Mês: janeiro 2014
ROCHA PITTA: PRÓLOGO E ADVERTÊNCIAS DE A HISTÓRIA DA AMÉRICA PORTUGUESA
Prólogo
As grandezas e excelências, ó Leitor discreto, da Região do Brasil, tão célebre depois de descoberta, como aniquilada enquanto oculta, exponho ao público juízo e atenção do Mundo, onde as suas riquezas têm chegado mais que as suas notícias, posto que algumas andem por vários Autores introduzidas em diversos assuntos, diferentes do meu, que não tem outro objeto. O costume sempre notado nos Portugueses de conquistarem Impérios, e não os encarecerem, é causa de que tendo criado o Brasil talentos por eminência grandes, nenhum compusesse a História desta Região, com maior glória da Pátria, da que pode lograr nos meus escritos, tomando eu com inferiores forças o peso, que requereria mais agigantados ombros; porém o respeitado caráter, em que por sua grandeza, e não por merecimento meu, me constituiu a Real Academia, honrando-me com o preclaríssimo lugar de seu Acadêmico, me dará alentos de Hércules para sustentar pesos de Atlante.
Com esta expressão ofereço este volume: se entenderes, que o compus em aplauso e reverência do Clima em que nasci, podes crer, que são seguras, e fiéis às notícias, que escrevo, porque os obséquios não fizeram divórcio com as verdades. Se em alguns termos o estilo te parecer encarecido, ou em algumas matérias demasiado o ornato, reconhece, que em mapa dilatado a variedade das figuras carece da viveza das cores, e das valentias do pincel; e que o meu ainda está humilde nas imagens, que aqui pinto, assim por falta de engenho, como por não ter visto todos os originais, fazendo a maior parte das cópias por informações, das quais não pode resultar o acerto de Apeles n o retrato de Helena pelos versos de Homero; mas se te não conciliar agrado pelas tintas a pintura, não deixem de merecer-te atenção pela grandeza os objetos; e se a tua vista for tão melindrosa, que não bastem a contentá-la com lhe apartares os olhos, a ti te escusas o enfado, e a mim a censura.
Advertências
Adverte o Autor que, da riquíssima América (tão dilatada, que se estende por quase quatro mil léguas de comprimento, estando ainda por saberás que tem de largo, e jaz debaixo de três diversas Zonas, dividindo-se em Setentrional e Meridional) da parte Setentrional não fala e só trata na Meridional da grandíssima porção que compreende o Estado do Brasil, assunto desta História da América Portuguesa.
Que não põe nela o cômputo dos tempos em número sucessivo de anos porque desde o de mil e quinhentos, em que foi descoberta a América Portuguesa, por largo curso, até o de mil e quinhentos e trinta e cinco, em que se doaram algumas Províncias e se principiou a fundação delas, não aconteceram outros progressos mais que a vinda do Cosmógrafo Américo Vespúcio, por ordem Del-Rei Dom Manoel, a demarcar esta região e as suas Costas; e depois a de outros Geógrafos e Capitães enviados pelo mesmo Rei e por seu filho e sucessor El-Rei D. João III, a tomar posse, meter marcos e observar o curso dos mares, fundar portos, explorar o País e levar dele mais distintas notícias.
Que estas operações se fizeram com intervalos de tempos, e desde o ano de mil e quinhentos e quarenta e nove, em que veio o primeiro Governador do Estado, leva a conta deles pela sucessão dos Governos e ordem dos fatos, mediando ainda alguns largos espaços sem ações para a escritura; falta que precisamente interrompe a série dos anos, mas não altera a verdade da História nem as notícias do Brasil, que é o fim para que o Autor a escreve e toda a alma e substância dos escritos, pois o mais são acidentes.
Que as matérias e notícias que nela trata são colhidas de relações fidedignas, conferidas com os Autores que estas matérias tocaram e com particulares informações modernas (que eles não tiveram) feitas por pessoas que cursaram as maiores partes dos continentes do Brasil e as depuseram fielmente como testemunhas de fato, com a ciência de que o Autor as inquiria para compor esta História, cujo essencial instituto é a verdade.
