Categoria: discurso acadêmico

A correspondência por escrito. Quarta parte. Nílvia Pantaleoni

A correspondência por escrito
 (Quarta Parte da Introdução da Dissertação de Mestrado concluída em 1999).
Nílvia Pantaleoni

Como a área de interesse de nossa dissertação não abrange as cartas ficcionais presentes, não só nos romances epistolares, mas em inúmeras narrativas, deixaremos de lado este rico filão, projetando para o futuro, quem sabe, uma pesquisa nesta área. Existe um campo vastíssimo a ser explorado envolvendo a temática das cartas. É necessário, pois, que delimitemos com exatidão o objeto da presente pesquisa.

Nossa proposta é uma análise exploratória de aspectos semânticos e pragmáticos das correspondências amorosas às noivas de duas figuras conhecidas no cenário social, político e literário brasileiro: Ruy Barbosa e Monteiro Lobato; uma leitura crítica de um manual de cartas de amor atual; e uma reconstituição da expressão do sentimento amoroso por meio de alguns textos literários fundamentais.

No primeiro capítulo, após definirmos epistolografia, trataremos das cartas de amor, fazendo uma leitura crítica de um manual de cartas de amor de nossos dias, salientando que, inúmeras vezes, amorosos do mundo todo, há muito tempo, pedem socorro às fórmulas prontas, representadas atualmente tanto pelos manuais quanto pelos cartões impressos. Em seguida, traçaremos um rápido percurso da constituição da expressão do sentimento amoroso a partir do Cântico dos Cânticos (século IX a.C.), do Antigo Testamento; passando pelo Banquete (século IV a.C.), de Platão; pela Arte de Amar, do poeta romano Ovídio (43 a. C.-18 d.C.); pela correspondência amorosa mais famosa da Idade Média, a de Abelardo e Heloísa (século XII);

Julie ou La Nouvelle Heloise. J.J. Rousseau
Julie ou La Nouvelle Heloise. de J.J. Rousseau

também nos deteremos nos transportes amorosos de Saint-Preux à Júlia, personagens criados por J.J. Rousseau (1712-1778) no romance epistolar Júlia ou A Nova Heloísa, abordando, principalmente, seu esclarecedor prefácio.

No segundo capítulo, empregando a abordagem interacionista que postula a interação verbal como a realidade fundamental da linguagem e que, de um ponto de vista pragmático, preocupa-se com os enunciados realizados em situações comunicativas particulares concretizadas, procuraremos estabelecer algumas estratégias que os remetentes das cartas empregam com a intenção de modificar ou conservar a informação pragmática das destinatárias, tendo em vista alimentar e aumentar o sentimento amoroso das mesmas. Para tanto, estudaremos o emprego dos vocativos epistolares, a utilização das máximas de polidez pelos missivistas e as estratégias empregadas para garantir a troca de turno.

No terceiro capítulo, fundamentando-nos nos trabalhos da semântica cognitiva que apresenta como um de seus postulados que conceitualizamos[1] o mundo usando a metáfora em tão larga escala que, muitas vezes, não temos consciência da existência de metáforas de nível básico que servem para categorizar o modo como o percebemos e o entendemos e que os valores de uma cultura são coerentes com a estrutura metafórica dos conceitos dessa cultura, realizaremos o levantamento das metáforas presentes nas declarações amorosas das cartas de amor dos, então, noivos Rui Barbosa e Monteiro Lobato, a partir da hipótese de que suas expressões metafóricas amorosas formam um sistema coerente com os modelos conceituais de amor que eles têm introjetados em suas mentes.

Na conclusão, procuraremos verificar a validade do estudo realizado, e, em anexo, apresentaremos: 1) um modelo de carta de amor extraído do manual analisado; 2) uma carta de Ruy Barbosa à Maria Augusta; e 3) uma carta de Monteiro Lobato à Purezinha.

Uma pequena digressão: meu interesse por cartas é muito antigo. Quando pequena, esperava com ansiedade o carteiro que passava por minha rua e entregava todos os dias, em casa, os jornais, os pacotes de livros que meu pai encomendava, as cartas que recebia. Sua figura era a do mensageiro que transportava a notícia, a palavra, as novidades. Ele passava à tarde, mais ou menos às duas horas, e, quando ele se atrasava, eu me preocupava. Os jornais eu lia, as cartas, não. Elas vinham lacradas e ninguém, a não ser o destinatário, meu pai, poderia abri-las. Esta interdição, evidentemente, aguçava minha curiosidade: aquele objeto fechado continha uma mensagem que só o dono podia conhecer. Este caráter particular da correspondência fazia dela algo precioso, secreto, proibido.

