Mês: outubro 2012

QUANDO SE FAZ NECESSÁRIA UMA TEORIA PARA A INTERPRETAÇÃO DE TEXTOS ESCRITOS? de Nílvia Pantaleoni

Olson, em seu livro O Mundo no Papel: as implicações conceituais e cognitivas da leitura e da escrita. SP: Ática, 1997, defende que o conceito ou a teoria da interpretação é o que torna consciente o processo da interpretação, sujeitando-o a considerações racionais. Enquanto a interpretação pode ser uma característica universal de todos os que utilizam símbolos, os conceitos da interpretação constituem artefatos culturais sujeitos à revisão, à mudança histórica e evolutiva. A citação serve de mote para o que passo a observar.

A primeira parte faz referência à decodificação de símbolos que pode ser considerada inata no ser humano. Todo ser vivente interpreta símbolos, índices e sinais. Trata-se de um axioma.

A segunda parte da citação envolve teorias, no plural, de interpretação, pois são múltiplas e estão atreladas ao momento histórico-cultural. Quer dizer, diferentes teorias de interpretação existiram ou existem na dependência da época e da sociedade em que estão inseridas. Quando digo que interpreto um texto, estou admitindo que tenho conceitos e pressupostos que me orientam. Por exemplo, que a minha interpretação não é a única; que procuro com esta atividade distinguir o que foi dito daquilo que se quis dizer; que não consigo ser isenta (aprendi regras, estratégias; tenho crenças e valores) ao interpretar; e ainda, que não existem textos nem discursos isolados.

Minhas inferências dependem da minha “eficiência” como leitor. Isso será suficiente para que me considere especialista na interpretação de textos escritos? Certamente que não. Para ilustrar, lembro que ler qualquer “manual de instruções” é um verdadeiro desafio para mim. Na verdade, existem problemas tanto na elaboração desse tipo de texto, quanto na minha interpretação: são frequentemente mal redigidos e não tenho paciência em seguir os passos estabelecidos para a garantia da execução da habilidade/atividade prevista pelo manual. Qualquer texto instrucional, seja para a montagem de um aparelho, seja para o preenchimento de declaração de imposto de renda, pressupõe um tipo de leitor capaz de interpretar o sentido literal, simplesmente. A dificuldade existe porque não tenho familiaridade com este tipo de texto. Faço inferências desautorizadas. Fico o tempo todo querendo descobrir “intenções” inexistentes por parte do produtor do texto Nunca me interessei por esse tipo de superestrutura e não estou familiarizada com os campos semânticos utilizados, eles não fazem parte do meu conhecimento prévio. Finalmente, apesar de não ter problema no reconhecimento de funções pragmáticas simples: gramaticalmente eu as identifico, pois sei a diferença, por exemplo, entre uma ordem, uma interrogação e uma asserção; não tenho conhecimentos prévios suficientes para entender as ordens que devo cumprir para fazer o aparelho funcionar ou para não “ser pega na malha fina” do imposto de renda.

A confissão acima é um “mea culpa” como leitora. (é forçoso admitir que, na primeira versão deste texto, a internet estava engatinhando. Hoje, minhas reflexões tomariam outro rumo) Quem me dera ser proficiente na leitura de instruções e no preenchimento de questionários investigativos. Tive dificuldade diante de um a que me submeti recentemente: “Já foi submetida a uma intervenção cirúrgica ginecológica?” Três cesarianas respondem a questão? Na dúvida, respondi “não”. Em casa, de posse do Houaiss, verifico o significado de “cesariana”. Trata-se de uma cirurgia obstétrica. Cirurgia obstétrica é o mesmo que cirurgia ginecológica? Apesar de a obstetrícia pertencer ao campo mais amplo da ginecologia, será que deveria ter respondido sim à pergunta. Coisa sem muita importância pelo destino que seria dado ao questionário, mas que serviram para minhas reflexões. A  bula de remédio, então, é um mistério para muitos leitores. A bem da verdade, e nesse aspecto até que me saio bem por conta dos estudos de radicais e prefixos gregos e latinos, gosto de ler bulas. Este tipo de texto, por conta de uma legislação que vai entrar em vigor, apresentará a versão dos especialistas, ortodoxa, original; e outra, vulgarizada, popular para o leigo. É uma forma de o leitor comum começar a ter acesso a informações básicas, antes inacessíveis.

Muita coisa pode ser dita sobre a interpretação de textos escritos. Destaco os processos inferenciais que ocorrem enquanto leio como essenciais. Mas isso é assunto para outro post.