Mês: junho 2013

Introdução ao Gênero Resenha

Introdução ao Gênero Resenha

Nílvia Pantaleoni

Vamos considerar o gênero resenha como uma técnica de escrita, pois nosso objetivo é tornar o estudante universitário proficiente nesta e em outras técnicas que subsidiam a redação de textos que constituem os diversos gêneros empregados no discurso acadêmico.

Partimos do pressuposto de que o ser humano vive inserido em cultura e participa de uma vida em sociedade, por isso tem necessidade de dominar gêneros específicos das esferas de atividade humana em que atua. O estudante universitário, por exemplo, é convocado a realizar determinadas atividades escritas que provavelmente ainda não domine como as monografias que utilizam outros gêneros em sua constituição. É o caso concreto, por exemplo, das resenhas de obras  que servem para fundamentar a pesquisa, já que a fundamentação teórica é, em grande parte, feita a partir da síntese de obras lidas e resenhadas.

Observe uma atividade que se exigia há algum tempo e, atualmente, é relegada a segundo plano: o fichamento de livros, principalmente de obras literárias.

FICHA DE LEITURA
Título e Data de Publicação:
Autor:
Editora:
Gênero Literário:
Personagens principais:
Espaço e Época da ação:
Tema da obra:
Resumo da obra:
Pontos a favor:
Pontos contra:
Outras obras semelhantes:

A resenha descritiva é semelhante à ficha de leitura . Observe o modelo de uma resenha descritiva:

RESENHA DESCRITIVA
Nome do autor (ou dos autores):
Título completo e exato da obra (ou do artigo):
Nome da Editora e, se for o caso, da coleção de que faz parte a obra:
Lugar e data da publicação:
Número de volumes e páginas:
Indicação do assunto global da obra:
Indicação do ponto de vista adotado pelo autor (perspectiva teórica):
Resumo geral que apresenta plano da obra e os pontos essenciais do texto:
Descrição sumária da estrutura da obra (sumário, índices, divisão em capítulos, assuntos dos capítulos)

Mas, afinal, o que é resenhar?

Resenhar significa fazer uma relação das propriedades de um objeto, enumerar cuidadosamente seus aspectos relevantes, descrever as circunstâncias que o envolvem. O objeto resenhado pode ser um acontecimento qualquer da realidade ou textos e obras culturais.

A resenha nunca pretende ser completa e exaustiva, já que, normalmente, são muitas as propriedades e circunstâncias que envolvem o objeto descrito. Quem resenha deve proceder seletivamente, filtrando apenas os aspectos do objeto que considera pertinentes, isto é, apenas aquilo que é funcional em vista de sua intenção.

A resenha  descritiva apresenta com precisão e fidelidade os elementos referenciais e suas inter-relações, ou seja, as ideias do(s) autor(es) sobre um determinado tema, sem nenhum julgamento ou apreciação.

As categorias que  estruturam basicamente a resenha descritiva são as seguintes:

1. Referência Bibliográfica (informações sobre o texto)

Relatórios, resenhas e resumos devem sempre conter indicações com respeito à origem do texto. Essas indicações variam segundo o tipo de texto de que se trata, devendo-se, pois, seguir as normas estabelecidas pela ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas).

2. Descrição

Pode-se fazer, nesta parte,  uma descrição sumária da estrutura da obra (divisão em capítulos, assuntos dos capítulos, índices etc.).

3. Resumo

Indicação sucinta do assunto global da obra (tema) e do ponto de vista adotado pelo autor (perspectiva teórica, gênero, método etc.).

Finalmente, como se constitui a  resenha crítica?

A resenha crítica apresenta mais uma categoria: o comentário, já que ela deve vir pontuada de apreciações, notas e correlações estabelecidas pelo juízo crítico de quem a elaborou. Não é suficiente descrever; é preciso julgar. De maneira geral, um julgamento (ou juízo), ainda que expresso de modo pessoal, deve ser apoiado em argumentos sólidos.

Dessa forma, a diferença essencial entre resenha descritiva e resenha crítica é a seguinte: enquanto a primeira se destina ao uso pessoal não havendo necessidade de avaliar a obra apontando, por exemplo, pontos positivos e negativos, a segunda é compartilhada com outros leitores e tem como uma das finalidade divulgar um livro recomendando ou desaconselhando sua leitura.

