Equívocos na produção de sentidos: criança sem fraldas e sem traumas
Categoria: modalização
A POLIDEZ SEGUNDO KERBRAT-ORECCHIONI
Enunciação, Modalização e Atos Enunciativos. Texto adaptado de: CHARAUDEAU, P. Grammaire du sens et de l’expression. Paris:Hachette Livre, 1992
Enunciação, Modalização e Atos Enunciativos
Nílvia Pantaleoni
A modalização, a partir do ponto de vista adotado por Charaudeau[1], faz parte do fenômeno linguístico denominado enunciação que é mais geral e a engloba. A enunciação testemunha o modo como o falante “se apropria da língua” para organizar seu discurso. Nesse processo de apropriação, ele é levado a se situar em relação ao seu interlocutor, ao mundo onde está inserido e àquilo que diz. A enunciação é, pois, constitutiva do ato de utilizar elementos do sistema da língua para atualizá-los no discurso. A enunciação se manifesta em língua de modo direto e indireto. De modo direto, por meio das categorias da pessoa ou da designação; de modo indireto, pelas categorias da qualificação ou da situação temporal.
Do ponto de vista de sua manifestação, a enunciação apresenta índices das diferentes posições do falante que devem ser procuradas na organização do discurso. Estes índices participam de sistemas formais como pronomes pessoais e demonstrativos, tempos e modos verbais, ou são mais discretos e tomam a forma de adjetivos ou advérbios.
A modalização, portanto, é uma categoria à qual correspondem os meios de expressão que permitem explicitar as diferentes posições do falante e de suas intenções enunciativas. Os atos enunciativos de base (modalidades) que correspondem a uma posição e a um comportamento particulares do locutor em seu ato de locução compõem a modalização. Esses atos de base são os atos locutivos – alocutivo, elocutivo e delocutivo – e às suas especificações, denominamos modalizações enunciativas.
No ato alocutivo (modalidade alocutiva), o locutor implica o interlocutor no seu ato de enunciação e lhe impõe o conteúdo de sua intenção comunicativa.
Exemplo: Ordeno que saia!
Os critérios que permitem identificar o ato alocutivo são os seguintes: o interlocutor está presente no ato de enunciação sob diversas formas (pronomes pessoais: tu, vós, você, vocês; nomes próprios ou comuns que identificam o interlocutor; o próprio estatuto da frase: imperativo, interrogativo); o interlocutor pode explicitar sua posição dizendo: sou objeto de uma ordem, de uma sugestão, de um pedido etc., e o locutor pode dizer: eu dou uma ordem, eu faço um pedido, eu faço uma pergunta etc.; depois de um ato alocutivo, supõe-se que o discurso se interrompa para permitir ao interlocutor a possibilidade de reagir.
No ato elocutivo (modalidade elocutiva), o locutor situa sua intenção comunicativa em relação a si próprio, no seu ato de enunciação.
Exemplo: Eu devo partir!
Os critérios que permitem identificar o ato elocutivo são os seguintes: o interlocutor não está presente no ato de enunciação; ao contrário, o locutor se apresenta sob diversas formas (pronomes pessoais: eu; nós nome próprio ou comum que identificam o locutor; o próprio estatuto da frase: exclamativo/optativo, assertivo/declarativo); o interlocutor não pode explicitar sua posição, dizendo: sou objeto de… , ao contrário, o locutor pode explicitar sua posição, dizendo: eu penso que, eu creio etc.; depois de um ato elocutivo, o discurso não é necessariamente interrompido (o interlocutor não é obrigado a reagir).
No ato delocutivo (modalidade delocutiva), o locutor apresenta seu propósito comunicativo como se não fosse responsável por ele. Locutor e interlocutor estão ausentes desse tipo de ato de enunciação.
Exemplo: É verdade que isso não é simples.
Os critérios que permitem identificar o ato delocutivo são os seguintes: nem o locutor, nem o interlocutor estão presentes no ato de enunciação, porque os enunciados se apresentam de forma impessoal ou se referem a uma terceira pessoa; nem o locutor, nem o interlocutor podem explicitar sua posição, porque a enunciação diz que a intenção comunicativa existe por “si própria”; depois de um ato delocutivo, o discurso não é necessariamente interrompido, o interlocutor não é obrigado a reagir, e o locutor pode guardar a palavra. Evidentemente, o locutor continua responsável por seu ato de comunicação. É a configuração linguística que se apresenta como se ele não o fosse.
A cada tipo de ato locutivo correspondem categorias que especificam as relações entre os interlocutores, entre o locutor e o propósito comunicativo. Ao ato alocutivo correspondem categorias como a “interrogação”, a “injunção”, a “interpelação” que especificam a relação que se estabelece entre locutor e interlocutor e o modo como eles estão implicados no ato de linguagem. Ao ato elocutivo correspondem categorias como a “opinião”, a “avaliação”, a “obrigação” a “promessa”, “acordo”, que especificam a relação que o locutor estabelece com seu propósito comunicativo. Ao ato delocutivo correspondem categorias como a “asserção” e o “discurso citado” que especificam o modo como o propósito comunicativo se apresenta e se impõe aos interlocutores.
As modalizações são polimórficas, isto é, podem ser configuradas de diversas maneiras:
a) por marcas formais explícitas:
– verbos: (eu penso que…, eu devo…, eu duvido que…, eu confesso que…) que se combinam, segundo o caso, com o modo Indicativo, Subjuntivo ou Infinitivo;
– gerúndio: forma nominal do verbo na função adjetiva ou adverbial (Escreveu uma carta protestando contra as injustiça. Entregou uma lista compreendendo os termos técnicos).
– advérbios e locuções adverbiais: na verdade, sem dúvida, provavelmente, a meu ver.
– adjetivos: é terrível, é provável que…,
– nomes nas construções perifrásticas (com verbos-suporte): fazer uma confissão, dar uma ordem, fazer uma sugestão.
b) pelos estatutos das frases: declarativa, imperativa, interrogativa: assinaladas pela entonação, pela pontuação, pelo modo verbal ou por uma expressão interrogativa.
c) polaridade das orações: afirmativa ou negativa.
[1] CHARAUDEAU, P. Grammaire du sens et de l’expression. Paris:Hachette Livre, 1992