Categoria: fala

BALANÇO DA DISCIPLINA “ORALIDADE E ESCRITA: FUNDAMENTOS E ENSINO”

Oralidade e escrita programa 2015 é uma disciplina que abarca muitos conteúdos e muita possibilidade de prática. Acontece que a carga horária restringe-se a 32 horas e se divide em 8 aulas. Decisões precisam ser tomadas para que haja um real aproveitamento tanto por parte dos alunos quanto por parte da professora que também se beneficia com as interações.

Por sorte, a bibliografia básica é simples se levamos em consideração o estilo dos teóricos envolvidos com a Análise da Conversação, mesmo assim, ou por causa disso, compõe-se de obras extremamente pertinentes. Nesse sentido, as aulas da disciplina (final de fevereiro – início de abril de 2015) foram desenvolvidas com ênfase na prática, ou seja, os alunos foram, a partir da primeira aula, a campo para a constituição, cada um individualmente, de um corpus para servir de ponto de partida e de referência para os conceitos implicados na teoria.

Selecionamos o gênero entrevista para ilustrar os conceitos da Análise da Conversação. Como a turma era composta por 11 alunos, foram realizadas 11 entrevistas. Cada entrevista foi gravada e apresentada para o restante da turma. Cada um fez a transcrição de sua entrevista empregando as normas do projeto NURC.

No decorrer das aulas, os alunos e a professora procuraram discutir as características das modalidades oral e escrita da língua como parte de um continuum tipológico, tendo como perspectiva os diferentes gêneros textuais; analisar as produções discursivas tendo por base pressupostos da Análise da Conversação; e refletir sobre as possibilidades de operacionalizar o estudo da interação verbal no ensino da Língua Portuguesa. Para tanto, cada aluno ficou responsável por um tema relacionado aos objetivos da disciplina: variação linguística: dialetos, registros e norma; transformações no fenômeno sociolinguístico da gíria; como falam as pessoas cultas; a dimensão social das palavras; textos construídos na internet; o texto oral em sala de aula; tópico discursivo; turno conversacional; marcadores conversacionais; procedimentos de reformulação: paráfrase; procedimentos de reformulação: correção.

É esperado que os estudos da Análise da Conversação tomem como ponto de partida um texto falado. Tenho o hábito de, no decorrer das aulas, lançar para os alunos o desafio de transformar um texto de concepção escrita e de modo de produção também escrito em um texto de concepção falada e de modo de produção também falado. Tenho observado que essa atividade leva à percepção da riqueza da fala e das múltiplas possibilidades de uma mesma informação ou de um mesmo assunto ser desenvolvido. O desafio, realizado por duplas de alunos, constituiu-se, em transformar INSTRUÇÕES PARA MONTAGEM DE PASTA em DIÁLOGO – COMO SE MONTA UMA PASTA.

Foram realizados seminários para discussão das atividades e dos conceitos apresentados por autores fundamentais para nossa disciplina. Estas são as capas das edições que usei:MARCUSCHI DA FALA PARA A ESCRITA, KERBRAT-ORECCHIONI e Captura de Tela 2015-04-22 às 12.00.51.

Finalmente, para o trabalho de conclusão da disciplina (excertos, com permissão dos alunos, podem ser conferidos), a turma foi dividida em quatro duplas: Vanessa e Isac; Antônio e Willian; Juliana e Helton; Mônica e Mariana; e um trio:Edson, Elenilton e Marcos. Agradeço a toda turma o empenho e a colaboração em todas as nossas interações.

Comentários sobre Reflexões sobre a Linguagem, de Noam Chomsky (PRIMEIRA PARTE)

A faculdade de linguagem é um componente essencial da estrutura mental inata.

Este mote, Chomsky vai glosar nas reflexões que faz a respeito da linguagem e está presente nas duas partes em que se compõe a obra Reflexões sobre a Linguagem[1]. A primeira, uma transcrição elaborada pelo autor de “As Conferências de Whidden”, realizadas em 1975, é dividida em três capítulos: 1. Sobre a Capacidade Cognitiva; 2. O Objetivo da Investigação; e 3. Algumas Características Gerais da Linguagem. A segunda parte, de maior fôlego, pois nela Chomsky procura rebater as muitas críticas às suas investigações, apresenta o capítulo 4. Problemas e Mistérios no Estudo da Linguagem Humana, que, na realidade, é uma versão revista por Chomsky de um ensaio encomendado no ano anterior, 1974, a ser publicado, juntamente com os de outros especialistas da linguagem, em homenagem a Yehoshua Bar-Hillel, lógico israelita de origem polonesa, autor de Aspectos da Linguagem, 1970.

