Categoria: paródia

Intertextualidade – Teoria

Intertextualidade: teoria

Ana Lúcia Tinoco Cabral

Nílvia Pantaleoni

         Os dicionários definem intertextualidade como sendo a superposição de um texto a outro; a influência de um texto sobre outro que o toma como modelo ou ponto de partida, e que gera a atualização do texto citado. Verificamos dessa forma que o conceito de intertextualidade, como o próprio nome indica, diz respeito à relação que se estabelece entre textos. Na verdade, todo texto é absorção e transformação de uma multiplicidade de outros textos, o que vale dizer que não existe um texto que seja totalmente original.

Um dos exemplos mais conhecidos de intertextualidade é a que se estabelece entre dois textos: o texto-matriz e o texto-derivado, que constitui uma paráfrase do primeiro. A paráfrase define-se como o desenvolvimento do texto de um livro ou de um documento, conservando-se as idéias originais, ou ainda, o modo diverso de expressar frase ou texto, sem que se altere o significado da primeira versão. Para Samir Meserani (O Intertexto Escolar, 1995), a paráfrase sempre remete a uma obra que lhe é anterior para reafirmá-la, esclarecê-la. A reafirmação parafrástica implica concordância que, muitas vezes, a aproxima da reprodução. A paráfrase aparece com freqüência em textos literários, científicos, religiosos, e da comunicação comum. É um recurso empregado pelos falantes  nas mais variadas situações de comunicação.

Meserani divide a paráfrase em dois tipos de discurso: a paráfrase reprodutiva e a criativa:

“A paráfrase reprodutiva é que a que traduz em outras palavras um outro texto, de modo quase literal.. Dentro de limites bastante estreitos, ela serve para reiterar, insistir, fixar, explicar, precisar, expandir ou sintetizar uma mensagem – no todo ou parcialmente.”

“A paráfrase criativa é a que ultrapassa os limites da simples reafirmação ou resumo do texto original, da simples tradução literal. Neste tipo de paráfrase, o texto se desdobra e se expande em novos significados. Ainda que não discorde do texto de origem, dele se distancia, usando-o como patamar ou pretexto.”

Exemplo de paráfrase criativa

Texto-matriz

Texto original: Gonçalves Dias

 

Minha Terra tem palmeiras

Onde canta o sabiá.

As aves que aqui gorjeiam

Não gorjeiam como lá.

Texto-derivado

Paráfrase: Carlos Drummond De Andrade

Meus olhos brasileiros se fecham saudosos

Minha boca procura a “Canção do Exílio”.

Como era mesmo a “Canção do Exílio”?

Eu tão esquecido de minha Terra…

Ai terra que tem palmeiras

onde canta o sabiá!

Dentre as formas de se elaborar uma paráfrase, destacamos uma técnica que é muito utilizada: a paráfrase estrutural, que consiste em criar um texto a partir da estrutura de outro. Observe alguns exemplos de paráfrase estrutural:

O sertanejo é, antes de tudo, um forte. (Euclides da Cunha)

O web designer é antes de tudo um criador.

A língua é um conjunto de sinais que exprimem idéias, sistema de ações e meio pelo qual uma sociedade concebe e expressa o mundo que a cerca. (Celso Cunha)

O hipertexto é um conjunto de textos que ……….

Outra forma de intertextualidade, ou seja, de retomada de textos já produzidos, é a paródia, definida pelo dicionário como sendo uma imitação cômica de uma composição literária. É uma característica que se faz cada vez mais presente nos textos atuais. O estilo de muitos jornalistas e publicitários, além de parafrástico, é também entremeado de paródias.

Para se entender uma paródia, é necessário o conhecimento do texto ou textos originais que tornaram possível a imitação. Nesse sentido, podemos afirmar que não pode existir uma paródia que não dialogue com o texto-matriz, ou seja, sempre existe entre este e a paródia o que os estudiosos da linguagem denominam intertextualidade.

Exemplo de paródia

 

Texto-matriz: O lobo e o cordeiro

Vendo um lobo que certo cordeirinho matava a sede num regato, imaginou um pretexto qualquer para devorá-lo. E embora se achasse mais acima, acusou-o de sujar a água que bebia. O cordeiro explicou-lhe que bebia apenas com a ponta dos beiços e, além disso, estando mais abaixo, nunca poderia turvar-lhe o líquido. O lobo, exposto ao ridículo, insistiu:

— No ano passado, ofendeste meu pai.

—   No ano passado, eu não tinha nascido, replicou o cordeiro.

O lobo então:

—   Defendeste-te muito bem, mas nem por isso deixarei de comer-te!

 De que vale a defesa perante quem quer fazer o mal?

