Categoria: contos

Intertextualidade – Atividades

Intertextualidade: atividades

Ana Lúcia Tinoco Cabral

Nílvia Pantaleoni

O dicionário registra, para o verbete provérbio, o seguinte:

  1. Máxima breve e popular; adágio, anexim, ditado, refrão, sentença moral.
  2. Pequena comédia que tem por entrecho o desenvolvimento de um provérbio.

Provérbio é, portanto, um dito popular que contém uma mensagem que anuncia algo sobre a vida, geralmente de maneira metafórica e, algumas vezes, até irônica.

Os japoneses divulgam o seguinte provérbio: “Água à distância não apaga incêndio.” Sabendo-se que incêndio simboliza devastação, acidente muitas vezes fatal, e a água é o antídoto do fogo, uma forma de interpretar a metáfora japonesa é: enfrente seus problemas de perto.

Atividade 1: Traduza, por meio de paráfrases, o sentido contido em cada um dos seguintes provérbios:

  1. Cada macaco no seu galho.
  2. Mais vale um pássaro na mão do que dois voando.
  3. Nem tudo o que reluz é ouro.
  4. Em casa de ferreiro o espeto é de pau.
  5. Em terra de cego, quem tem um olho é rei.
  6. Água mole em pedra dura tanto bate até que fura.

********

Atividade 2: Pelo fato de os provérbios serem máximas populares com as quais as pessoas muitas vezes, não concordam, alguns escritores gostam de ironizar, de brincar com este tema.

Observe o pequeno conto de Voltaire de Souza, em que o autor brinca com o conceito de provérbio, criando uma máxima pessoal. Em seguida, escolha um provérbio e crie, no mesmo estilo do conto, sua própria história.

VIDA BANDIDA

Licor

Voltaire de Souza

O dia dos namorados se aproxima. Mas a vida de uma jovem executiva é agitada. Corina trabalhava numa multinacional. “Não tenho tempo nem para o supermercado.” Namorava um rapaz chamado Júlio. “O que é que eu compro para ele? Ele tem tudo… não gosta de nada.” Corina passeava entre as gôndolas. Produtos finos sempre agradam ao paladar exigente. “Será que o Júlio vai gostar deste licor de anis?” A dúvida não durou muito. Entrou no supermercado o assaltante Canhoto. “Levo a garrafa. E a tua grana.” Corina deparou no porte atlético do delinqüente. Paixão imediata e correspondida. Corina não mais se preocupa em dar presentes. “Quando ele gosta, ele leva.”

O verdadeiro amor não tem data e dispensa lembrancinhas.

Folha de São Paulo. 06/06/2000.

Levantamento das estruturas de “Os quintais” de Adriana Lisboa

Primeiro, leia o conto em: http://www.releituras.com/adrilisboa_menu.asp

Agora, observe sua organização estrutural:


Na casa do meu avô,

havia quatro quintais.

No principal,

o portão se abria para a rua,

e

ali ficava a casa propriamente dita,

e

por cima do muro baixo

a gente via as cabeças das pessoas

que passavam pela rua, sempre tão devagar.

Às vezes

vinha dar na varanda o cheiro do rio,

um cheiro de pano e de barro.

Na garagem descoberta,

sobre os cascalhos,

dormia a Variant marrom do meu avô.

À esquerda,

separado por um muro com uma passagem,

ficava o universo dos abacateiros e o quartinho

que o meu avô chamava de Petit Trianon.

Nós apanhávamos abacates para fazer boizinhos com palitos de fósforo.

O Petit Trianon eu não me lembro

para que servia,

ficava quase sempre fechado.

 Mas

eu tinha pesadelos com ele.

À esquerda,

separado por outro muro com outra passagem,

ficava um universo híbrido

em que cabiam orquídeas numa estufa, galinhas, goiabeiras e um pé de romã quase esquecido, lá no fundo, longe de tudo.

Era o quintal mais colorido.

Uma vez minha irmã caiu de uma goiabeira,

a barriga enterrou numa torneira

e

ela foi parar no hospital.

À direita

do quintal principal,

ficava o último, e quase proibido.

Havia o muro,

mas

na passagem tinha um portãozinho baixo de madeira, que às vezes a gente pulava por prazer.

havia mato.

Árvores altas, sombras, coisas indizíveis se arrastando junto às raízes, barulhos de insetos

que nunca existiram

de se ver.

fazia calor e férias, invariavelmente,

mas também

podia cair chuva,

 e

a chuva ficava guardada para os nossos pés no tapete de folhas velhas, de frutos podres, de vermes lentos e moles.

Os quatro quintais da casa do meu avô arrumaramse numa bússola,

e

quando eu pisei pela primeira vez numa caravela fervilhando de adultos,

vinha com ela no bolso.