Mais de um quarto de século depois, ainda são pertinentes estas reflexões que, antes de mais nada, são corajosas por já se inserirem no contexto dos estudos pragmáticos da linguagem, subsidiados pelos filósofos da Escola de Oxford, para quem a função comunicativa da linguagem é a preponderante e que são criticados por Chomsky, que previa, é verdade, a validade do estudo do desempenho linguístico – performance – num contexto que já tivesse dado conta da competência – competence – conforme ele reafirma, no mesmo ano (1975), no famoso encontro com Piaget, quando foram confrontadas as teses do construtivismo piagetiano e do inatismo chomskiano: Esperamos construir no futuro uma teoria explicativa global do desempenho, a qual enunciará de maneira muito precisa a interação dos diferentes sistemas, entre os quais, o conhecimento da língua (competência linguística e gramática). As observações relativas ao desempenho envolvem diretamente esse sistema de explicação e, assim, de um modo indireto, os componentes que ele postula[2].

Selecionamos para esta resenha crítica o ponto de vista de Chomsky a respeito do inatismo da linguagem e, apesar de ele estar sempre se referindo a um “locutor ideal” , valemo-nos de um informante real que, no momento desse estudo, vivencia uma das mais extraordinárias experiências humanas: apossar-se do mundo por meio da aquisição da linguagem. Também, vamos seguir a argumentação de Chomsky, na segunda parte da obra, quando ele rebate as críticas que lhe foram feitas por Quine.

O inatismo da linguagem já foi discutido inúmeras vezes e parece que existe consenso entre os linguistas a este respeito. Muitas vezes, quando Chomsky era questionado a este respeito, ele argumentava dizendo que era muito natural que os seres humanos, com o desenvolvimento nitidamente superior do cérebro em relação às outras espécies animais, tivessem a capacidade inata da linguagem, comparando-a com capacidades inatas, por exemplo, dos castores que já nasciam predeterminados para construir barragens e abrigos semi-submersos.

Chomsky parte da indagação de Bertrand Russel que retoma uma interrogação milenar: Como se explica que seres humanos, cujos contatos com o mundo são breves, pessoais e limitados sejam, no entanto, capazes de saber tanto quanto na realidade sabem?[3]. A resposta de Chomsky está no conceito de uma estrutura cognitiva abstrata, criada por uma faculdade inata do espírito, representada de modo ainda desconhecido no cérebro. Sendo o espírito uma capacidade inata de formar estas estruturas cognitivas, existindo uma estrutura cognitiva específica referente à linguagem. Ela existe em nosso cérebro e, para Chomsky, ela deve ser estudada do mesmo modo como são estudados os outros órgãos físicos. Então, é o nosso organismo que tem a capacidade de construir, de desenvolver estas estruturas cognitivas, e o nome que se dá a esta capacidade inata de nosso organismo é aprendizagem. Nesse sentido, Chomsky vai especular a respeito das Teorias da Aprendizagem, já que aprender é a capacidade que o organismo tem de construir estruturas cognitivas. Ou ainda, aprender é essencialmente um problema de preencher pormenorizadamente uma estrutura inata.

Qual é o problema fundamental de uma teoria linguística TA (H, L), onde TA = teoria de aprendizagem, H = seres humanos e L = língua? De acordo com nosso pensador, é delimitar a classe de ‘sistemas passíveis de aprendizagem’ de modo a podermos explicar a rapidez, uniformidade e riqueza da aprendizagem dentro do âmbito da capacidade cognitiva. Evidentemente a hipótese da aprendizagem instantânea de uma língua é rechaçada, contudo o espaço de tempo que vai do estágio inicial a um estágio de maturação, EC (estado cognitivo alcançado na aprendizagem de uma língua) é muito rápido.

A formulação do problema da aquisição da linguagem, Chomsky faz no início da segunda parte de suas reflexões: Que espécie de estruturas cognitivas são desenvolvidas pelos seres humanos, com base na experiência, especificamente no caso da aquisição da linguagem?. A resposta ele dá logo a seguir: Estes estados das estruturas cognitivas, no caso da linguagem, passam por alterações rápidas e extensivas durante um período inicial de vida e, alcançado um estado invariável, ‘final’, este sofre depois apenas modificações de menor relevância.

