Prólogo
As grandezas e excelências, ó Leitor discreto, da Região do Brasil, tão célebre depois de descoberta, como aniquilada enquanto oculta, exponho ao público juízo e atenção do Mundo, onde as suas riquezas têm chegado mais que as suas notícias, posto que algumas andem por vários Autores introduzidas em diversos assuntos, diferentes do meu, que não tem outro objeto. O costume sempre notado nos Portugueses de conquistarem Impérios, e não os encarecerem, é causa de que tendo criado o Brasil talentos por eminência grandes, nenhum compusesse a História desta Região, com maior glória da Pátria, da que pode lograr nos meus escritos, tomando eu com inferiores forças o peso, que requereria mais agigantados ombros; porém o respeitado caráter, em que por sua grandeza, e não por merecimento meu, me constituiu a Real Academia, honrando-me com o preclaríssimo lugar de seu Acadêmico, me dará alentos de Hércules para sustentar pesos de Atlante.
Com esta expressão ofereço este volume: se entenderes, que o compus em aplauso e reverência do Clima em que nasci, podes crer, que são seguras, e fiéis às notícias, que escrevo, porque os obséquios não fizeram divórcio com as verdades. Se em alguns termos o estilo te parecer encarecido, ou em algumas matérias demasiado o ornato, reconhece, que em mapa dilatado a variedade das figuras carece da viveza das cores, e das valentias do pincel; e que o meu ainda está humilde nas imagens, que aqui pinto, assim por falta de engenho, como por não ter visto todos os originais, fazendo a maior parte das cópias por informações, das quais não pode resultar o acerto de Apeles n o retrato de Helena pelos versos de Homero; mas se te não conciliar agrado pelas tintas a pintura, não deixem de merecer-te atenção pela grandeza os objetos; e se a tua vista for tão melindrosa, que não bastem a contentá-la com lhe apartares os olhos, a ti te escusas o enfado, e a mim a censura.
Advertências
Adverte o Autor que, da riquíssima América (tão dilatada, que se estende por quase quatro mil léguas de comprimento, estando ainda por saberás que tem de largo, e jaz debaixo de três diversas Zonas, dividindo-se em Setentrional e Meridional) da parte Setentrional não fala e só trata na Meridional da grandíssima porção que compreende o Estado do Brasil, assunto desta História da América Portuguesa.
Que não põe nela o cômputo dos tempos em número sucessivo de anos porque desde o de mil e quinhentos, em que foi descoberta a América Portuguesa, por largo curso, até o de mil e quinhentos e trinta e cinco, em que se doaram algumas Províncias e se principiou a fundação delas, não aconteceram outros progressos mais que a vinda do Cosmógrafo Américo Vespúcio, por ordem Del-Rei Dom Manoel, a demarcar esta região e as suas Costas; e depois a de outros Geógrafos e Capitães enviados pelo mesmo Rei e por seu filho e sucessor El-Rei D. João III, a tomar posse, meter marcos e observar o curso dos mares, fundar portos, explorar o País e levar dele mais distintas notícias.
Que estas operações se fizeram com intervalos de tempos, e desde o ano de mil e quinhentos e quarenta e nove, em que veio o primeiro Governador do Estado, leva a conta deles pela sucessão dos Governos e ordem dos fatos, mediando ainda alguns largos espaços sem ações para a escritura; falta que precisamente interrompe a série dos anos, mas não altera a verdade da História nem as notícias do Brasil, que é o fim para que o Autor a escreve e toda a alma e substância dos escritos, pois o mais são acidentes.
Que as matérias e notícias que nela trata são colhidas de relações fidedignas, conferidas com os Autores que estas matérias tocaram e com particulares informações modernas (que eles não tiveram) feitas por pessoas que cursaram as maiores partes dos continentes do Brasil e as depuseram fielmente como testemunhas de fato, com a ciência de que o Autor as inquiria para compor esta História, cujo essencial instituto é a verdade.
Que como nos dois primeiros livros descreve o corpo natural e material desta Região, as maravilhosas obras que nela fez a natureza, as admiráveis produções em vários gêneros e espécies e as suntuosas fábricas, que para o trato Civil e Político das suas Povoações foi compondo a arte, no retrato de tanta formosura, precisada a ser pincel a pena, não teme sair dos preceitos da História, quando altera a pureza das suas leis com as ideias da pintura que requer mais valentes fantasias, tendo por exemplar portentos em que a mais elevada frase Poética é verdade ainda mal encarecida.
Que nos livros que contêm matérias Políticas, leva o estila Histórica com estudo castigado e não põem nas margens os numerosos rios e as várias espécies das produções do Brasil, porque sendo tanto do instituto desta obra, entende, que devem ir no corpo dela.