I – Variedades linguísticas: norma, correção e adequação
Nílvia Pantaleoni
O uso adequado e eficaz da língua, nas mais variadas situações de comunicação, pressupõe uma competência pragmático-utilitária que emerge, não só da utilização de normas e convenções, mas também da conveniência de se distinguir entre uma variedade erigida em norma-padrão, institucionalmente reconhecida como tal, e outras variedades geográfica e socialmente diferentes e legítimas.[1]
A variação linguística existe, não podemos ignorar sua riqueza. A marca da diversidade deve ser considerada como algo positivo e ser incorporada aos nossos hábitos linguísticos à medida que nos adequamos ao momento interativo, ou seja, à situação comunicativa. Aliás, a adequação à situação comunicativa incorpora-se entre as máximas conversacionais, regidas pelo princípio de cooperação postulado pelo filósofo da linguagem H.P. Grice.
Grice observa que os falantes seguem um princípio cooperativo geral que orienta os usos eficientes da língua. Numa conversa e, podemos também dizer, numa interação por escrito, ou via internet, os interlocutores guiam-se – mesmo que disso não tenham consciência – por máximas da qualidade, da quantidade, da relevância e do modo. É evidente que elas são frequentemente desobedecidas, mas, num plano ideal, os interlocutores são cooperativos.
Como se dá essa cooperação entre os interlocutores? Como eles podem contribuir com o outro?
Falando só o que é verdadeiro, ou o que eles imaginam que seja verdade (máxima da qualidade); contribuindo com a informação necessária, não mais do que isso (máxima da quantidade); além disso, suas contribuições devem ser relevantes para o propósito da comunicação (máxima da relevância); e, o que mais nos interessa no momento, já que estamos tratando da variedade, da adequação e da correção linguística, ele deve ser claro, evitando a ambiguidade e a falta de clareza (máxima do modo).
Não é adequado o médico que, durante uma consulta, num posto de saúde, usa seu incompreensível jargão para se dirigir ao seu paciente, completamente leigo em assuntos de medicina. Ele será menos adequado ainda, e também extremamente inconveniente se tentar imitar, muitas vezes jocosamente a variante linguística de seu paciente. A adequação à situação comunicativa é perfeitamente possível, e, na maioria dos casos, esta adaptação acontece pelo fato de existir uma espécie de linguagem comum que todos os falantes dominam.
Dino Preti[2] afirma que uma linguagem comum do ponto de vista geográfico, usada, em tese, pelos falantes urbanos de cultura média, empregada no dia-a-dia, contribui para a unificação dos falares regionais, porque é compreensível em todas as regiões do país.
Nas aulas de Comunicação Empresarial, o que deve ser estudado? O que é adequado? Com certeza, não se ensina gramática normativa. Pressupõe-se que o aluno fale e escreva com segurança, pois deve dominar essa linguagem comum.
O aluno deve sentir-se seguro para se expressar em seus trabalhos por escrito produzindo, por exemplo, resumos, resenhas, relatórios, projetos, isto é, gêneros onde predominam seqüências tipológicas ou tipos textuais expositivo-argumentativos em geral, preocupando-se com a clareza, a concisão, a organização de seu texto, não perdendo de vista o interlocutor de seu texto que, na vida universitária, é quase sempre o professor e também seus colegas.
Também nas situações comunicativas orais, isto é, em seminários, apresentações de trabalhos e debates, alguns cuidados não só com o falar, como também com o agir em público devem ser levados em consideração. Para isso existem técnicas; a simpatia de quem está ouvindo liga-se com o ethos de quem está falando. Falar bem, em voz alta, clara, pausada e convincente, por exemplo, faz parte da adequação à situação comunicativa de um seminário que os alunos preparam antecipadamente.
Participar de discussões e debates não é entrar num bate-boca para defender a todo custo seu ponto de vista, também não é ficar calado, alheio ao que acontece, querendo que tudo termine logo, porque nada daquilo lhe interessa. Participar de uma discussão é querer demonstrar seu ponto de vista aos seus interlocutores e, mais que isso, é tentar persuadi-los com a força de sua argumentação. Finalmente, também é saber ouvir e respeitar o ponto de vista do outro.
Nas aulas de Comunicação Empresarial, você aprimora suas técnicas de leitura, interpretação e produção de textos. Se você tem dificuldades específicas para se expressar por escrito, ou mesmo, oralmente, não perca a oportunidade de se dirigir ao professor que sempre tem material-extra com conteúdos específicos e exercícios que podem eliminar dúvidas. Não podemos ignorar que a educação linguística de qualquer falante nativo inicia-se na esfera íntima do lar, continua nas esferas públicas, abertas. Finalmente, o espaço ideal para o desenvolvimento da educação linguística são as instituições de ensino que aperfeiçoam, hierarquizam e rotulam as mais diversas atividades lingüísticas sociocomunicativas.
O que importa em relação à ética linguística que procuramos observar na instituição escolar, esperando que continue em qualquer situação nas diversas esferas das atividades humanas, é o respeito que devemos ter com o direito linguístico que todo cidadão possui de falar sem ser discriminado e, como alunos que têm como meta o aprimoramento de competências e a aquisição de novas habilidades, importa o crescimento como leitores, falantes e autores na língua que lhes pertence por direito de nascimento.
A língua portuguesa não é fácil nem difícil, mas é um idioma com potencialidades tamanhas que nem os imortais acadêmicos conhecem integralmente. Uma parcela de sua riqueza, de sua diversidade a qual estamos acostumados todos os dias, em todos os lugares, nas mais diversas situações, será tema de outros textos de Comunicação Empresarial, pelo menos, por dois motivos: como futuro profissional, o conhecimento da heterogeneidade da língua portuguesa é fundamental. Por isso, citando Evanildo Bechara, devemos ser poliglotas em nossa própria língua; e como falantes nativos de português que têm consciência de que devem ser cooperativos com seus interlocutores, devemos respeitar a situação comunicativa em que estamos inseridos.
Com os amigos, no trabalho, em casa, na rua, nos corredores da universidade, na sala de aula, nos trabalhos escritos, em uma comunicação mais formal, nos bate-papos da Internet. Cada tempo, cada ambiente, cada situação pede o uso de uma variação. O importante é que não nos esqueçamos da linguagem comum, informal, usada, em tese, pelos falantes urbanos de cultura média, empregada no dia-a-dia, para as situações mais frequentes de nosso cotidiano. Também é importante ter consciência de que a leitura de textos acadêmicos e a produção de trabalhos que o estudante universitário realiza são orientados pela variedade considerada culta da língua portuguesa, quando se emprega a linguagem dita formal.