Qualquer um, desde que se aplique em observar, ainda que sem rigor científico, um bebê, do nascimento até, aproximadamente dois anos, verificará a grosso modo a veracidade da hipótese chomskiana. As conclusões a que pudemos chegar ‑ e inúmeros pesquisadores já puderam constatar com rigor ‑ observando um bebê, atualmente com um ano e nove meses, corroboram a afirmação de Chomsky de que os seres humanos são dotados de um sistema inato de organização intelectual a que poderemos chamar ‘estado inicial’ do espírito. Os seres humanos estão programados para falar, desenvolvendo-se a linguagem de forma natural e rápida, se existir um ambiente favorável para o desencadeamento das funções inatas. Este ambiente favorável, que não se atrela a classe social, ou raça, ou localização geográfica, ou ainda, cultura determinada, vai fornecer informações orais e outros estímulos à criança que constituirá sua gramática numa ordem preestabelecida e num plano predeterminado geneticamente. Pela ordem, os níveis que vão sendo desenvolvidos são os seguintes: Fonêmico, Mórfico e Sintático.

O nível fonêmico começa se manifestar pelo choro que, a partir de alguns meses, já tem uma função apelativa, além da função inicial instintiva. É o mesmo choro que, por volta de um ano, aperfeiçoa-se atingindo o estágio conhecido como “manha” e que, se não é devidamente controlado pelos adultos, se transforma nas inevitáveis “birras”. A função apelativa também vai sendo desenvolvida pelo balbucio constante de sons que vão se articulando e se fixando em alguns fonemas de produção mais simples e quase sempre duplicados. É a fase do papa, mamã, vovó, vovô, teté, nenê, tite e assim por diante. Nessa fase normalmente os adultos que convivem com o bebê, acreditam que seu papel de fornecedor de matéria prima é essencial para o desenvolvimento da linguagem. No entanto, um dia o bebê vem com uma formação sonora que ninguém havia antes lhe ensinado e esta formação não é apenas um balbucio, trata-se já de um signo na concepção de Saussure, com as duas faces já estabelecidas pela criança. Significante: /bibi/ e Significado: epiderme, pele que normalmente fica sob a roupa. O signo foi decodificado pelos adultos com o auxílio do bebê, na época com pouco mais de um ano, idade em que passa a ter mais consciência do próprio corpo. Curiosamente, o repertório de palavras inventadas, alguns dias depois, é acrescido do significante: /bibi-bobó/ com o significado de automóvel. É certo, então, que as manifestações linguísticas, que as crianças recebem do seu meio, exemplificam apenas uma parte das regras gramaticais que ela acaba dominando.

O nível mórfico tem um desenvolvimento impressionante a partir de um ano e meio, com a aquisição diária de inúmeras palavras monossílabas e dissílabas, com a solicitação da criança que passa a apontar tudo o que lhe chama a atenção, assenhorando-se do mundo que a cerca, na medida em que vai lhe dando nomes. Existe para Chomsky a “ação de denominar” que é primária e isolável, as unidades lexicais estão localizadas num ‘espaço semântico’ gerado pela ação recíproca da faculdade da linguagem e de outras faculdades do espírito. Este espaço semântico – já que aprender é essencialmente um problema de preencher pormenorizadamente uma estrutura inata – vai sendo preenchido à medida que o bebê vai interagindo com o mundo. As categorias vão se formando, por exemplo, nomes de animais realmente vistos pela criança como: o hiperônimo onomatopaico “au-au” e os hipônimos ‑ nomes decães que a criança conhece: nenê, chu, mini; os hiperônimos onomatopaicos “miau” para os gatos e “piu-piu” para os passarinhos; e “pexinho” para os peixes do aquário; os animais de brinquedo e os virtuais das páginas dos livros e da tela da televisão vão aumentando incessantemente o léxico da criança.

