Categoria: fatores de textualidade

FATORES DE TEXTUALIDADE (PRIMEIRA PARTE). Tinoco Cabral, A.L. Pantaleoni, N.

FATORES DE TEXTUALIDADE (PRIMEIRA PARTE)

Não é a qualquer amontoado de palavras ou sequência de frases que se pode denominar de texto. O texto é um objeto completo, é uma unidade comunicativa, uma unidade de uso da língua. Ele se caracteriza pelos seguintes elementos: unidade, completude, assunto, tema, referentes, progressão temática, coesão e coerência, que são recursos pelos quais ele se constrói e se organiza.

Suponhamos que você tenha que escrever um texto cujo assunto seja a Amazônia. Esse é um assunto tão vasto e você não tem condições de dar conta em um texto de tudo que envolve a Amazônia.

Por isso é que você precisa delimitar o tema, como, por exemplo, a fauna da Amazônia, ou os Rios da Amazônia, ou o turismo na Amazônia. Assim a tarefa já se torna mais fácil.

Normalmente é assim que acontece na produção de um texto. A partir da tematização particular de um assunto, que é bem mais abrangente, o autor vai definir qual será sua referência, muitas vezes, empregando o recurso da figurativização do tema. O tema constitui-se num recorte no assunto.

O que é unidade textual?

O dicionário apresenta, dentre muitas, as seguintes definições para o verbete unidade:

unidade. s.f. 4. qualidade do que é um ou único ou uniforme. 6. homogeneidade; (…) 7. coordenação ou harmonia das partes de uma obra literária, artística, científica, etc.; 8. ação coletiva orientada para o mesmo fim, (…) união.

Embora apenas a definição apresentada em “7” faça referência expressa a texto, podemos estabelecer uma relação entre a unidade textual e os outros significados que se encontram no quadro acima.

Durante a leitura, percebemos facilmente se existe harmonia, uniformidade, homogeneidade entre as partes do texto; e como essas partes se orientam para o mesmo fim, a construção de sentidos daquele texto.

Somos capazes de perceber também quando o texto está desprovido de harmonia, uniformidade, homogeneidade entre suas partes e como a falta de unidade prejudica a construção de sentidos, pois a unidade textual tem a ver com a coerência.

Para que a unidade exista, é necessário que, na introdução, o autor apresente o assunto de que vai tratar, propondo o enfoque que será dado a ele, isto é, tematizando-o. É importante também que, no desenvolvimento do texto, acrescente novas informações a respeito do referente, estabelecendo relações entre as informações para tornar seu texto uma unidade harmônica e completa.

Quantas vezes, ao lermos, ficamos com a sensação de que o texto ficou pela metade! Esse é um problema frequente principalmente para quem vive apressado. Aflitos por terminar, encerramos nossos textos de forma repentina, interrompendo o fluxo, prejudicando drasticamente a compreensão, para não dizer a qualidade, de nossos textos.

O que acontece com esses textos interrompidos? Falta completude. A completude auxilia na construção de sentidos. A ausência de qualquer uma das partes de um texto pode prejudicar a sua compreensão, comprometendo seu sentido.

Entretanto, é preciso ficar claro: dizer que um texto é dotado de completude não significa dizer que ele está acabado, fechado, encerrado. O texto sempre possibilita intervenções novas, tanto por parte do leitor quanto do autor. Na verdade ele está constantemente se fazendo, pois, a cada leitura, trazemos para o texto e extraímos dele novas informações, novos sentidos.

Embora sejamos competentes para, diante de um texto, detectar quando ele está incompleto e até para completá-lo, muitas vezes, quando construímos nossos textos não nos damos conta de que omitimos detalhes essenciais para a sua unidade, o que gera no leitor a sensação de estar diante de uma obra inacabada.

É importante ficarmos sempre atentos ao redigir, a fim de garantir a unidade e a completude.  Elas são muito importantes para que o leitor estabeleça os sentidos do texto.

Outro fator importante para garantir a unidade do texto é a manutenção do tema. Durante o desenvolvimento do texto não podemos nos desviar do tema, ou a leitura pode ficar prejudicada e nosso texto se tornar incompreensível. Entretanto, é preciso atenção para fazê-lo progredir e manter o tema.

Suponhamos que alguém tenha de escrever um texto sobre a justiça e proceda da seguinte forma:

A justiça é a virtude de dar a cada um aquilo que é seu. A justiça é a faculdade de entregar aos indivíduos o que lhes pertence. A justiça é a virtude de dar aos homens seus bens.

Com certeza, você acharia aborrecido e inútil ler um texto como esse, pois ele não traz nenhuma informação nova a respeito da Justiça; limita-se a repetir a ideia inicial, inúmeras vezes.

Exageramos bastante no exemplo, para que você perceba, mas, muitas vezes, encontramos coisas semelhantes a esse “texto” que acabamos de ler, desprovidas de progressão temática, sem acrescentar nada de novo sobre determinado assunto.

A progressão temática é um dos fatores fundamentais de um texto, pois, pelo fato de trazer informações novas sobre um dado tema, ela contribui para que a leitura se torne interessante ao leitor. Se o texto não apresentar nada de novo ao leitor, este provavelmente não se manterá interessando na leitura até o final.

 

A Rã que queria ser uma Rã Autêntica

            Era uma vez uma Rã que queria ser uma rã autêntica e todos os dias se esforçava para isso.

            No começo, ela comprou um espelho onde se olhava longamente procurando sua almejada autenticidade.

            Algumas vezes parecia encontrá-la e outras não, de acordo com o humor desse dia e da hora, até que se cansou disso e guardou o espelho no baú.

            Finalmente, ela pensou que a única maneira de conhecer seu próprio valor estava na opinião das pessoas, e começou a se pentear e a se vestir e a se despir (quando não lhe restava nenhum outro recurso) para saber se os outros a aprovavam e reconheciam que era uma Rã autêntica.

            Um dia observou que o que mais admiravam nela era seu corpo, especialmente suas pernas, de forma que se dedicou a fazer exercícios e a pular para ter ancas cada vez melhores, e sentia que todos a aplaudiam.

            E assim continuava fazendo esforços até que, disposta a qualquer coisa para conseguir que a considerassem uma Rã autêntica, deixava que lhe arrancassem as ancas, e os outros as comiam, e ela ainda chegava a ouvir com amargura quando diziam: que ótima Rã, até parece Frango.

Augusto Monteroso in: 16 contos latino-americanos. São Paulo: Ática, 1992