Mês: outubro 2014

Os jogos de linguagem nas aulas de Língua Portuguesa

I LETRAS UFLA. Outubro de 2014

MESA REDONDA: LEITURA E ESCRITA NO ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA

Os jogos de linguagem nas aulas de Língua Portuguesa

Nílvia Pantaleoni

Um dos componentes dos jogos de linguagem é o humor. Muitos autores defendem o humor nas aulas de língua materna como uma das maneiras de os alunos compreenderem determinados conceitos. Quando os alunos riem, é porque eles entendem a piada e têm condições de perceber o conceito que lhe dá sustentação.

A fonética e a fonologia, a morfologia, a sintaxe, a semântica, a pragmática e a variação linguística, tudo isso pode ser tratado por meio do humor que, no meu entender, é um componente do jogo, ou seja, se estou me divertindo com algo que falei, que ouvi ou que li, é porque o evento foi constituído de forma lúdica.

Não preciso me preocupar a todo momento se estou agindo a partir dessa ou daquela teoria. Operar a partir de determinadas fundamentações teóricas e de suas respectivas metodologias é fundamental para quem faz pesquisa. O professor de sala de aula precisa adequar conteúdos e metodologias para a sua realidade e precisa ter a desenvoltura de transitar por diferentes teorias.

Quem usa jogos em suas aulas deve pensar, em primeiro lugar, no desafio, na competição saudável entre os jogadores; em segundo lugar, no conhecimento da dinâmica do jogo; em terceiro lugar, no domínio do conteúdo veiculado pelo jogo.

Os jogos podem tratar de conteúdos linguísticos variados: dos fonemas, das letras, dos morfemas, das palavras gramaticais, das palavras lexicais, dos sintagmas, dos enunciados. De qualquer conteúdo linguístico materializado em qualquer gênero de texto/discurso,  em diferentes situações comunicativas.

Se você planejar suas aulas e seguir o planejamento, reserve toda semana uma parte de uma aula para praticar os jogos. Os jogos são excelentes para o desenvolvimento cognitivo de qualquer pessoa. Do sudoku à palavra cruzada, do jogo de lógica à encenação de pequenos textos, tudo mobiliza nossos espaços mentais, ou seja, nossos pequenos conjuntos de memória de trabalho que construímos enquanto pensamos e falamos, enquanto agimos linguisticamente.

Huizinga, Lakoff, Wittgenstein, Crystal e Yaguello são autores que trataram dos jogos de linguagem.

Huizinga trata do jogo como elemento essencial à vida que, no entanto, distingue-se da vida “comum” tanto pelo lugar quanto pela duração que ocupa. A noção de jogo está presente em tudo o que acontece no mundo. Desde a mais remota Antiguidade, as atividades humanas são marcadas pelo jogo. Dentre elas, a atividade comunicativa, por meio do jogo da linguagem.

Lakoff trata da metáfora do cotidiano que empregamos em expressões corriqueiras como: Meu mundo acabou! Ele teve alta. Estou no céu. Minha vida é um inferno. Isso dá ensejo a jogos de linguagem que exemplificamos com o conhecido poema Inutilidades de José Paulo Paes:

Ninguém coça as costas da cadeira.

Ninguém chupa a manga da camisa.

O piano jamais abandona a cauda.

Tem asa, porém não voa, a xícara.

De que serve o pé da mesa se não anda?

(…)

Para Wittgenstein, falar uma língua é parte de uma atividade ou forma de vida exercida por meio de uma variedade imensa de jogos de linguagem: contar histórias, descrever, representar, agradecer, pedir, orar, todos são atos de linguagem formalizados por meio de jogos verbais.

Todo mundo joga com a linguagem ou responde a jogos de linguagem, afirma Crystal. Alguns sentem prazer com isso, outros são totalmente obcecados, mas ninguém pode evitar. A linguagem lúdica tem sido tratada como um tema de interesse marginal, ou, na pior das hipóteses, não é nem mencionada. No entanto, para o autor, ela deveria estar no centro de qualquer investigação sobre questões linguísticas.

Yaguello é especialmente feliz quando trata da função lúdica da linguagem. Para ela, o jogo integra a língua, e, reciprocamente, a língua integra o jogo, pois o homem é talhado fundamentalmente para jogar. Segundo a autora, duas orientações aparentemente contraditórias coexistem na natureza do jogo: a ideia de elasticidade, de liberdade, de margem de manobra; e a de regra e de ligação precisa.

A linguagem pode ser manipulada como uma fonte de prazer e não custa nada. Qualquer recurso linguístico pode ser manipulado (uma palavra, uma frase, uma parte de uma palavra, um grupo de sons, uma série de letras); pode ser distorcido; as regras da gramática, as regras da língua podem ser quebradas para nossa simples diversão.

Perceber que jogo com minhas palavras exige uma atenção que só ocorre por meio de meu esforço voluntário. Muitas pessoas extremamente competentes no manejo com a língua não percebem que, além de comunicar um dado novo, narrar um acontecimento, descrever um objeto, uma pessoa, uma situação, argumentar a favor de qualquer ideia, também jogam com os sons, com as palavras, com as frases. Os mecanismos empregados nesses jogos são usados pelos falantes nativos (dificilmente dominados pelos falantes de outros idiomas que aprenderam o nosso como segunda ou terceira opção) de modo natural e imperceptível.

Concluindo, os jogos de linguagem elaborados com finalidade didática apresentam-se com uma intencionalidade bem definida: promover e otimizar a competência comunicativa dos alunos. Por isso mesmo são atividades monitoradas, com conteúdo bem elaborado, com objetivos definidos e com todas as etapas controladas. A diversão fica mais por conta dos alunos. Para o professor que orienta, os jogos são coisa séria.