é necessário retomar um dos postulados de Saussure que prega: a língua é forma, não é substância. O que distingue uma língua das outras é a sua configuração, a sua forma; enquanto que a substância (as significações, do ponto de vista semântico) é passível de ser traduzido para outras línguas. A partir da distinção saussuriana, Hjelmslev, postula que cada língua deve ser caracterizada não só no plano da expressão (pelos sons, pela forma, que ela escolhe para transmitir a significação), mas também no plano do conteúdo (pela maneira como apresenta a significação) pois os signos de uma língua raramente têm equivalentes semânticos exatos em outra. Uma língua não é um jogo de rótulos, não é simplesmente uma nomenclatura, é necessário descrevê-la também no plano do conteúdo.

Finalizando, é preciso acrescentar que a teoria de Helmslev abrange todas as linguagens e incorpora todos os tipos de texto, o sistema pode ser transcodificado numa tela, numa fala, em gestos, em qualquer linguagem de sinais. Contudo, o linguista pode e deve concentrar toda a sua atenção sobre as línguas ‘naturais’ e deixar para outros especialistas, principalmente para os lógicos, a tarefa de estudar as outras estruturas semióticas.


[1] HJELMSLEV. L.  Prolegômenos a uma teoria da linguagem. Tradução: J.Teixeira Coelho Netto. SP: Perpectiva, 1975.