Se não como guia,

ao menos como amuleto.

Levantamento de estruturas do conto “O homem que só tinha certezas” de Adriana Falcão

Primeiro, leia o conto de Adriana Falcão: http://www.releituras.com/adrifalcao_menu.asp

A seguir,  uma das possibilidades de levantamento das estruturas deste texto. O foco foi dado aos verbos e aos elementos de junção. O que fica evidente nos quadros é o paralelismo sintático-semântico.

Nem o homem feliz de Maiakovsky

 

nem o homem liberto de Paulo Mendes Campos,

 

Resolvi imaginar

outra improbabilidade.

 

 

Digamos

que

 

aparecesse agora, justo aqui no Brasil, no Rio de Janeiro, mais exatamente, bem aí na sua frente,

um homem que só tivesse certezas.

O homem que só tinha certezas

quase nunca usava ponto de interrogação,

e

em seu vocabulário não constavam as expressões: talvez, quiçá, quem sabe, porventura.

Parece que

foi de nascença.

Ele já teria vindo ao mundo assim, com todas as certezas junto,

pulou a fase dos porquês

e

nunca soube o que era curiosidade na vida.

A notícia espalhou-se rapidamente.

Como

ele vivia no meio de pessoas,

e

pessoas vivem cheias de dúvidas,

logo

começaram a pedir sua opinião para os mais diversos assuntos,

os triviais e os de grande importância,

e

  ele, certo de que podia viver muito bem de suas certezas,

virou um consultor.

Pendurou em sua porta uma placa onde estava escrito “Consultor de tudo”

e

o negócio foi crescendo aos pouquinhos.

Devido ao boca-a-boca favorável de clientes

 e a um único anúncio no rádio,

passou a atender, sem nenhum exagero, milhares de pessoas por dia,

até que

limitou o número de consultas diárias para quatrocentos e oitenta, um minuto e meio por pessoa,

o que era mais do que suficiente para uma resposta certa

desde que a pergunta não fosse muito longa.

Chegava gente do país inteiro e depois de outros continentes,

pessoas comuns, pessoas ilustres,

todas elas indecisas,

mas

cada pessoa só tinha direito a uma pergunta por consulta,

o que as deixava mais indecisas ainda.

Certa vez

uma moça chegou na dúvida

se

devia perguntar primeiro sobre o amor ou o trabalho,

no que o homem respondeu,

sobre o amor,

é claro,

senão você não vai conseguir trabalhar direito,

e deu por encerrada a consulta.

O homem

que só tinha certezas

aconselhou um garoto tímido a tomar quatro cervejas,

encorajou um político receoso a aprovar um projeto esquisitíssimo que se destinava a melhorar a vida dos homens,

avisou a uma senhora preocupada com os anos que no caso dela nada melhor do que beijos na boca,

desentorpeceu um rapaz doente de amor por uma mulher que gostava de outro,

convenceu o ministro da fazenda de que ou o dinheiro era pouco, ou eram muitos os homens, ou ele estava louco, ou alguém tinha se enganado nas contas.

Não demorou muito

para se tornar capa de todas as revistas

e

personagem assíduo dos programas de TV.

Para cada pergunta havia uma só resposta certa

e

era essa que ele dava, invariavelmente,

exterminando aos pouquinhos todas as dúvidas que existiam,

até que só restou uma dúvida no mundo:

será que ele não vai errar nunca?

Mas

ele nunca errava,

e

 nem havia mais o que erraruma vez que não havia mais dúvidas.

Num mundo

que só tinha certezas,

o homem

que só tinha certezas

virou apenas mais um homem no mundo.

Melhor assim,

ele pensava,

ou melhor,

tinha certeza.

Um dia aconteceu um imprevisto,

e

o homem

que só tinha certezas,

quem diria,

acordou apaixonado.

Para se assegurar

de que

aquela era a mulher certa para ele,

formulou cento e vinte perguntas, que ela respondeu sem vacilar,

mandou fazer mapas do céu, exames de sangue, contagem de triglicerídeos, planilhas complicadíssimas

e

finalmente apresentou a moça à sua mãe e ao seu cachorro.

Os dois se amaram noites adentro,

foram a Barcelona,

tiraram fotos juntos,

compraram álbuns, porta-retratos, garfos, facas, um escorredor de pratos,

tiveram filhos e tal,

 

e,

desde então, por alguma razão desconhecida,

o homem

que só tinha certezas

foi perdendo todas elas, uma por uma.

No início

ainda tentou disfarçar, por via das dúvidas,

quem sabe era um mal passageiro?

Mas

as dúvidas multiplicavam-se como praga (dúvidas se multiplicam?),

espalharam-se pelo mundo,

e agora,

meu Deus?

Deus existe?

Existe sim.

Ou será que não?

Ele não estava bem certo.