Esopo, Enciclopédia Mundial de fabulas. Vol III.

Paródia

Texto derivado:  O lobo e o cordeiroEstava o cordeiro bebendo água, Quando viu refletida, no rio, a sombra do lobo. Estremeceu, ao mesmo tempo, que ouvia a voz cavernosa: “Vais pagar com a vida o teu miserável crime”. “Que crime?” — perguntou o cordeirinho tentando ganhar tempo, pois já sabia que com lobo não adianta argumentar. “O crime de sujar a água que eu bebo.” “Mas como posso sujara a água que bebes se sou lavado diariamente pelas máquinas automáticas da fazenda?” — Indagou o cordeirinho. “Por mais limpo que esteja um cordeiro é sempre sujo para um lobo.” “E vice-versa”. — pensou o cordeirinho, mas disse apenas: “Como posso sujar a sua água se estou abaixo da corrente?” “Pois se não foi você foi seu pai, foi sua mãe ou qualquer outro ancestral e eu vou comê-lo de qualquer maneira, pois como rezam os livros de lobologia, eu só me alimento de carne de cordeiro” — finalizou o lobo preparando-se para devorar o cordeirinho. “Ein moment! Ein moment” — gritou o cordeirinho traçando seu alemão kantiano. “Dou-lhe toda razão, mas faço-lhe uma proposta: se me deixar livre, atrairei para cá todo o rebanho”. Chega de conversa — disse o lobo — vou comê-lo logo, e está acabado”. “Espera aí” — falou o cordeiro — isso não é ético. Eu tenho, pelo menos, direito a três perguntas.” “Está bem” — cedeu o lobo irritado com a lembrança do código milenar da jungle. — Qual é o animal mais estúpido do mundo?” “O homem casado” — respondeu prontamente o cordeiro. “Muito bem, muito bem!” — disse o lobo, logo refreando, envergonhado, o súbito entusiasmo. “Outra: a zebra é um animal branco de listras pretas ou preto de listras brancas?” “Um animal sem cor pintado de preto e branco para não passar por burro” — respondeu o cordeirinho. “Perfeito!”— disse o lobo engolindo em seco. “Agora, por último, diga uma frase de Bernard Shaw”. “Vai haver eleições em 66” — respondeu logo o cordeirinho mal podendo conter o riso. “Muito bem, muito certo, você escapou!” — deu-se o lobo por vencido. E já ia se preparando para devorar o cordeirinho quando apareceu  o caçador e o esquartejou.

Moral: Quando o lobo tem fome não deve se meter em filosofias

Millôr Fernandes. Fábulas Fabulosas

 

A intertextualidade não é cópia nem plágio. Antigamente, antes do advento da imprensa, existia a profissão de copista. O que se passava em sua cabeça enquanto copiava os textos encomendados, não podemos imaginar, mas é provável que a sua cópia, depois alguns exemplares feitos, se tornasse automática. Podemos compará-lo à figura do projetista de filmes que, depois de passar a fita dez vezes não presta mais atenção a ela, ficando sua mente ocupada com outros pensamentos. Hoje, mesmo não sendo, copistas temos a sensação de estarmos fadados à cópia, pois parece que tudo já foi dito, já foi escrito e temos o temor de, ao escrever, não estarmos sendo autênticos, pela nítida sensação de que alguém já disse aquilo que pretendemos expressar.

Atualmente, um dos espaços mais ricos quando se pensa em intertextualidade é, sem dúvida, a Web. O hipertexto põe em jogo uma multiplicidade de textos que se intercomunicam. Quando ativamos um hipertexto, estabelecemos automaticamente uma relação entre um texto-matriz, aquele que contém o link que despertou em nós o interesse pela ampliação de informação e um texto-derivado, aquele a que o link conduz. Entretanto, não devemos confundir esse tipo de intertextualidade com a paráfrase acima mencionada. No hipertexto, os textos remetem-se uns aos outros, ou seja, intertextualizam-se pelo tema.

Quando se pensa em intertextualidade e internet, é preciso considerar também a questão do plágio: o plagiador é o indivíduo que assina como próprio o trabalho de outrem, o que naturalmente se constitui num crime. A Web, por fornecer uma infinidade de textos a todos os navegadores indiferentemente, tornou-se fonte de muitos plágios. O que ocorre, na verdade, é que não conseguimos ser sempre originais. É aqui que entra a questão da intertextualidade, quer dizer, o que existe, na realidade, é que não podemos fugir de todo conhecimento de textos que fomos acumulando durante a vida. Quando nos dispomos a escrever sobre determinado assunto, tudo o que já lemos sobre ele, automaticamente, é ativado por nossa memória, como se ela funcionasse como um grande hipertexto, ficando em sinal de alerta, e acabamos por dialogar com todos esses textos ao escrevermos o nosso.