Quando chegava alguma carta para minha mãe, geralmente de algum parente, ela deixava que eu a abrisse e líamos juntas – com que prazer – o seu conteúdo. Com o passar do tempo, minha mãe me incumbiu de responder as cartas que um velho tio lhe escrevia: o tio Osório. Pela primeira vez, vi meu nome sobrescritado num envelope, encimado por “à gentil senhorita” Ele foi o meu primeiro correspondente, dele foram as primeiras cartas que recebi. Posso afirmar com segurança que não são apenas as cartas de amor que emocionam. Receber palavras de amizade, de carinho, saber que alguém distante pensou em você, deixou de lado suas atividades e sentou-se para enviar-lhe uma mensagem, mesma que curta, aquece o coração.

Passados tantos anos, e tantas cartas depois, ainda sinto um prazer muito grande ao abrir minha correspondência pessoal. Arrependo-me por ter queimado uma coleção delas, mais de cem, quando fiquei noiva, não do remetente das cartas. E são justamente as cartas de amor de outros remetentes para outras destinatárias que quero analisar. Este trabalho tem para mim, entre outras funções, a catártica pelo fato de me desvencilhar do teor daquelas outras cartas. Afinal uma carta de amor é sempre uma carta de amor e ‑ como escreveu Fernando Pessoa ‑ toda carta de amor é ridícula. Ridículas, risíveis, não importa. Queimei as minhas cartas, quando tinha vinte e poucos anos, hoje tenho cinquenta e quero remexer em suas cinzas, analisando as cartas de amor alheias antes de jogá-las ao vento definitivamente.


[1] Os termos da língua inglesa conceptualize, conceptual e conceptualization, empregados pela semântica cognitiva, foram traduzidos nesse trabalho por conceitualizar, conceitual e conceitualização.

A correspondência por escrito. Segunda parte. Nílvia Pantaleoni

A correspondência por escrito

 (Segunda Parte da Introdução da Dissertação de Mestrado concluída em 1999).
Nílvia Pantaleoni

Um dos temas constantes entre pintores europeus do passado eram as cenas domésticas, dentre elas, uma das preferidas era a de uma mulher, quase sempre jovem, com uma carta. Como exemplo, temos a série de quadros do pintor holandês Jan Vermeer (1632-1675) retratando mulheres, sempre em ambientes luxuosos, geralmente vestidas de amarelo, que, de acordo com testemunhos da época, era a cor preferida pelos apaixonados, própria de amantes e prostitutas.

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Mulheres que recebem, leem ou escrevem cartas de amor. Observando estas obras, podemos deduzir que o intercâmbio das cartas permitia que a mulher recebesse não só notícias de um possível namorado ou amante, mas também, através do contato com o mundo exterior, tivesse um alargamento da esfera doméstica em que era obrigada a viver, segundo as normas sociais da época.

Os tempos são outros, as possibilidades de comunicação entre as pessoas multiplicaram-se, no entanto, a necessidade de enviar e de receber mensagens por escrito ainda continua. Dessa forma, atualmente, apressados amigos, filhos, namorados e amantes se socorrem de cartões coloridos, perfumados, musicais, tradicionais ou ousados, para simplesmente dizer “presente” nas datas previstas, empregando fórmulas – achados felizes de anônima autoria – para expressar gratidão, amizade, simpatia, afeto, solidariedade e, por que não, amor. Os apaixonados, com dificuldade de expressar seus sentimentos utilizam-se, além dos manuais de cartas de amor, que já fizeram tanto sucesso, tão pródigos em modelos prontos para serem adaptados, do comércio dos cartões com dizeres prontos para toda e qualquer ocasião que existe para suprir as necessidades de quem se contenta em se aproveitar do “já-dito” para comunicar o que, no auge da paixão, julga ser o “nunca-antes-sentido”.

Nosso objeto de estudo – a correspondência escrita ‑ situa-se no campo da epistolografia. Na realidade, ela é a própria arte de escrever qualquer tipo de carta. Cartas com intenções meramente pragmáticas, sem preocupação de estilo, que são escritas única e exclusivamente para um destinatário; cartas que, apesar de serem pragmáticas, também têm uma preocupação literária, já que seu remetente é normalmente um escritor que, mesmo ao tratar de assuntos particulares e de foro íntimo, não pensando numa possível publicação de sua correspondência, não consegue se desvencilhar de seu alter-ego literário; finalmente, cartas com intenção literária, quando, quem escreve, se dirige não apenas ao destinatário expressamente nomeado mas ao leitor virtual.

