Categoria: gramática funcionalista

Comentários a respeito da obra de Hermann Paul – Princípios Fundamentais da História da Língua

Comentários a respeito da obra de Hermann Paul – Princípios Fundamentais da História da Língua

Nílvia Pantaleoni

 

 

Princípios Fundamentais da História da Língua, de Hermann Paul (1841-1921), um dos iniciadores do grupo dos “jovens gramáticos” ou neogramáticos, é uma obra de caráter abrangente na medida em que pretende dar conta da origem, cisão, classificação das línguas e das mutações fonéticas, semânticas e sintáticas que sofrem durante sua evolução. Além disso, seguindo a tendência de seu tempo, já procura dar foro científico aos estudos da linguagem, considerando-a como uma ciência histórica.

Comentários a respeito da obra de Hermann Paul

 

A METÁFORA DO AMOR NA CORRESPONDÊNCIA DE RUI BARBOSA (Parte 3). Nílvia Pantaleoni

A METÁFORA DO AMOR NA CORRESPONDÊNCIA DE RUI BARBOSA  (Parte 3)
A Língua como instrumento de interação verbal

O objetivo principal da língua, do ponto de vista do funcionalismo, é de estabelecer relações comunicativas entre seus usuários. O modelo de interação verbal de Simon Dik (The Theory of Functional Grammar, 1997) leva em consideração a intenção do falante que antecipa a interpretação do destinatário que, por sua vez, reconstrói esta intenção. É fundamental neste esquema, para que haja efetivamente a interação verbal, a informação pragmática do falante e do destinatário, que se orientam por regras pragmáticas que governam os padrões de interação verbal.  O usuário da língua é muito mais que um animal com uma capacidade linguística. Ele é dotado de uma série de outras capacidades que, juntas, lhe permitem um uso comunicativo eficiente e eficaz da língua.

Estas capacidades são:

a) epistêmica, que permite que ele derive conhecimento de expressões linguísticas, arquive-o, recupere-o e utilize-o, posteriormente, na interpretação de   outras expressões linguísticas;

b) lógica, que permite que ele, munido de parcelas de conhecimento, por meio do raciocínio, extraia outras parcelas de conhecimento;

c) perceptual, que permite que o usuário derive conhecimento de suas percepções e utilize-os tanto na interpretação quanto na produção de expressões linguísticas; e

d) social: o usuário sabe o que dizer ao seu parceiro, numa interação verbal, e como dizer para atingir seu objetivo comunicativo.

Simon Dik postula para uma teoria geral da gramática três tipos de adequação. São elas:

a) a adequação tipológica que exige que uma teoria gramatical seja capaz de prover gramáticas para línguas de qualquer tipo;

b) a adequação pragmática que permite a inserção da gramática numa teoria pragmática mais ampla da interação verbal; e

c) a adequação psicológica que se refere ao relacionamento  entre os modelos psicológicos da competência linguística e o comportamento linguístico do usuário. Estas duas últimas adequações são denominadas explanatórias, pois se referem aos modelos de produção que definem como os falantes constróem e formulam as expressões linguísticas e os modelos de compreensão que definem como os destinatários processam e interpretam estas mesmas expressões.

De acordo com o pensamento de J. L. Austin (How to do things with words, 1962),desenvolvido por John Searle (Speech Acts, 1969) nós nos comunicamos não por meio de proposições mas por meio de atos de fala, interpretáveis como instruções do falante ao destinatário para que este realize certas ações mentais a respeito do conteúdo da proposição, denominamos a estas instruções “frames”, ou molduras ilocucionárias.

A interpretação que a Gramática Funcional faz dos atos ilocucionários pode ser resumida da seguinte forma:

(i)            Há uma distinção básica entre a intenção ilocucionária do falante; a ilocução codificada na expressão linguística; e a interpretação ilocucionária do destinatário. O principal objetivo de uma comunicação bem sucedida é naturalmente que a intenção ilocucionária do falante seja igual à interpretação ilocucionária do destinatário. Mas pode haver uma diferença, e muitas vezes isso acontece, entre a intenção do falante, o conteúdo da expressão linguística e a interpretação do destinatário pois o conteúdo da expressão linguística não é sempre idêntico para os usuários da língua.

(ii)          Em relação à ilocução codificada na expressão linguística, observamos que todas as línguas apresentam sentenças que se classificam como declarativas, interrogativas e imperativas e que quase todas as línguas apresentam sentenças exclamativas. Estes tipos de sentença são considerados valores ilocucionários básicos.