 

ATIVIDADE: PARÁFRASE E PARÓDIA

ATIVIDADE: PARÁFRASE E PARÓDIA

A partir do texto-matriz, elabore as seguintes paráfrases: reprodutiva, criativa e estrutural, sendo que as paráfrases estrutural e criativa devem ser construídas da seguinte forma: a primeira, com conteúdos da área da propaganda e a segunda, com total liberdade. Nesse caso, o texto matriz é o mote e a paráfrase é a glosa. As paráfrases criativa e  estrutural são atividades individuais. A paráfrase reprodutiva será feita em dupla e deverá  ser uma expansão do texto-matriz, recorrendo a desdobramentos dos referentes cujos significados sejam desconhecidos.

 

TALISMÃS

Um exemplar da primeira edição da Edda Islandorum de Snorri, impressa na Dinamarca. Os cinco tomos da obra de Schopenhauer. Os dois tomos das Odisséias de Chapman. Uma espada que guerreou no deserto. Uma cuia com um pé de serpentes que meu bisavô trouxe de Lima. Um prisma de cristal. Uns daguerreótipos esmaecidos. Um globo terrestre de madeira que Cecília Ingenieros me deu e que foi de seu pai. Um bastão de cabo encurvado que andou pelas planícies da América, pela Colômbia e pelo Texas. Vários cilindros de metal com diplomas. A toga e um barrete de um doutorado. Las Empresas de Saavedra Fajardo, em perfumada encadernação espanhola. A memória de certa manhã. Linhas de Virgílio e de Frost. A voz de macedônio Fernández. O amor ou o diálogo de uns poucos. Certamente são talismãs, mas nada valem contra a sombra que não posso nomear, contra a sombra que não devo nomear.

(J.L. Borges. A Rosa Profunda. 1975)

Paráfrase reprodutiva
Paráfrase criativa
Paráfrase estrutural

Paráfrase e Paródia. Nílvia Pantaleoni

 Paráfrase e Paródia

 Nílvia Pantaleoni

É difícil fugir a fórmulas que já provaram ser eficientes. Por isso, o uso tão frequente de recursos parafrásticos, principalmente na “Terra de ninguém” da propaganda. Evidentemente, todos concordamos que o discurso da propaganda necessita perpassar por outros campos discursivos. Ele apropria-se não só de cada esfera da atividade humana que precise de divulgação mas transfere conteúdos,  formas e estilos de uma para outra esfera. Não podemos nos esquecer também, que um dos efeitos de sentido mais caros ao consumidor é o de reconhecimento de que o que está sendo veiculado já fazia parte de seu conhecimento prévio e que parece comprovar sua inteligência, perspicácia e seu modo de ser/situar-se  no mundo.  Nosso proposta é de que devemos também realizar atividades de paráfrase e ficar atentos para o uso desse recurso, para que, conhecendo suas artimanhas, tenhamos condições de entender um dos mecanismos mais intensamente empregados pelo discurso da propaganda.

A paráfrase é definida pelo dicionário como o desenvolvimento do texto de um livro ou de um documento, conservando-se as ideias originais, ou ainda, o modo diverso de expressar frase ou texto, sem que se altere o significado da primeira versão. Para Samir Meserani, (O Intertexto Escolar, 1995), a paráfrase sempre se remete a uma obra que lhe é anterior para reafirmá-la, esclarecê-la. A reafirmação parafrástica implica concordância que, muitas vezes a aproxima da reprodução. A paráfrase aparece com frequência em textos literários, científicos, religiosos e da comunicação comum. Meserani divide a paráfrase em dois tipos de discurso: a paráfrase reprodutiva e a criativa.

“A paráfrase reprodutiva é a que traduz em outras palavras um outro texto, de modo quase literal. Dentro de limites bastante estreitos, ela serve para reiterar, insistir, fixar, explicar, precisar, expandir ou sintetizar uma mensagem – no todo ou parcialmente”.

“A paráfrase criativa é a que ultrapassa os limites da simples reafirmação ou resumo do texto original, da simples tradução literal. Neste tipo de paráfrase, o texto se desdobra e se expande em novos significados. Ainda que não discorde do texto de origem, dele se distancia, usando-o como patamar ou pretexto”.

Na paráfrase criativa, muitas vezes, o texto-fonte transforma-se em um mote que é desenvolvido semântica e formalmente.