Nesse momento, um outro nível mais complexo passa a desenvolver-se com enorme rapidez: o nível sintático. É agora que a criança vai iniciar o domínio de uma outra classe de palavras que lhe vai dar a possibilidade de formar as primeiras frases: os verbos. Os primeiros verbos, que se apresentam na terceira pessoa do singular do presente do indicativo, têm na realidade a força ilocutória da ordem, do pedido (emprestando o termo força ilocutória ou ilocucional dos atos de fala de Austin). Eis alguns exemplos: Qué mais! Num qué! Qué! Solta! Dá!. Logo em seguida, temos o emprego das primeiras perguntas, que também têm o valor de um pedido, de uma solicitação: Cadê panino? Cadê au-au? Que é isso?  Isso – a primeira palavra dêitica que tem a função de estabelecer referência entre o mundo extralinguístico e a sua representação em língua.

É interessante observar que toda elocução, nessa idade, é acompanhada por uma extraordinária expressividade da qual participam as mãos, a cabeça, o corpo todo e, que, quando seus desejos não são atendidos, o choro e o monossílabo não, pronunciado com entonações enfáticas, são os únicos argumentos que parecem conhecer. Serão o convencimento e a persuasão por meio da língua as últimas conquistas na aquisição da linguagem? É nesse momento que os primeiros atributos passam a fazer parte do léxico da criança, expressos de forma enfática e sempre antecedidos do “que exclamativo”, delineia-se já o que será futuramente a expressão de sua função emotiva: Que lindo! Que medo! Que gostoso!. Quase que concomitantemente, as primeiras asserções, isto é, as primeiras declarações a respeito do que lhe acontece e ao seu entorno, começam a se multiplicar. Os verbos ainda continuam na terceira pessoa do singular, no entanto, um novo tempo já é empregado: o pretérito perfeito. Alguns exemplos coletados de nosso informante são: Caiu! ‑ para expressar que ele própria caiu ou que derrubou alguma coisa; Foi embora! ‑ quando a gata foge às suas investidas; Bateu! – ao levar umas palmadas por mau comportamento; Voou! – quando algum passarinho bate as asas e desaparece de sua vista.

Concluindo nossas observações a respeito da aquisição da linguagem, de acordo com os postulados de Chomsky, vale lembrar que, para ele, a criança aprende a língua materna em idade na qual não aprende outros saberes tão complexos ou menos complexos que esse. Uma criança como a que acabamos de apontar, de um ano e nove meses, está saindo das fraldas, não consegue comer sozinha, sem derrubar a maior parte do alimento no trajeto do prato à boca e, se deixada no alto de uma escada, certamente sofrerá uma queda, pois seu senso de equilíbrio ainda está em formação. Ext

 

[1] Chomsky, N. Reflexões sobre a linguagem. Lisboa: edições 70, 1975.

[2]Piattelli-Palmarini, M. (org.)Teorias da Linguagem – Teorias da Aprendizagem: o debate entre Jean Piaget e Noam Chomsky. SP: Cultrix, 1979.

[3]Russel, B. Human Knowledge: Its scopes and limits. NY: George Allen and Unwin, 1948.

Variedades linguísticas: norma, correção e adequação. Apontamentos das aulas de Comunicação Empresarial (1)

I – Variedades linguísticas: norma, correção e adequação

Nílvia Pantaleoni

O uso adequado e eficaz da língua, nas mais variadas situações de comunicação, pressupõe uma competência pragmático-utilitária que emerge, não só da utilização de normas e convenções, mas também da conveniência de se distinguir entre uma variedade erigida em norma-padrão, institucionalmente reconhecida como tal, e outras variedades geográfica e socialmente diferentes e legítimas.[1]

 

A variação linguística existe, não podemos ignorar sua riqueza. A marca da diversidade deve ser considerada como algo positivo e ser incorporada aos nossos hábitos linguísticos à medida que nos adequamos ao momento interativo, ou seja, à situação comunicativa. Aliás, a adequação à situação comunicativa incorpora-se entre as máximas conversacionais, regidas pelo princípio de cooperação postulado pelo filósofo da linguagem H.P. Grice.

Grice observa que os falantes seguem um princípio cooperativo geral que orienta os usos eficientes da língua. Numa conversa e, podemos também dizer, numa interação por escrito, ou via internet, os interlocutores guiam-se – mesmo que disso não tenham consciência – por máximas da qualidade, da quantidade, da relevância e do modo. É evidente que elas são frequentemente desobedecidas, mas, num plano ideal, os interlocutores são cooperativos.

Como se dá essa cooperação entre os interlocutores? Como eles podem contribuir com o outro?