(iii)         Interpretamos estas ilocuções básicas como instruções do falante para que o destinatário efetue determinadas mudanças em sua informação pragmática. Na sentença

a)            declarativa, há instruções do falante para que o destinatário inclua o conteúdo proposicional à informação pragmática;

b)            interrogativa, há instruções do falante para que o destinatário consiga a informação verbal especificada na proposição;

c)      imperativa, há instruções do falante para que o destinatário realize a ordem especificada na proposição

d)      exclamativa, há instruções do falante para que o destinatário inclua à sua informação pragmática que o falante considera que o conteúdo proposicional é surpreendente, inesperado ou que vale a pena ser notado.

As reflexões que apresentamos a respeito da metaforização e das funções pragmáticas na interação verbal subsidiam a análise do corpus. (Parte 4).

A METÁFORA DO AMOR NA CORRESPONDÊNCIA DE RUI BARBOSA (Parte 2). Nílvia Pantaleoni

A METÁFORA DO AMOR NA CORRESPONDÊNCIA DE RUI BARBOSA  (Parte 2)

A perspectiva funcionalista integra-se em uma teoria global de interação social, e a hipótese fundamental da Gramática Funcionalista é de que existe uma relação não-arbitrária entre o funcional – a instrumentalidade do uso da língua – e a gramática – sistematicidade  da estrutura da língua. Para os funcionalistas, a gramática é acessível às pressões do uso e a competência comunicativa é a capacidade que os indivíduos têm de usar e interpretar as expressões que codificam e decodificam de uma maneira interacionalmente satisfatória; dessa forma, a concepção da linguagem como atividade cooperativa entre falantes reais se apresenta como um de seus princípios básicos.

Metaforizar: compreendendo e vivenciando uma espécie de coisa no lugar de outra.

Os postulados da Gramática Cognitiva (Langacker,R. Concept, Image and Symbol,1990), que segue os princípios básicos do Funcionalismo, importantes para a nossa análise, são os seguintes: a) a linguagem não é independente, nem consegue ser descrita sem referência ao processamento cognitivo; b) o léxico, a morfologia e a sintaxe formam um continuum de unidades simbólicas divididas apenas arbitrariamente em componentes separados; c) as estruturas gramaticais não constituem um sistema formal autônomo, elas são inerentemente simbólicas em razão da estruturação e da simbolização convencional de conteúdo conceptual.

O sistema conceptual, por intermédio do qual pensamos e agimos, é fundamentalmente metafórico. Os conceitos estruturam o que percebemos através de nossos sentidos, como vivemos no mundo e como nos comunicamos. A metáfora faz parte de nossas vidas, concebemos o mundo por meio de metáforas, na realidade, a maior parte do tempo não temos consciência de as empregarmos. Não nos referimos ao emprego deliberado que os literatos fazem da figura retórica da metáfora que tem como objetivo principal, por meio de desvios do sentido literal, causar estranhamento no destinatário. A partir de  estudos realizados por Mark Johnson e George Lakoff (Metaphors we live by, 1980), Eve Sweetser (From Etymology to Pragmatics, 1990) e Ron Langacker ( Concept, Image and Symbol, 1990) entre outros, a respeito da linguagem e da cognição, podemos afirmar que pensamos metaforicamente durante a maior parte do tempo e que entendemos o mundo em que vivemos baseados, principalmente, em metáforas.  Nesse sentido, podemos afirmar que o nosso cérebro é construído pelo pensamento metafórico. Desenvolvemos nossas funções cerebrais superiores, isto é, elaboramos conceitos, a partir de elementos de nossas áreas perceptuais e motoras.

Observamos que o emprego da metáfora vai se aperfeiçoando e se manifestando por meio das expressões linguísticas, à medida que o usuário da língua se torna adulto, quando se trata da língua materna; e à medida que se torna proficiente no domínio de uma língua estrangeira. Halliday (An Introduction to Functional Grammar,1994) afirma que os modos de expressão metafóricos são característicos do discurso adulto. Existe uma grande variação de grau e de espécie de metáfora, mas não existe um discurso adulto que não se utilize desse recurso.

Existem metáforas que podemos considerar básicas pelo fato de se relacionarem com a orientação espacial, por exemplo: para cima/para baixo, dentro/fora, na frente/atrás, fundo/raso. São as chamadas metáforas organizacionais (ou espaciais)  Estas orientações espaciais são resultado do tipo de corpo que temos, que funciona da forma como funciona, no ambiente físico em que vivemos As metáforas espaciais fornecem a um conceito uma orientação espacial. Por exemplo: “Estar Feliz é Estar Para Cima”

Estas orientações metafóricas não são arbitrárias. Elas se baseiam em nossa experiência física e cultural.