Que como nos dois primeiros livros descreve o corpo natural e material desta Região, as maravilhosas obras que nela fez a natureza, as admiráveis produções em vários gêneros e espécies e as suntuosas fábricas, que para o trato Civil e Político das suas Povoações foi compondo a arte, no retrato de tanta formosura, precisada a ser pincel a pena, não teme sair dos preceitos da História, quando altera a pureza das suas leis com as ideias da pintura que requer mais valentes fantasias, tendo por exemplar portentos em que a mais elevada frase Poética é verdade ainda mal encarecida.
Que nos livros que contêm matérias Políticas, leva o estila Histórica com estudo castigado e não põem nas margens os numerosos rios e as várias espécies das produções do Brasil, porque sendo tanto do instituto desta obra, entende, que devem ir no corpo dela.
ROCHA PITTA: ESTUDOS INICIAIS DE A HISTÓRIA DA AMÉRICA PORTUGUESA (I)
CAMPO SEMÂNTICO DA APRESENTAÇÃO DE A HISTÓRIA DA AMÉRICA PORTUGUESA
CAMPO SEMÂNTICO DA DOMINAÇÃO
América Portuguesa |
SENHOR |
América Portuguesa a parte do Novo Mundo a maior da sua Monarquia Brasil as suas Províncias Estrelas uma das maiores Regiões da terra |
Monarca Supremo Império Príncipe Coroa Leis Domínio poderoso Cetro Esfera Régia superior Esfera |
Rocha Pitta e a História da América Portuguesa
SENHOR. A AMÉRICA Portuguesa, em toscos, mas breves rasgos, busca os soberanos pés de Vossa Majestade, porque a obrigação e amor a encaminham ao Monarca Supremo de quem reconhece o domínio e recebe as Leis e a quem, com a maior humildade, consagra os votos, implorando ao Real proteção de Vossa Majestade, porque ao Príncipe, que lhe rege o Império, pertence patrocinar-lhe a História. Nela verá Vossa Majestade em grosseiro risco delineada a parte do Novo Mundo que, entre tantas do Orbe antigo que compreende o círculo da sua Coroa, é a maior da sua Monarquia. Não oferece a Vossa Majestade grandezas de outras Regiões em que domina o seu poderoso Cetro, tendo tantas que lhe tributar na do Brasil. Se o quadro parecer pequeno para a ideia tão grande, em curtos círculos se figuram as imensas Zonas e Esferas celestes; em estreito mapa se expõem as dilatadas porções da terra; uma só parte basta para representar a grandeza de um corpo; um só simulacro para simbolizar as Monarquias do Mundo: faltar-lhe-á o pincel de Timantes para em um dedo mostrar um Gigante; a inteligência de Daniel, para em uma estátua explicar muitos Impérios; mas sobra-lhe a grandeza de Vossa Majestade, em cuja amplíssima superior Esfera se estão as suas Províncias contemplando como Estrelas: só com ela pode desempenhar-se o livro; prenderá as folhas se Vossa Majestade soltar os raios, que eles alumiarão (com Reais vantagens) mais âmbitos dos que pretende ilustrar a pena, existindo esses borrões só na forma em que as luzes podem servir as trevas. |
Porém, Senhor, como descrevo uma das maiores Regiões da terra, permita-me Vossa Majestade que, dos resplendores dessa própria Esfera Régia tire uma luz para iluminar as sombras dos meus escritos, sem o delicto de Prometeu em roubar um raio ao Sol, para animar o barro de sua estátua; tanto se deve pedir a um Príncipe, em tal extremo generoso, e tudo pode conceder um Monarca, como Vossa Majestade, por todos os atributos grande e tão digno de Império que, nos anos pela idade menos robustos, em tempo que vacilante o Orbe ia caindo, lhe puseram a natureza e a fortuna aos ombros, não só o peso de um Reino florente, mas a máquina de um Mundo Arruinado. Foi Vossa Majestade o verdadeiro Atlante e a fortíssima coluna que, sustentando-o com as forças e com as disposições, lhe evitou os estragos, sendo a refulgene Coroa de Vossa Majestade Escudo de Palas para a defensa, e o seu venerado Cetro, raio de Júpiter para o respeito. A Real Pessoa de Vossa Majestade guarde Deus muitos anos. |