Falando só o que é verdadeiro, ou o que eles imaginam que seja verdade (máxima da qualidade); contribuindo com a informação necessária, não mais do que isso (máxima da quantidade); além disso, suas contribuições devem ser relevantes para o propósito da comunicação (máxima da relevância); e, o que mais nos interessa no momento, já que estamos tratando da variedade, da adequação e da correção linguística, ele deve ser claro, evitando a ambiguidade e a falta de clareza (máxima do modo).

Não é adequado o médico que, durante uma consulta, num posto de saúde, usa seu incompreensível jargão para se dirigir ao seu paciente, completamente leigo em assuntos de medicina. Ele será menos adequado ainda, e também extremamente inconveniente se tentar imitar, muitas vezes jocosamente a variante linguística de seu paciente. A adequação à situação comunicativa é perfeitamente possível, e, na maioria dos casos, esta adaptação acontece pelo fato de existir uma espécie de linguagem comum que todos os falantes dominam.

Dino Preti[2] afirma que uma linguagem comum do ponto de vista geográfico, usada, em tese, pelos falantes urbanos de cultura média, empregada no dia-a-dia, contribui para a unificação dos falares regionais, porque é compreensível em todas as regiões do país.

Nas aulas de Comunicação Empresarial, o que deve ser estudado? O que é adequado? Com certeza, não se ensina gramática normativa. Pressupõe-se que o aluno fale e escreva com segurança, pois deve dominar essa linguagem comum.

O aluno deve sentir-se seguro para se expressar em seus trabalhos por escrito produzindo, por exemplo, resumos, resenhas, relatórios, projetos, isto é, gêneros onde predominam seqüências tipológicas ou tipos textuais expositivo-argumentativos em geral, preocupando-se com a clareza, a concisão, a organização de seu texto, não perdendo de vista o interlocutor de seu texto que, na vida universitária, é quase sempre o professor e também seus colegas.

Também nas situações comunicativas orais, isto é, em seminários, apresentações de trabalhos e debates, alguns cuidados não só com o falar, como também com o agir em público devem ser levados em consideração. Para isso existem técnicas; a simpatia  de quem está ouvindo liga-se com o ethos de quem está falando. Falar bem, em voz alta, clara, pausada e convincente, por exemplo, faz parte da adequação à situação comunicativa de um seminário que os alunos preparam antecipadamente.

Participar de discussões e debates não é entrar num bate-boca para defender a todo custo seu ponto de vista, também não é ficar calado, alheio ao que acontece, querendo que tudo termine logo, porque nada daquilo lhe interessa. Participar de uma discussão é querer demonstrar seu ponto de vista aos seus interlocutores e, mais que isso, é tentar persuadi-los com a força de sua argumentação. Finalmente, também é saber ouvir e respeitar o ponto de vista do outro.

Nas aulas de Comunicação Empresarial, você aprimora suas técnicas de leitura, interpretação e produção de textos. Se você tem dificuldades específicas para se expressar por escrito, ou mesmo, oralmente, não perca a oportunidade de se dirigir ao professor que sempre tem material-extra com conteúdos específicos e exercícios que podem eliminar dúvidas. Não podemos ignorar que a educação linguística de qualquer falante nativo inicia-se na esfera íntima do lar, continua nas esferas públicas, abertas. Finalmente, o espaço ideal para o desenvolvimento da educação linguística são as instituições de ensino que aperfeiçoam, hierarquizam e rotulam as mais diversas atividades lingüísticas sociocomunicativas.

O que importa em relação à ética linguística que procuramos observar na instituição escolar, esperando que continue em qualquer situação nas diversas esferas das atividades humanas, é o respeito que devemos ter com o direito linguístico que todo cidadão possui de falar sem ser discriminado e, como alunos que têm como meta o aprimoramento de competências e a aquisição de novas habilidades, importa o crescimento como leitores, falantes e autores na língua que lhes pertence por direito de nascimento.

A língua portuguesa não é fácil nem difícil, mas é um idioma com potencialidades tamanhas que nem os imortais acadêmicos conhecem integralmente. Uma parcela de sua riqueza, de sua diversidade a qual estamos acostumados todos os dias, em todos os lugares, nas mais diversas situações, será tema de outros textos de Comunicação Empresarial, pelo menos, por dois motivos: como futuro profissional, o conhecimento da heterogeneidade da língua portuguesa é fundamental. Por isso, citando Evanildo Bechara, devemos ser poliglotas em nossa própria língua; e como falantes nativos de português que têm consciência de que devem ser cooperativos com seus interlocutores, devemos respeitar a situação comunicativa em que estamos inseridos.