Examinemos algumas metáforas espaciais do tipo “Para Cima/Para Baixo”.

1.Estar feliz é estar para cima; estar triste é estar para baixo:

a) Hoje estou pra cima.

b) Caí em depressão.

c) Ela vive se arrastando.

d) A noiva estava nas nuvens.

A explicação que podemos fornecer para o emprego de tais metáforas com base física é que a postura caída lembra tristeza, depressão, enquanto que a postura ereta sugere um estado emocional positivo.

2. Estar consciente é estar para cima; estar inconsciente é estar para baixo:

a) Ele está caindo de sono.

b) Ela está hipnotizada.

c) João pula da cama todos os dias.

A explicação que podemos fornecer para o emprego de tais metáforas com base física é que os homens e a maioria dos mamíferos dormem deitados e se levantam, quando acordam.

3. Vida e saúde estão para cima; doença e morte estão para baixo:    

a) Lázaro se levantou dentre os mortos.

b) Ele caiu doente.

 c) O paciente teve alta.

A explicação que podemos fornecer para o emprego de tais metáforas com base física é que uma doença séria nos obriga a ficar deitados e os mortos são enterrados deitados.

4. O bem e a virtude estão acima; o mal e a depravação estão abaixo:

a) Quando ela morrer, vai direitinho pro céu.

b) Nas profundezas do inferno, um dia ele vai parar.

c) O infeliz caiu no abismo da devassidão.

A explicação que podemos fornecer para o emprego de tais metáforas com base física e social é que as qualidades e os defeitos em nossa sociedade se concretizam por meio das pessoas: como uma pessoa feliz, saudável está para cima, também o bem e a virtude, pois estas qualidades estão relacionadas com a alegria o bem-estar.

Pelos exemplos apresentados, observamos que muitos conceitos fundamentais são organizados em termos de metáforas espaciais que não são notadas por estarem profundamente  enraizadas em nossa experiência cultural e física. Contudo, pelo fato de possuírem raízes culturais, elas podem variar de uma sociedade para outra. Estas metáforas são, em linhas gerais, estáveis diacronicamente, e são básicas para a construção de sistemas metafóricos mais elaborados como é o caso concreto das expressões linguísticas metafóricas empregadas por Rui Barbosa e por Monteiro Lobato para a conceptualização do sentimento amoroso e da idealização da mulher amada.

A METÁFORA DO AMOR NA CORRESPONDÊNCIA DE RUI BARBOSA (Parte 1). Nílvia Pantaleoni

A METÁFORA DO AMOR NA CORRESPONDÊNCIA DE RUI BARBOSA  (Parte 1)

O estudo tem por objetivo o levantamento dos modos metafóricos de expressão empregados nas declarações amorosas que Rui Barbosa e Monteiro Lobato fazem às suas respectivas noivas: dona Maria Augusta e dona Pureza, por intermédio de correspondência trocada quando se encontravam distantes delas. Além do mapeamento dessas declarações amorosas, que não pode ser feito sem a inclusão do “retrato” – também com características metafóricas – que os missivistas compõem da mulher amada, este estudo procura estabelecer de que forma os remetentes das cartas tentam antecipar a informação pragmática das destinatárias, tendo em vista conservar e alimentar o sentimento amoroso das mesmas.

Na fundamentação teórica, salientamos que uma concepção funcionalista da gramática valoriza o papel do falante na produção de seu texto; que o conhecimento de mundo, a cultura, de um modo geral se reflete não apenas no léxico, mas também na gramática, formando um continuum de expressões simbólicas; que concebemos o mundo usando a metáfora em tão larga escala que muitas vezes não temos consciência da existência de metáforas de nível básico que servem para categorizar o modo como percebemos e entendemos o mundo, a sociedade e os nossos sentimentos e, finalmente, como o falante utiliza estratégias para mudar ou manter a informação pragmática do destinatário em seu proveito. Na análise, demonstramos que as declarações amorosas e o retrato da mulher amada formam um sistema metafórico coerente com o conhecimento de mundo, as crenças, as suposições,    as opiniões, os sentimentos do falante (remetente das cartas) e do destinatário (destinatário das cartas) e que a função primária da interação verbal é a tentativa do falante de efetuar mudanças na informação pragmática do destinatário.