Exemplo de paráfrase criativa

Texto original: mote
Pus meus olhos numa funda,
E fiz um tiro com ela
Às grades duma janela.
Paráfrase: glosa ou volta
Uma dama, de malvada,
Tomou seus olhos na mão
E tirou-me uma pedrada
Com eles ao coração.
Armei minha funda então,
E pus os meus olhos nela:
Trape! quebro-lhe a janela.
Camões

Antes de abordarmos a paródia, vamos refletir um pouco a respeito da cópia. Antigamente, antes do advento da imprensa, existia a profissão do copista. O que se passava em sua cabeça, enquanto copiava os textos encomendados, não podemos imaginar, mas é provável que a sua cópia, depois de alguns exemplares feitos, se tornasse automática. Podemos compará-lo à figura do projetista de filmes que, depois de passar a fita dez vezes, não presta mais atenção a ela, ficando sua mente ocupada com outros pensamentos. Para o psicanalista Michel Schneider, no livro Ladrões de Palavras, Editora Unicamp, 1990, “copiar é a liberdade de escrever em seu ponto mais baixo. Nada de responsabilidade pelas palavras. Nada de escolha a fazer no infinito do dicionário”. Hoje, apesar de não sermos copistas, temos a sensação de estarmos fadados à cópia, pois parece que tudo já foi escrito e temos o temor de, ao escrevermos, não estarmos sendo autênticos, pela nítida sensação de que alguém já disse aquilo que pretendemos expressar. Evidentemente existe a questão do plágio: o plagiador ou plagiário é o indivíduo que assina como próprio o trabalho de outrem, o que naturalmente se constitui num crime. No entanto, não conseguimos ser sempre originais. É aqui que entra a questão da intertextualidade, quer dizer, o que existe, na realidade, é que não podemos fugir de todo conhecimento de textos que fomos acumulando durante a vida. Quando nos dispomos a escrever sobre determinado assunto, tudo o que já lemos sobre ele, automaticamente é ativado por nossa memória, ficando em sinal de alerta, e acabamos por dialogar com todos estes textos, ao escrevermos o nosso.

A paródia, definida pelo dicionário como sendo uma imitação cômica de uma composição literária, é um efeito de linguagem que se faz cada vez mais presente nos textos atuais. O estilo de muitos jornalistas, além de parafrástico, é também entremeado de paródias.

Para se entender uma paródia é necessário o conhecimento do texto ou textos originais que tornaram possível a imitação. Nesse sentido, podemos afirmar que não pode existir uma paródia que não dialogue com o texto-fonte, existindo entre este e a paródia o que os estudiosos da linguagem denominam intertextualidade.

Observem como o texto de Juó Bananere, pseudônimo de Alexandre Marcondes Machado, dialoga de modo bem humorado com o famoso soneto de Olavo Bilac, Via Láctea:

Exemplo de paródia

VIA LÁCTEA
“Ora(direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!” E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...
E conversamos toda a noite, enquanto
A via láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir o sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.
Direis agora: “Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?”
E eu vos direi: “Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas”.
Olavo Bilac
 
UVI STRELLA
Che scuitá strella, né meia strella!
Vucê stá maluco! E io ti diró intanto,
Chi p´ra iscuitalas moltas veiz livanto,
I vô dá una spiada na gianella.
I passo as notte accunversáno c´oella,
Inquanto che as outra lá d´uncantoo
Stó mi spiano. I o sol come un briglianto
Nasce. Oglio p´ru ceu: ‑ Cadê strella?!
Direis intó:‑ Ó migno inlustre amigo!
O chi é chi as strellas ti dizia
Quando illas viéro acunversá contigo?
E io ti diró:‑ Studi p´ra intendela,
Pois só chi giá studô Astrolomia,
É capaiz de intendê istas strella.
Juó Bananere

Observar o estilo de bons autores, procurar criar um texto a partir da estrutura de outro texto consagrado é um exercício que pode render bons frutos, principalmente quando nosso ofício tem a escrita como atividade rotineira.

Observe os exemplos de paráfrase estrutural:

 “O sertanejo é, antes de tudo, um forte”. (Euclides da Cunha)

O professor é, antes de tudo, um abnegado.

“A língua é um conjunto de sinais que exprimem ideias, sistema de ações e meio pelo qual uma sociedade concebe e expressa o mundo que a cerca”. (Celso Cunha)

                   O Direito é um conjunto de regras que exprimem ideias, valores e meio pelo qual uma sociedade concebe e expressa as relações que têm efeitos jurídicos.

A introdução aos recursos parafrásticos que apresentamos pretende servir, de um lado, de alerta para seu emprego constante, abusivo e que frequentemente não passa de mera cópia e de imitação barata na linguagem publicitária. E, por outro lado, de estímulo para o emprego de atividades que empreguem estes recursos quando temos em vista a análise do estilo de textos publicitários e a produção individual de textos desse ou de outros campos discursivos.