A correspondência por escrito (Primeira Parte da Introdução da Dissertação de Mestrado – 1999). Nílvia Pantaleoni

A correspondência por escrito

 (Primeira Parte da Introdução da Dissertação de Mestrado concluída em 1999).

Nílvia Pantaleoni

“As melhores cartas são aquelas que nunca foram publicadas.”

Virgínia Woolf

Dentre as inúmeras possibilidades de comunicação entre os homens por meio da palavra, sobressai-se uma que, pelas características apresentadas, merece uma reflexão cuidadosa: a correspondência escrita, ou seja, as cartas. Apesar da extrema sofisticação existente nos tempos atuais permitindo que fatores como tempo e espaço não sejam mais obstáculos à pronta recepção de mensagens, o homem ainda revela preferência, em determinadas situações, pela comunicação por escrito.

Em outras épocas, a carta era a portadora da notícia. O seu conteúdo, quase sempre lacrado, encerrava o novo, o imprevisto, o esperado, o desejado, o temido. De um lado, o remetente responsável pela mensagem que percorreria alguns poucos quilômetros ou uma distância imensa; de outro lado, o destinatário, que estaria ou não na expectativa de receber a carta, iria respondê-la, investido, por sua vez do papel de remetente. Estabelecia-se, dessa forma, um longo e elaborado diálogo em que a troca dos turnos permitia aos interlocutores uma análise aprofundada de todas as pistas presentes, e tempo mais que suficiente para a elaboração das respostas.

Quando uma carta chega ao seu destino, independentemente do seu conteúdo, nas folhas cuidadosamente dobradas, ela já tem sua própria história. Trata-se de um objeto com peso, forma, tamanho, cor e aroma definidos. Pode estar danificada, amarfanhada, pode, quem sabe, carregar ainda os eflúvios de um remetente apaixonado, ou ameaçadora, fazer trêmulas as mãos de quem a recebe, ao reconhecer sua procedência. Seria interessante, sem dúvida, um estudo, não só dos tipos de envelope; do lacre que fechava as cartas antigas, que, por sinal, é feito da mesma substância resinosa com que se costumam selar as garrafas; dos sinetes que imprimiam no lacre o monograma, o brasão de um remetente poderoso; dos selos e das estampilhas; mas ainda do próprio mobiliário onde se escrevia e se guardava a correspondência, tamanha era a importância que se dava ao hábito de se comunicar por meio de cartas.

Introdução ao Gênero Resenha

Introdução ao Gênero Resenha

Nílvia Pantaleoni

Vamos considerar o gênero resenha como uma técnica de escrita, pois nosso objetivo é tornar o estudante universitário proficiente nesta e em outras técnicas que subsidiam a redação de textos que constituem os diversos gêneros empregados no discurso acadêmico.

Partimos do pressuposto de que o ser humano vive inserido em cultura e participa de uma vida em sociedade, por isso tem necessidade de dominar gêneros específicos das esferas de atividade humana em que atua. O estudante universitário, por exemplo, é convocado a realizar determinadas atividades escritas que provavelmente ainda não domine como as monografias que utilizam outros gêneros em sua constituição. É o caso concreto, por exemplo, das resenhas de obras  que servem para fundamentar a pesquisa, já que a fundamentação teórica é, em grande parte, feita a partir da síntese de obras lidas e resenhadas.

Observe uma atividade que se exigia há algum tempo e, atualmente, é relegada a segundo plano: o fichamento de livros, principalmente de obras literárias.

FICHA DE LEITURA
Título e Data de Publicação:
Autor:
Editora:
Gênero Literário:
Personagens principais:
Espaço e Época da ação:
Tema da obra:
Resumo da obra:
Pontos a favor:
Pontos contra:
Outras obras semelhantes:

A resenha descritiva é semelhante à ficha de leitura . Observe o modelo de uma resenha descritiva:

RESENHA DESCRITIVA
Nome do autor (ou dos autores):
Título completo e exato da obra (ou do artigo):
Nome da Editora e, se for o caso, da coleção de que faz parte a obra:
Lugar e data da publicação:
Número de volumes e páginas:
Indicação do assunto global da obra:
Indicação do ponto de vista adotado pelo autor (perspectiva teórica):
Resumo geral que apresenta plano da obra e os pontos essenciais do texto:
Descrição sumária da estrutura da obra (sumário, índices, divisão em capítulos, assuntos dos capítulos)

Mas, afinal, o que é resenhar?

