Categoria: Depoimento

DEPOIMENTO DA POETISA SYLVIA REYS

Depoimento da poetisa Sylvia Reys

Sede do Movimento Poético Nacional (1999)

 Sylvia Reys fala de sua vida de estudante e de poeta.

Meu nome é Sylvia Reys, sou de São Paulo, da Capital, nasci aqui e cresci aqui, estudei aqui e amo esta cidade. Fiz o Colégio São José, da irmandade São José. A maior parte de freiras francesas. A gente estudou francês a vida toda ali, aprendeu tudo, até o curso normal. Depois fiz vários cursos, por minha conta, fiz Oratória na Associação Paulista, fiz curso de Redação, de Decoração. Sempre me ocupei, sempre tive uma sede de saber mais, e acho que isso é muito importante.

Minhas funções, minhas atribuições são de jornalista, poetisa, cantora, declamadora. No momento, eu me dedico mesmo à poesia, sendo que no começo desse ano eu passei a presidência do Movimento Poético Nacional, que eu exerci por doze anos, dois anos substituindo o presidente, que era o Dr. Silva Barreto, e dez anos de efetivo exercício. E teria continuado, se quisesse, mas, em verdade, eu achei que já era hora de dar lugar a um outro poeta e foi o que eu fiz. Antônio Lafayette veio me substituir e está exercendo.

A poesia se tornou o centro da minha vida, eu escrevo desde menina. O meu pendor para a poesia vem de herança, de um meio ambiente. Meu pai era jornalista, escritor, Plínio Reys. Ele foi superintendente das Folhas e viveu a vida dele como jornalista no Correio Paulistano. Naquela Revolução de trinta e dois, acabaram com o Correio Paulistano que era fantástico. Para você ver a selvageria, jogaram o piano de cauda, em que a Guiomar Novaes tocou, da janela pra rua. Espatifou o piano. Você veja que brutalidade, o que tinha a ver um piano, uma coisa maravilhosa, a música?

Então, meu pai era extraordinário. Nós éramos cinco irmãos, ele reunia em volta da mesa os cinco e lia para nós leitura boa, sadia. Eu devia ter uns seis, sete anos. Ele instituía que nós cinco fizéssemos contos, poesias, e no Natal, tinha um conto ou poesia que fosse, que ele premiava, e, modéstia à parte, eu sempre ganhava. Então é herança, aquilo foi brotando em mim. Na escola, sim, aprendi, mas não poesia. Escola nenhuma tem a determinação de transmitir poesia. Na escola, eles pediam para escrever composições e descrições. E eu me formei com coroa de louros. Um crucifixo concedido pelo arcebispo. Eu era sempre a primeira aluna da classe, em redação, tinha os pendores artísticos que foram incentivados por meu pai e não ficaram adormecidos. Eu acho que o meu era fruto do meio ambiente, da herança. Eu acho. Eu não gostava de fazer trabalhos manuais. Eu esquecia a agulha deliberadamente toda vez, então, eu não podia fazer o trabalho e eu lia em voz alta para a classe. E as alunas gostavam, porque, graças a Deus, sempre tive boa dicção. Lia em voz alta para as colegas enquanto bordavam, durante duas horas. De propósito, sempre eu esquecia a agulha, sempre adorei ler. Li muito na minha vida. Tudo que se possa imaginar. que caísse na minha mão eu lia. Eu adorava o Eça de Queiroz. “A cidade e as serras”, “O Primo Basílio”. Um escritor descritivo, num jantar que o Eça descrevia, você até saboreava o arroz doce! Eu faço leitura dinâmica. Aprendi, também a fazer, então, pegava um livro e queria chegar ao fim. Às vezes, não dormia uma noite para terminar aquilo que eu lia.

A minha poesia, essa que vou ler, é moderna, mas eu faço poesia clássica, também. Não sou sonetista, tenho três sonetos. Fui obrigada a fazer para figurar na antologia da Casa do Poeta, não que eu não goste, adoro soneto, mas eu sou assim, a fazer um mau soneto, melhor não fazer, então não faço. Faço poesia livre, moderna, alguma coisa clássica, fiz a oficina de trovas com o Izzo. Faço muita poesia, aquela poesia de sete sílabas com quatro versos, redondilhas maiores. Tenho muitas trovas. Pretendo publicá-las também. A trova é um poema sucinto mesmo, com mensagem, com tudo. Fiquei trovadora apaixonada. Enfim toda forma de poesia me interessa, eu amo, adoro, mas como eu disse, eu acredito que por herança e por incentivo. Em meio a um ambiente exato, sabe, porque de meus irmãos  somos cinco  nenhum é poeta. Eu escrevi uma poesia sobre meu pai.

Meu pai

Meu pai vestiu-me a alma de escamas douradas,

Qual peixe de sonho em águas irisadas.