Com os amigos, no trabalho, em casa, na rua, nos corredores da universidade, na sala de aula, nos trabalhos escritos, em uma comunicação mais formal, nos bate-papos da Internet. Cada tempo, cada ambiente, cada situação pede o uso de uma variação. O importante é que não nos esqueçamos da linguagem comum, informal, usada, em tese, pelos falantes urbanos de cultura média, empregada no dia-a-dia, para as situações mais frequentes de nosso cotidiano. Também é importante ter consciência de que a leitura de textos acadêmicos e a produção de trabalhos que o estudante universitário realiza são orientados pela variedade considerada culta da língua portuguesa, quando se emprega a linguagem dita formal.


[1] Guimarães, E. in: Dino Preti e seus temas: oralidade, literatura, mídia e ensino. SP: Cortez, 2001.

[2] Preti, Dino. Sociolinguística: Os Níveis de Fala. SP: Cortez, 2000.

As interações verbais de acordo com Kerbrat-Orecchioni

A ORGANIZAÇÃO ESTRUTURAL DAS CONVERSAÇÕES

Uma conversação é uma sucessão de turnos de fala regida pela alternância e submetida a princípios de coerência interna.

Uma conversação é uma organização que obedece a regras de encadeamento sintático, semântico e pragmático.

Uma conversação é um texto produzido coletivamente, no qual todos os fios devem de certo modo se enlaçar.

Os enunciados dos interlocutores devem ser mutuamente determinados.

A GRAMÁTICA DAS CONVERSAÇÕES

  • Organização global > cenário (script) que embasa o desenvolvimento do conjunto da interação.
  • Organização local > encadeamento dos diferentes constituintes do diálogo.

O MODELO HIERÁRQUICO

As conversações são arquiteturas complexas e hierarquizadas, fabricadas a partir de unidades que são encaixadas umas nas outras, segundo algumas regras de composição.

unidades dialogais

1. unidade máxima de análise > interação

unidade comunicativa que apresenta uma evidente continuidade interna (assunto)

2. combinadas, constituem as interações > sequência

bloco de trocas ligadas por um forte grau de coerência semântica ou pragmática (mesmo tema)

3. combinadas, constituem as sequências > troca

menor unidade dialogal

unidades monologais

4. entre dois falantes, constituem as trocas > intervenção

contribuição de um falante particular a uma troca particular

5. combinados, constituem as intervenções > ato de fala

pergunta – convite – promessa – cumprimento

Estrutura interna da troca

1. com uma intervenção > intervenção por meios não-verbais; ausência da segunda intervenção

2. com duas intervenções > par adjacente: intervenção iniciativa + intervenção reativa (troca simétrica e troca complementar)

3. com três intervenções > intervenção iniciativa (pergunta) + intervenção reativa (resposta) + intervenção avaliativa

4. com mais de três intervenções > ciclo de negociações

A RELAÇÃO INTERPESSOAL

Uma interação verbal é uma ação que afeta as relações consigo e com o outro numa comunicação face a face.

Propriedades da interação verbal

reflexibilidade

O emissor da mensagem é, ao mesmo tempo, seu primeiro receptor.

simetria

Todo receptor funciona, ao mesmo tempo, como um emissor em potencial.

transitividade

Se um emissor X transmite a um receptor Y uma informação I, Y tem a possibilidade de transmitir, por sua vez, I a Z, sem ter vivenciado ele próprio a experiência da validade de I.

 

Relação horizontal e vertical

Toda interação se desenrola num certo quadro e põe em presença determinadas pessoas. (dados externos)

Em toda interação ocorre um certo número de eventos por meio de um certo número de signos. (dados internos)

 Relação horizontal (distância social)

 O eixo da relação horizontal é gradualmente orientado, de um lado para a distância, e, de outro, para a familiaridade e para a intimidade. Essa relação é negociável entre os interlocutores por meio dos relacionemas (indicadores e construtores da relação interpessoal).

Relação vertical (relação de poder) 

Os interlocutores não são sempre iguais na interação: um pode se encontrar numa alta posição de dominante e o outro numa baixa posição de dominado. A relação de lugares depende da produção de taxemas (aparência física, postura, organização do espaço, formas de tratamento).