A descrição esquemática da resenha crítica apresentada por Roth (2002: 93) compreende quatro movimentos realizados por dez estratégias. É este tipo de esquema que deve ser seguido para a elaboração da resenha acadêmica, sendo necessário que se acrescente a primeira categoria da resenha descritiva, ou seja, a referência bibliográfica com a apresentação dos seguintes dados:

Nome do organizador e dos autores:

Título completo e exato da obra:

Lugar da publicação:

Nome da Editora:

Data da publicação:

ESQUEMA DO GÊNERO RESENHA SEGUNDO MOTTA-ROTH

Movimento 1Passo 1

Passo 2

Passo 3

Passo 4

Passo 5

  APRESENTANDO O LIVRODefinindo o tópico geral do livro     

e/ou Informando sobre a virtual audiência

e/ou Informando sobre o autor/a

e/ou Fazendo generalizações

e/ou Inserindo o livro na área

Movimento 2Passo 6

Passo 7

Passo 8

ESQUEMATIZANDO O LIVRODelineando a organização geral do livro

e/ou Definindo o tópico de cada capítulo

e/ou Citando material extratexto

Movimento 3Passo 9 RESSALTANDO PARTES DO LIVROAvaliando partes específicas
Movimento 4Passo 10a

Passo 10b

FORNECENDO AVALIAÇÃO FINAL DO LIVRORecomendando/desqualificando o livro

ou Recomendando o livro apesar das falhas

 

Bibliografia consultada:

MOTTA-ROTH, D. A construção social do gênero resenha acadêmica. In: MEURER, MOTTA-ROTH (org) Gêneros textuais e práticas discursivas: subsídios para o ensino de linguagem. Bauru, São Paulo, EDUSC, 2002.

GARCIA, O . M. Comunicação em prosa  moderna. Rio de Janeiro, Ed. da Fundação Getúlio Vargas, 1986.

SAVIOLI, F. P. & FIORIN, J. L. Para entender o texto: leitura e redação. São Paulo, Ática, 1991.

Levantamento das estruturas de “Os quintais” de Adriana Lisboa

Primeiro, leia o conto em: http://www.releituras.com/adrilisboa_menu.asp

Agora, observe sua organização estrutural:


Na casa do meu avô,

havia quatro quintais.

No principal,

o portão se abria para a rua,

e

ali ficava a casa propriamente dita,

e

por cima do muro baixo

a gente via as cabeças das pessoas

que passavam pela rua, sempre tão devagar.

Às vezes

vinha dar na varanda o cheiro do rio,

um cheiro de pano e de barro.

Na garagem descoberta,

sobre os cascalhos,

dormia a Variant marrom do meu avô.

À esquerda,

separado por um muro com uma passagem,

ficava o universo dos abacateiros e o quartinho

que o meu avô chamava de Petit Trianon.

Nós apanhávamos abacates para fazer boizinhos com palitos de fósforo.

O Petit Trianon eu não me lembro

para que servia,

ficava quase sempre fechado.

 Mas

eu tinha pesadelos com ele.

À esquerda,

separado por outro muro com outra passagem,

ficava um universo híbrido

em que cabiam orquídeas numa estufa, galinhas, goiabeiras e um pé de romã quase esquecido, lá no fundo, longe de tudo.

Era o quintal mais colorido.

Uma vez minha irmã caiu de uma goiabeira,

a barriga enterrou numa torneira

e

ela foi parar no hospital.

À direita

do quintal principal,

ficava o último, e quase proibido.

Havia o muro,

mas

na passagem tinha um portãozinho baixo de madeira, que às vezes a gente pulava por prazer.

havia mato.

Árvores altas, sombras, coisas indizíveis se arrastando junto às raízes, barulhos de insetos

que nunca existiram

de se ver.

fazia calor e férias, invariavelmente,

mas também

podia cair chuva,

 e

a chuva ficava guardada para os nossos pés no tapete de folhas velhas, de frutos podres, de vermes lentos e moles.

Os quatro quintais da casa do meu avô arrumaramse numa bússola,

e

quando eu pisei pela primeira vez numa caravela fervilhando de adultos,

vinha com ela no bolso.

Se não como guia,

ao menos como amuleto.

Levantamento de estruturas do conto “O homem que só tinha certezas” de Adriana Falcão

Primeiro, leia o conto de Adriana Falcão: http://www.releituras.com/adrifalcao_menu.asp

A seguir,  uma das possibilidades de levantamento das estruturas deste texto. O foco foi dado aos verbos e aos elementos de junção. O que fica evidente nos quadros é o paralelismo sintático-semântico.