Meu pai plantou em mim a semente fértil da poesia,

O milagre do sonho e da fantasia.

Meu pai imbuiu-me dos princípios de justiça,

De amor e de ampla liberdade.

Ensinou-me a amar o belo,

A vida em sua verdade.

Varreu de mim o negativismo,

Polvilhando meu chão com a …… do otimismo.

Com ele aprendi que o pensamento é livre totalmente.

Pode-se aprisionar um corpo estreitamente, jamais o espírito,

Ele ao mesmo através de grades amplamente

Meu pai, hoje figura longínqua,

Marcou-me com a cicatriz profunda de sua lembrança,

Pelo que de magnifico me legou com herança.

Pensador, sábio, inteligente, assaz dotado,

Quanto lhe devo, oh pai querido, adorado,

E assim tenho vivido, por tais princípios norteada,

Feliz, convicta e realizada,

Oh pai querido, obrigada, mil vezes obrigada.

Hoje, lamentavelmente, não se vê isso mais. As crianças têm carência tanto de mãe, que trabalha fora, não por esnobismo, mas por necessidade de questões sociais: precisa ajudar o marido a manter a família. E pai também, qual é o pai que reúne os filhos em volta de uma mesa para ler boa leitura? Eu me lembro, até Marquesa de Santos, ele lia para nós, que é uma obra notável, com descrição das festas que ela dava, dos tachos, em que eram mexidos os doces. Aquilo encarnou em mim, eu vivia aquelas cenas à noite, depois quando dormia. Com isso, criou um mundo de sonhos na criança, muito útil, eu acho. Hoje existe a dissolução da família. O filho diz: “mas quem é o meu pai? Fulano, Sicrano, …”. Veja, que coisa triste a ser plantada no coração de uma criança. Mas é isso que predomina. A televisão é um veículo maravilhoso, maior de difusão, mas nefasto. No momento, veja as novelas: é uma confusão, um desacato à moral, a tudo. Uma coisa horrível, uma pena. É lastimável, não é?

A poesia é que justamente toma o maior espaço na minha vida. No momento, estou com um material, uns duzentos poemas que estão sendo revisados para selecionar os melhores, submeti a uma autoridade superior, para publicar ano que vem. E acho que estou satisfeita, com o conteúdo do livro. Eu sempre dizia que queria escrever um livro. Meu pai dizia que, quando eu me sentisse em condições de escrever um livro, que o fizesse. Porque lamentavelmente eu tenho visto “coisas” em matéria de livros publicados.

Submeteram ao Walter um livro para ele corrigir, fazer a orelha. Eu disse: – Não faça, Walter, porque você endossar o que está contido nesse livro, não pode ser, não diz bem ao seu conhecimento. Mas que coisa, como é que a pessoa acha que deve publicar aquilo, levar aquilo ao público, muita coisa absurda, erros de concordância, não tem mensagem, não tem lógica, não tem métrica, não tem nada e a título disso se diz poesia moderna, não é verdade? Há coisas lindíssimas em matéria de poesia moderna, mas poesia moderna de verdade, com mensagem, com nexo.

Ao menos uma vez por semana, tínhamos que fazer uma composição. E fazíamos praticamente tudo em francês, por que as irmãs do Colégio, como já disse, quase todas eram francesas. Eu falo, leio, redijo, traduzo, adoro a literatura francesa. É belíssima, sutil. Lamentavelmente, eu acho que o ensino sofreu um decréscimo. Você vê advogados, pessoas formadas com curso superior que redigem muito mal. Como eu lastimo. Ah! a língua-mãe devia ser exaltada. Não é isso? Foi indo, foi indo, foi decrescendo e caiu no abandono total.

Não é por falta de aulas, porque agora eles têm seis aulas de língua portuguesa, por semana. Louvada quantidade, mas precisa ver a qualidade dessas aulas. Verbo: quem é que sabe conjugar um verbo direitinho? Então, na televisão, todos os dias, num programa: “eu lhe amo, eu lhe amo” Como?. “Eu amo você”, ou “eu te amo”. Na televisão, a três por dois, dizem “eu lhe amo”, uma judiação. Tu, vós você, tudo misturado no mesmo contexto, nas poesias, em tudo, não há mais concordância em coisa alguma. Abandono, eu acho. Espero que haja um ressurgimento. Como eu disse, aliada a quantidade de aulas, a qualidade. Os professores foram sofrendo restrições, mal remunerados, e muito, admitindo-se, às vezes, professores que não tinham competência, porque os bons se retraíram. Então, tudo isso interfere. Eu espero, tenho fé em Deus, que haja excelentes professores, que venham atuar e, como disse, aulas de quantidade e qualidade, pois a atenção à nossa língua deveria ser algo primordial. Um profissional liberal, que se apresenta como formado, curso superior, redigir de uma maneira que envergonharia a qualquer um? Não pode. Precisa-se fazer algo no sentido de fazer ressurgir o brilho da nossa língua, que é dificílima e lindíssima.

