A METÁFORA DO AMOR NA CORRESPONDÊNCIA DE RUI BARBOSA (Parte 2)
A perspectiva funcionalista integra-se em uma teoria global de interação social, e a hipótese fundamental da Gramática Funcionalista é de que existe uma relação não-arbitrária entre o funcional – a instrumentalidade do uso da língua – e a gramática – sistematicidade da estrutura da língua. Para os funcionalistas, a gramática é acessível às pressões do uso e a competência comunicativa é a capacidade que os indivíduos têm de usar e interpretar as expressões que codificam e decodificam de uma maneira interacionalmente satisfatória; dessa forma, a concepção da linguagem como atividade cooperativa entre falantes reais se apresenta como um de seus princípios básicos.
Metaforizar: compreendendo e vivenciando uma espécie de coisa no lugar de outra.
Os postulados da Gramática Cognitiva (Langacker,R. Concept, Image and Symbol,1990), que segue os princípios básicos do Funcionalismo, importantes para a nossa análise, são os seguintes: a) a linguagem não é independente, nem consegue ser descrita sem referência ao processamento cognitivo; b) o léxico, a morfologia e a sintaxe formam um continuum de unidades simbólicas divididas apenas arbitrariamente em componentes separados; c) as estruturas gramaticais não constituem um sistema formal autônomo, elas são inerentemente simbólicas em razão da estruturação e da simbolização convencional de conteúdo conceptual.
O sistema conceptual, por intermédio do qual pensamos e agimos, é fundamentalmente metafórico. Os conceitos estruturam o que percebemos através de nossos sentidos, como vivemos no mundo e como nos comunicamos. A metáfora faz parte de nossas vidas, concebemos o mundo por meio de metáforas, na realidade, a maior parte do tempo não temos consciência de as empregarmos. Não nos referimos ao emprego deliberado que os literatos fazem da figura retórica da metáfora que tem como objetivo principal, por meio de desvios do sentido literal, causar estranhamento no destinatário. A partir de estudos realizados por Mark Johnson e George Lakoff (Metaphors we live by, 1980), Eve Sweetser (From Etymology to Pragmatics, 1990) e Ron Langacker ( Concept, Image and Symbol, 1990) entre outros, a respeito da linguagem e da cognição, podemos afirmar que pensamos metaforicamente durante a maior parte do tempo e que entendemos o mundo em que vivemos baseados, principalmente, em metáforas. Nesse sentido, podemos afirmar que o nosso cérebro é construído pelo pensamento metafórico. Desenvolvemos nossas funções cerebrais superiores, isto é, elaboramos conceitos, a partir de elementos de nossas áreas perceptuais e motoras.
Observamos que o emprego da metáfora vai se aperfeiçoando e se manifestando por meio das expressões linguísticas, à medida que o usuário da língua se torna adulto, quando se trata da língua materna; e à medida que se torna proficiente no domínio de uma língua estrangeira. Halliday (An Introduction to Functional Grammar,1994) afirma que os modos de expressão metafóricos são característicos do discurso adulto. Existe uma grande variação de grau e de espécie de metáfora, mas não existe um discurso adulto que não se utilize desse recurso.
Existem metáforas que podemos considerar básicas pelo fato de se relacionarem com a orientação espacial, por exemplo: para cima/para baixo, dentro/fora, na frente/atrás, fundo/raso. São as chamadas metáforas organizacionais (ou espaciais) Estas orientações espaciais são resultado do tipo de corpo que temos, que funciona da forma como funciona, no ambiente físico em que vivemos As metáforas espaciais fornecem a um conceito uma orientação espacial. Por exemplo: “Estar Feliz é Estar Para Cima”
Estas orientações metafóricas não são arbitrárias. Elas se baseiam em nossa experiência física e cultural.
Examinemos algumas metáforas espaciais do tipo “Para Cima/Para Baixo”.
1.Estar feliz é estar para cima; estar triste é estar para baixo:
a) Hoje estou pra cima.
b) Caí em depressão.
c) Ela vive se arrastando.
d) A noiva estava nas nuvens.
A explicação que podemos fornecer para o emprego de tais metáforas com base física é que a postura caída lembra tristeza, depressão, enquanto que a postura ereta sugere um estado emocional positivo.
2. Estar consciente é estar para cima; estar inconsciente é estar para baixo:
a) Ele está caindo de sono.
b) Ela está hipnotizada.
c) João pula da cama todos os dias.
A explicação que podemos fornecer para o emprego de tais metáforas com base física é que os homens e a maioria dos mamíferos dormem deitados e se levantam, quando acordam.
3. Vida e saúde estão para cima; doença e morte estão para baixo:
a) Lázaro se levantou dentre os mortos.
b) Ele caiu doente.
c) O paciente teve alta.
A explicação que podemos fornecer para o emprego de tais metáforas com base física é que uma doença séria nos obriga a ficar deitados e os mortos são enterrados deitados.
4. O bem e a virtude estão acima; o mal e a depravação estão abaixo:
a) Quando ela morrer, vai direitinho pro céu.
b) Nas profundezas do inferno, um dia ele vai parar.
c) O infeliz caiu no abismo da devassidão.
A explicação que podemos fornecer para o emprego de tais metáforas com base física e social é que as qualidades e os defeitos em nossa sociedade se concretizam por meio das pessoas: como uma pessoa feliz, saudável está para cima, também o bem e a virtude, pois estas qualidades estão relacionadas com a alegria o bem-estar.
Pelos exemplos apresentados, observamos que muitos conceitos fundamentais são organizados em termos de metáforas espaciais que não são notadas por estarem profundamente enraizadas em nossa experiência cultural e física. Contudo, pelo fato de possuírem raízes culturais, elas podem variar de uma sociedade para outra. Estas metáforas são, em linhas gerais, estáveis diacronicamente, e são básicas para a construção de sistemas metafóricos mais elaborados como é o caso concreto das expressões linguísticas metafóricas empregadas por Rui Barbosa e por Monteiro Lobato para a conceptualização do sentimento amoroso e da idealização da mulher amada.