Resenhar significa fazer uma relação das propriedades de um objeto, enumerar cuidadosamente seus aspectos relevantes, descrever as circunstâncias que o envolvem. O objeto resenhado pode ser um acontecimento qualquer da realidade ou textos e obras culturais.

A resenha nunca pretende ser completa e exaustiva, já que, normalmente, são muitas as propriedades e circunstâncias que envolvem o objeto descrito. Quem resenha deve proceder seletivamente, filtrando apenas os aspectos do objeto que considera pertinentes, isto é, apenas aquilo que é funcional em vista de sua intenção.

A resenha  descritiva apresenta com precisão e fidelidade os elementos referenciais e suas inter-relações, ou seja, as ideias do(s) autor(es) sobre um determinado tema, sem nenhum julgamento ou apreciação.

As categorias que  estruturam basicamente a resenha descritiva são as seguintes:

1. Referência Bibliográfica (informações sobre o texto)

Relatórios, resenhas e resumos devem sempre conter indicações com respeito à origem do texto. Essas indicações variam segundo o tipo de texto de que se trata, devendo-se, pois, seguir as normas estabelecidas pela ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas).

2. Descrição

Pode-se fazer, nesta parte,  uma descrição sumária da estrutura da obra (divisão em capítulos, assuntos dos capítulos, índices etc.).

3. Resumo

Indicação sucinta do assunto global da obra (tema) e do ponto de vista adotado pelo autor (perspectiva teórica, gênero, método etc.).

Finalmente, como se constitui a  resenha crítica?

A resenha crítica apresenta mais uma categoria: o comentário, já que ela deve vir pontuada de apreciações, notas e correlações estabelecidas pelo juízo crítico de quem a elaborou. Não é suficiente descrever; é preciso julgar. De maneira geral, um julgamento (ou juízo), ainda que expresso de modo pessoal, deve ser apoiado em argumentos sólidos.

Dessa forma, a diferença essencial entre resenha descritiva e resenha crítica é a seguinte: enquanto a primeira se destina ao uso pessoal não havendo necessidade de avaliar a obra apontando, por exemplo, pontos positivos e negativos, a segunda é compartilhada com outros leitores e tem como uma das finalidade divulgar um livro recomendando ou desaconselhando sua leitura.

A descrição esquemática da resenha crítica apresentada por Roth (2002: 93) compreende quatro movimentos realizados por dez estratégias. É este tipo de esquema que deve ser seguido para a elaboração da resenha acadêmica, sendo necessário que se acrescente a primeira categoria da resenha descritiva, ou seja, a referência bibliográfica com a apresentação dos seguintes dados:

Nome do organizador e dos autores:

Título completo e exato da obra:

Lugar da publicação:

Nome da Editora:

Data da publicação:

ESQUEMA DO GÊNERO RESENHA SEGUNDO MOTTA-ROTH

Movimento 1Passo 1

Passo 2

Passo 3

Passo 4

Passo 5

  APRESENTANDO O LIVRODefinindo o tópico geral do livro     

e/ou Informando sobre a virtual audiência

e/ou Informando sobre o autor/a

e/ou Fazendo generalizações

e/ou Inserindo o livro na área

Movimento 2Passo 6

Passo 7

Passo 8

ESQUEMATIZANDO O LIVRODelineando a organização geral do livro

e/ou Definindo o tópico de cada capítulo

e/ou Citando material extratexto

Movimento 3Passo 9 RESSALTANDO PARTES DO LIVROAvaliando partes específicas
Movimento 4Passo 10a

Passo 10b

FORNECENDO AVALIAÇÃO FINAL DO LIVRORecomendando/desqualificando o livro

ou Recomendando o livro apesar das falhas

 

Bibliografia consultada:

MOTTA-ROTH, D. A construção social do gênero resenha acadêmica. In: MEURER, MOTTA-ROTH (org) Gêneros textuais e práticas discursivas: subsídios para o ensino de linguagem. Bauru, São Paulo, EDUSC, 2002.

GARCIA, O . M. Comunicação em prosa  moderna. Rio de Janeiro, Ed. da Fundação Getúlio Vargas, 1986.

SAVIOLI, F. P. & FIORIN, J. L. Para entender o texto: leitura e redação. São Paulo, Ática, 1991.