Categoria: Retextualização

BALANÇO DA DISCIPLINA “ORALIDADE E ESCRITA: FUNDAMENTOS E ENSINO”

Oralidade e escrita programa 2015 é uma disciplina que abarca muitos conteúdos e muita possibilidade de prática. Acontece que a carga horária restringe-se a 32 horas e se divide em 8 aulas. Decisões precisam ser tomadas para que haja um real aproveitamento tanto por parte dos alunos quanto por parte da professora que também se beneficia com as interações.

Por sorte, a bibliografia básica é simples se levamos em consideração o estilo dos teóricos envolvidos com a Análise da Conversação, mesmo assim, ou por causa disso, compõe-se de obras extremamente pertinentes. Nesse sentido, as aulas da disciplina (final de fevereiro – início de abril de 2015) foram desenvolvidas com ênfase na prática, ou seja, os alunos foram, a partir da primeira aula, a campo para a constituição, cada um individualmente, de um corpus para servir de ponto de partida e de referência para os conceitos implicados na teoria.

Selecionamos o gênero entrevista para ilustrar os conceitos da Análise da Conversação. Como a turma era composta por 11 alunos, foram realizadas 11 entrevistas. Cada entrevista foi gravada e apresentada para o restante da turma. Cada um fez a transcrição de sua entrevista empregando as normas do projeto NURC.

No decorrer das aulas, os alunos e a professora procuraram discutir as características das modalidades oral e escrita da língua como parte de um continuum tipológico, tendo como perspectiva os diferentes gêneros textuais; analisar as produções discursivas tendo por base pressupostos da Análise da Conversação; e refletir sobre as possibilidades de operacionalizar o estudo da interação verbal no ensino da Língua Portuguesa. Para tanto, cada aluno ficou responsável por um tema relacionado aos objetivos da disciplina: variação linguística: dialetos, registros e norma; transformações no fenômeno sociolinguístico da gíria; como falam as pessoas cultas; a dimensão social das palavras; textos construídos na internet; o texto oral em sala de aula; tópico discursivo; turno conversacional; marcadores conversacionais; procedimentos de reformulação: paráfrase; procedimentos de reformulação: correção.

É esperado que os estudos da Análise da Conversação tomem como ponto de partida um texto falado. Tenho o hábito de, no decorrer das aulas, lançar para os alunos o desafio de transformar um texto de concepção escrita e de modo de produção também escrito em um texto de concepção falada e de modo de produção também falado. Tenho observado que essa atividade leva à percepção da riqueza da fala e das múltiplas possibilidades de uma mesma informação ou de um mesmo assunto ser desenvolvido. O desafio, realizado por duplas de alunos, constituiu-se, em transformar INSTRUÇÕES PARA MONTAGEM DE PASTA em DIÁLOGO – COMO SE MONTA UMA PASTA.

Foram realizados seminários para discussão das atividades e dos conceitos apresentados por autores fundamentais para nossa disciplina. Estas são as capas das edições que usei:MARCUSCHI DA FALA PARA A ESCRITA, KERBRAT-ORECCHIONI e Captura de Tela 2015-04-22 às 12.00.51.

Finalmente, para o trabalho de conclusão da disciplina (excertos, com permissão dos alunos, podem ser conferidos), a turma foi dividida em quatro duplas: Vanessa e Isac; Antônio e Willian; Juliana e Helton; Mônica e Mariana; e um trio:Edson, Elenilton e Marcos. Agradeço a toda turma o empenho e a colaboração em todas as nossas interações.

APLICAÇÃO DAS NOVE OPERAÇÕES DE RETEXTUALIZAÇÃO PROPOSTAS POR MARCUSCHI.

Operações de regularização e idealização
estratégia de eliminação baseada na idealização linguística 1ª operação: eliminação de marcas estritamente interacionais, hesitações e partes de palavras. L2 — e ela mora lá… mas ela é…  bem velhinha… maluca né? ela até hoje não sabe das coisas ela esquece os nome ela:: a mim ela sabe… mas eu invento história pra ela… e ela acredita em todas as história que eu invento… perturba mui:to a vida de minha irmã porque não tem… os conceitos de higiene dela já sumiram… só gosta de andar mulamba…

L1 — ((riu))

L2 — e ela mora lá mas ela é bem velhinha maluca ela até hoje não sabe das coisas ela esquece os nome ela a mim ela sabe mas eu invento história pra ela e ela acredita em todas as história que eu invento perturba muito a vida de minha irmã porque não tem os conceitos de higiene dela já sumiram só gosta de andar mulamba