POLIDEZ: ASPECTOS TEÓRICOS

A polidez tem a função de preservar o caráter harmonioso da relação interpessoal. Seus princípios exercem pressões muito fortes sobre a produção dos enunciados.

O modelo de Brown e Levinson

a. noção de “face”

Todo indivíduo possui duas faces:

  • a face negativa, que corresponde grosso modo ao que Goffman descreve como os “territórios do eu” (território corporal, espacial ou temporal, bens materiais ou saberes secretos…)
  • a face positiva, que corresponde grosso modo ao narcisismo e ao conjunto de imagens valorizantes que os interlocutores constroem de si e que tentam impor na interação.

b. A noção de “FTA”  (Face Threatening Act)

Em qualquer interação com dois interlocutores, quatro faces se encontram postas em presença.

Ao longo do desenrolar da interação, os interlocutores são levados a realizar um certo número de atos verbais e não-verbais.

Atos que ameaçam a face negativa do emissor

o caso da oferta ou da promessa, pelas quais se propõe ou se compromete a efetuar um ato suscetível de lesar, no futuro, seu próprio território.

Atos que ameaçam a face positiva do emissor

a confissão, a desculpa, a autocrítica e outros comportamentos “autodegradantes”.

Atos que ameaçam a face negativa do receptor

as violações territoriais de natureza não-verbal (por exemplo, contatos corporais inadequados).

as ameaças territoriais de natureza verbal: as perguntas “indiscretas”; e atos inoportunos ou diretivos.

Atos que ameaçam a face positiva do receptor

a crítica, a refutação, a reprovação, o insulto e a injúria, a chacota e o sarcasmo que colocam em risco o narcisismo do outro.

 

 

c. A noção de face want (desejo de preservação das faces)

 Os atos efetuados de ambas as partes ao longo da interação são potencialmente ameaçadores para os interactantes: “Uns e outros, sejam cuidadosos”.

d. A noção de face work (tudo o que uma pessoa empreende para que suas ações não impliquem perda diante de ninguém)

Para Brown e Levinson: utilizando diversas estratégias de polidez. A polidez aparece como um meio de conciliar o mútuo desejo de preservação das faces, com o fato de que a maioria dos atos de fala são potencialmente ameaçadores para uma dessas faces.

AS MANIFESTAÇÕES LINGUÍSTICAS DA POLIDEZ

 Polidez positiva

A polidez positiva consiste exatamente em produzir algum ato que tenha um caráter essencialmente “antiameaçador” para seu destinatário: manifestação de acordo, oferta, convite, elogio, agradecimento, fórmula votiva ou de boas-vindas.

 

Polidez negativa

Evasão: A melhor maneira de ser (negativamente) polido é evitar cometer um ato que, aparecendo na interação, correria o risco de ser ameaçador para o destinatário (crítica, recusa etc.).

Suavizadores

de natureza paraverbal ou não-verbal

voz mansa, sorriso ou inclinação lateral da cabeça (que acompanha frequentemente a formulação das interpelações ou das refutações).  
Suavizadores

de natureza verbal

 

substitutivos

consistem em substituir a fomulação mais direta por uma outra mais “suave”

ato de fala indireto:

ordem substituída um pedido: Você pode fechar a porta?;

pergunta que equivale a uma reprovação: Você colocou todo esse sal na sopa?.

desatualizadores modais, temporais ou pessoais:

condicional: Você poderia fechar a porta?;

passado de polidez: Eu queria te pedir que … ;

apagamento da referência direta aos interlocutores: O problema não foi resolvido corretamente. Não se fuma aqui.

lítotes ou eufemismo:

Não é muito inteligente o que você acaba de fazer.

acompanhantes

são procedimentos subsidiários

enunciado preliminar (fórmula especializada): por favor; se for possível; Você tem um momento?; Posso te dar uma opinião?
minimizadores:  Eu queria simplesmente te pedir;  Você pode me dar uma ajudinha?; Eu tenho uma perguntinha pra te fazer; Me dá um cigarrinho.
modalizadores: eu penso/creio/acho/tenho a impressão que… ; me parece que… ; talvez/possivelmente/ provavelmente; para mim; na minha opinião (pelo menos).
desarmadores: Não queria te importunar, mas… ; Fico embaraçado por te incomodar, mas… ; Espero que você não me interprete mal, mas … ;