Nem o homem feliz de Maiakovsky

 

nem o homem liberto de Paulo Mendes Campos,

 

Resolvi imaginar

outra improbabilidade.

 

 

Digamos

que

 

aparecesse agora, justo aqui no Brasil, no Rio de Janeiro, mais exatamente, bem aí na sua frente,

um homem que só tivesse certezas.

O homem que só tinha certezas

quase nunca usava ponto de interrogação,

e

em seu vocabulário não constavam as expressões: talvez, quiçá, quem sabe, porventura.

Parece que

foi de nascença.

Ele já teria vindo ao mundo assim, com todas as certezas junto,

pulou a fase dos porquês

e

nunca soube o que era curiosidade na vida.

A notícia espalhou-se rapidamente.

Como

ele vivia no meio de pessoas,

e

pessoas vivem cheias de dúvidas,

logo

começaram a pedir sua opinião para os mais diversos assuntos,

os triviais e os de grande importância,

e

  ele, certo de que podia viver muito bem de suas certezas,

virou um consultor.

Pendurou em sua porta uma placa onde estava escrito “Consultor de tudo”

e

o negócio foi crescendo aos pouquinhos.

Devido ao boca-a-boca favorável de clientes

 e a um único anúncio no rádio,

passou a atender, sem nenhum exagero, milhares de pessoas por dia,

até que

limitou o número de consultas diárias para quatrocentos e oitenta, um minuto e meio por pessoa,

o que era mais do que suficiente para uma resposta certa

desde que a pergunta não fosse muito longa.

Chegava gente do país inteiro e depois de outros continentes,

pessoas comuns, pessoas ilustres,

todas elas indecisas,

mas

cada pessoa só tinha direito a uma pergunta por consulta,

o que as deixava mais indecisas ainda.

Certa vez

uma moça chegou na dúvida

se

devia perguntar primeiro sobre o amor ou o trabalho,

no que o homem respondeu,

sobre o amor,

é claro,

senão você não vai conseguir trabalhar direito,

e deu por encerrada a consulta.

O homem

que só tinha certezas

aconselhou um garoto tímido a tomar quatro cervejas,

encorajou um político receoso a aprovar um projeto esquisitíssimo que se destinava a melhorar a vida dos homens,

avisou a uma senhora preocupada com os anos que no caso dela nada melhor do que beijos na boca,

desentorpeceu um rapaz doente de amor por uma mulher que gostava de outro,

convenceu o ministro da fazenda de que ou o dinheiro era pouco, ou eram muitos os homens, ou ele estava louco, ou alguém tinha se enganado nas contas.

Não demorou muito

para se tornar capa de todas as revistas

e

personagem assíduo dos programas de TV.

Para cada pergunta havia uma só resposta certa

e

era essa que ele dava, invariavelmente,

exterminando aos pouquinhos todas as dúvidas que existiam,

até que só restou uma dúvida no mundo:

será que ele não vai errar nunca?

Mas

ele nunca errava,

e

 nem havia mais o que erraruma vez que não havia mais dúvidas.

Num mundo

que só tinha certezas,

o homem

que só tinha certezas

virou apenas mais um homem no mundo.

Melhor assim,

ele pensava,

ou melhor,

tinha certeza.

Um dia aconteceu um imprevisto,

e

o homem

que só tinha certezas,

quem diria,

acordou apaixonado.

Para se assegurar

de que

aquela era a mulher certa para ele,

formulou cento e vinte perguntas, que ela respondeu sem vacilar,

mandou fazer mapas do céu, exames de sangue, contagem de triglicerídeos, planilhas complicadíssimas

e

finalmente apresentou a moça à sua mãe e ao seu cachorro.

Os dois se amaram noites adentro,

foram a Barcelona,

tiraram fotos juntos,

compraram álbuns, porta-retratos, garfos, facas, um escorredor de pratos,

tiveram filhos e tal,

 

e,

desde então, por alguma razão desconhecida,

o homem

que só tinha certezas

foi perdendo todas elas, uma por uma.

No início

ainda tentou disfarçar, por via das dúvidas,

quem sabe era um mal passageiro?

Mas

as dúvidas multiplicavam-se como praga (dúvidas se multiplicam?),

espalharam-se pelo mundo,

e agora,

meu Deus?

Deus existe?

Existe sim.

Ou será que não?

Ele não estava bem certo.