 

estratégia de inserção em que a primeira tentativa segue a sugestão da prosódia 2ª operação: introdução da pontuação com base na intuição fornecida pela entoação das falas. L2 — e ela mora lá mas ela é bem velhinha maluca ela até hoje não sabe das coisas ela esquece os nome ela a mim ela sabe mas eu invento história pra ela e ela acredita em todas as história que eu invento perturba muito a vida de minha irmã porque não tem os conceitos de higiene dela já sumiram só gosta de andar mulamba L2 — e ela mora lá, mas ela é bem velhinha, maluca, ela até hoje não sabe das coisas, ela esquece os nome, ela a mim, ela sabe, mas eu invento história pra ela e ela acredita em todas as história que eu invento, perturba muito a vida de minha irmã porque não tem os conceitos de higiene, dela, já sumiram, só gosta de andar mulamba.
estratégia de eliminação para uma condensação linguística 3ª operação: retirada de repetições, reduplicações, redundâncias, paráfrases e pronomes egóticos. L2 — e ela mora lá, mas ela é bem velhinha, maluca, ela até hoje não sabe das coisas, ela esquece os nome, ela a mim, ela sabe, mas eu invento história pra ela e ela acredita em todas as história que eu invento, perturba muito a vida de minha irmã porque não tem os conceitos de higiene, dela, já sumiram, só gosta de andar mulamba. L2 — ela mora lá, mas ela é bem velhinha, maluca, ela esquece os nome, eu invento história pra ela e ela acredita em todas, perturba muito a vida de minha irmã porque os conceitos de higiene, dela, já sumiram, só gosta de andar mulamba.
estratégia de inserção 4ª operação: introdução da paragrafação e pontuação detalhada sem modificação da ordem dos tópicos discursivos. L2 — ela mora lá, mas ela é bem velhinha, maluca, ela esquece os nome, eu invento história pra ela e ela acredita em todas, perturba muito a vida de minha irmã porque os conceitos de higiene, dela, já sumiram, só gosta de andar mulamba. Ela mora lá, mas ela é bem velhinha, maluca. Ela esquece os nome. Eu invento história pra ela e ela acredita em todas. Perturba muito a vida de minha irmã porque os conceitos de higiene, dela, já sumiram. Só gosta de andar mulamba.

 

 

 

Operações de transformação
estratégia de reformulação

objetivando explicitude

5ª operação: introdução de marcas metalinguísticas para referenciação de ações e verbalização de contextos expressos por dêiticos. Ela mora lá, mas ela é bem velhinha, maluca. Ela esquece os nome. Eu invento história pra ela e ela acredita em todas. Perturba muito a vida de minha irmã porque os conceitos de higiene, dela, já sumiram. Só gosta de andar mulamba. Ela mora na casa de minha irmã, mas ela é bem velhinha, maluca. Ela esquece os nome. Eu invento história pra ela e ela acredita em todas. Perturba muito a vida de minha irmã porque os conceitos de higiene, dela, já sumiram. Ela só gosta de andar mulamba.
estratégia de reconstrução

em função da norma escrita

6ª operação: reconstrução de estruturas truncadas, concordâncias, reordenação sintática, encadeamentos. Ela mora na casa de minha irmã, mas ela é bem velhinha, maluca. Ela esquece os nome. Eu invento história pra ela e ela acredita em todas. Perturba muito a vida de minha irmã porque os conceitos de higiene, dela, já sumiram. Ela só gosta de andar mulamba. Ela é uma velhinha maluca que mora na casa de minha irmã. Ela esquece os nomes. Eu invento histórias e ela acredita em todas. Perturba muito a vida de minha irmã porque os conceitos de higiene, dela, já sumiram. Ela só gosta de andar mulamba.
estratégia de substituição

visando a uma maior formalidade

7ª operação: tratamento estilístico com seleção de novas estruturas sintáticas e novas opções léxicas. Ela é uma velhinha maluca que mora na casa de minha irmã. Ela esquece os nomes. Eu invento histórias e ela acredita em todas. Perturba muito a vida de minha irmã porque os conceitos de higiene, dela, já sumiram. Ela só gosta de andar mulamba. Maria é uma velhinha maluca que mora na casa de minha irmã. Ela esquece os nomes das coisas e das pessoas. Eu invento histórias absurdas e ela acredita em todas. Perturba muito a vida de minha irmã porque seus conceitos de higiene já sumiram. Ela só gosta de andar maltrapilha.
estratégia de estruturação argumentativa 8ª operação: reordenação tópica do texto e reorganização da sequência argumentativa. Maria é uma velhinha maluca que mora na casa de minha irmã. Ela esquece os nomes das coisas e das pessoas. Eu invento histórias absurdas e ela acredita em todas. Perturba muito a vida de minha irmã porque seus conceitos de higiene já sumiram. Ela só gosta de andar maltrapilha. Maria é uma velhinha maluca que mora na casa de minha irmã. Ela só gosta de andar maltrapilha. Perturba muito a vida de minha irmã porque seus conceitos de higiene já sumiram. Ela esquece os nomes das coisas e das pessoas. Eu invento histórias absurdas e ela acredita em todas.
estratégia de condensação 9ª operação: agrupamento de argumentos condensando as ideias. Maria é uma velhinha maluca que mora na casa de minha irmã. Ela só gosta de andar maltrapilha. Perturba muito a vida de minha irmã porque seus conceitos de higiene já sumiram. Ela esquece os nomes das coisas e das pessoas. Eu invento histórias e ela acredita em todas. Maria mora na casa de minha irmã e perturba muito sua vida porque anda suja e maltrapilha. A velhinha parece maluca, pois esquece os nomes das coisas e das pessoas e acredita nas histórias absurdas que eu invento.

 

MARCUSCHI, L.A. Da Fala para a Escrita: atividades de retextualização. São Paulo: Cortez Editora, 2001.

RETEXTUALIZAÇÃO: da linguagem informal falada para a linguagem formal escrita. IN: MARCUSCHI, L.A. Da Fala para a Escrita: atividades de retextualização. São Paulo: Cortez Editora, 2001.

RETEXTUALIZAÇÃO: da linguagem informal falada para a linguagem formal escrita

LINHA

1           L2 — e ela mora lá…mas ela é…bem velhinha… maluca né? ela até hoje não sabe das coisas ela

2          esquece os nome ela:: a mim ela sabe… mas eu invento história pra ela… e ela acredita

3         em todas as história que eu invento… perturba mui:to a vida de minha irmã porque não

4         tem… os conceitos de higiene dela já sumiram… só gosta de andar mulamba…

5          L1 — ((riu))

6          L2 — quem chegar na casa de minha irmã ela corre com aqueles mulambo pra atender…

7           faz ene coisas… inclusive quando morava ainda nessa casa… com mamãe tem um

8           jardim grande tem um portão de: de pedestre né? e tem o portão de carro… normalmente

9          a gente só entrava no portão de carro que o de pedestre tinha muita planta…

10         L1 — uhm

11         L2 — então a gente nunca entrava por ali e minha tia que mora junto… fez uma reforma

12          no banheiro das empregadas jogou fora um aparelho… ela não admitiu

13         o aparelho tava quebrado ela não admitiu que jogar fora não é possível e resolveu

14         guardar… o lugar que ela guardou no jardim lá de casa… mas na frente… assim

15         no jardim… perto desse portão… quem passava pelo

16         L1 — a bacia do aparelho?

17         L2 — a bacia do aparelho usada antiga velha e amarelada… sabe? aquela bacia

18          branca que fica amarela… ali guardada…

19        L1 — ah:… meu deus do Céu

20        L2 — e o pior é que passou um tempo e a gente não via porque… entra/vinha carro né?

21        L1 — sei:: …não passava por ((riu))

22        L2 — entrava pelo portão de carro…

23        L1—  ((rindo)) tá lá enfeitando o jardim

24        L2 — e as empregadas que aguavam o jardim… não ligavam do terraço você não

25            via… via do muro… que era pior né?… no meio do terraço tinha um cajueiro

26           e tem umas plantas

27        L1 — que coisa engraçada

28        L2 — que cobrem o muro… você vê muito bem o muro… não é?

29        L1 — uhm

30        L2 — mas quem passava pelo muro a pé via aquele aparelho enfeitando o jardim…

31          até o dia que um tio meu chegou…

32        L1 — ai:: que coisa engraçada ((ri))

33        L2 — e foi entrar por aquele portão aí gritou pra minha mãe: I. que coisa lin::da… eu

34          não sabia que isso era moda…

35        L1 — pra que esse jarro tão…

36        L2 — eu vou até comprar uns pra botar no meu jardim… por que você não

37          planta cravo dentro? … ficava mais bonito…

38        L1 — ai meu Deus

39        L2 — aí mamãe “dentro de que não estou vendo nada?”

40        L1 — que coisa mais engraçada

41        L2 — “eu não sabia que você usava aparelho para enfeitar o jardim”…aí foi que mamãe

42           foi ver… só faltou morrer de raiva… porque todo mundo naquelas três semanas

43          passou por ali viu aquele lindo aparelho enfeitando o jardim de minha casa…

44        L1 — que coisa curiosa né?((rindo))

45        L2 — então ela tem essas maluquices né?

 

MARCUSCHI, L.A. Da Fala para a Escrita: atividades de retextualização. São Paulo: Cortez Editora, 2001.