DEPOIMENTO DE WALTER ROSSI

Depoimento do poeta Walter Rossi

Sede do Movimento Poético Nacional (1999)

 Walter Rossi fala de sua vida de estudante e de poeta.

Meu nome é Walter Rossi, nasci em Chavantes e, aos três anos, me mudei para Marília, Lá fiz o meu curso primário e secundário, depois é que eu vim para São Paulo, na época em que mudou o colégio, de quatro para três anos. Mas, no colégio, em Marília, eu fui muito bem orientado, porque meus pais tinham apenas curso primário, mas eu tinha dois professores, um de português, Dona. Benta, e um de latim, o padre Bicudo, que nos orientavam de maneira tremenda: Nós tínhamos que saber, de cor, toda semana um soneto em português e um em patim. As aulas de Latim e de Português me incentivaram tanto, fiz com tanto amor, que eu também escrevia no jornalzinho, que nós criamos lá. E o que me valeu, as aulas de português e as aulas de latim, é que eu passei direto, quando fiz o vestibular para a Faculdade de Direito, do Largo. de S. Francisco. Eu sabia a primeira parte “Aria primans…..”, em latim, e caiu justamente esta parte para eu fazer a tradução. O professor me disse para analisar cada parte do texto, e eu sabia direitinho tudo o que me perguntava. Foi o que valeu. A de português, então, que fazíamos as análises, por diagramas, que eu sabia, era uma coisa fabulosa. Não pela minha inteligência, mas porque os professores eram exigentes. Até o professor de Biologia, uma vez, fez uma pergunta sobre refração, que ninguém sabia o que era, e ele mandou fazer cem vezes. Até hoje eu sei: “Refração é o desvio que o raio luminoso sofre quando atravessa dois meios transparentes de densidades diferentes. O professor de Latim dizia: “Quem escreve, lê duas vezes”. Todos faziam cópias de tudo: da lição, disto, daquilo. Hoje, nossos netos trazem tudo com xerox, não é? Felizmente, ainda existem alguns professores que não aceitam cópias xerocadas, as cópias devem ser feitas à mão, por que é isso que a turma precisa aprender. Foi isso que me moveu. Dessa forma, eu aprendi a fazer sonetos, trovas, isso e aquilo. Quando namorava uma menina do outro lado da rua, escrevia:

Ah! do outro lado rua,

Brilha o sol com mais fulgor,

É mais prateada a lua,

É onde mora o meu amor.

Eu fazia essas trovas e poesias e guardava, nunca publiquei. Quando cheguei à Faculdade de Direito, eu não me considerava um poeta a altura de meus colegas, mas assim mesmo, publiquei duas ou três poesias no folhetim e participava da redação do jornal 11 de Agosto. Eu fazia a revisão, levava para a gráfica, sempre estive ao lado da redação e das poesias. Quando comecei a namorar minha 1ª mulher, fiz uma trova assim:

As escadas que hoje galgam

São as deste casarão,

Amanhã, como fidalgo,

Conquistar-te o coração.

Para minha namorada atual escrevi:

Eu já não sei quem eu sou,

Porque eu me sinto você.

Como isso aconteceu?

Foi milagre ou foi o quê?

Ela respondeu, prontamente:

Também já não sei quem sou,

Se aos seus pés me ajoelhei,

Não sei quem se ajoelhou,

Só sei que muito te amei.

É assim que nós namoramos. Quando fui para os EUA, diante do castelo da princesa dos sete anões, escrevi assim para ela:

No meu castelo de sonhos,

De fantasias certeza,

Uma verdade proponho:

Fazê-la minha princesa.

Nós ainda estamos namorando, namoramos assim.

Em 1946, quando acabou a guerra, eu estava na Escola Técnica de Aviação. Fiz o concurso e fui aprovado para fazer o curso de tradutor técnico de inglês. Fiz o curso, as aulas de quase cinco horas por dia, de inglês, com os americanos, e depois fizemos as traduções de livros técnicos.

Quando me casei, fazíamos Encontros de Casais, e, então, veio uma outra influência na minha vida: comecei a fazer poesias de tom religioso, tenho poesias sobre o Natal, sobre a mãe, sobre o pai. Quando ajudei meu filho a fazer um trabalho escolar, surgiu uma poesia: “A prece da árvore”, que me projetou.

Sou fiscal de Rendas. Fiz duas poesias sobre imposto: “O Parcelamento de Débitos” e “A Estimativa”. Na Secretaria da Fazenda, criei um jornal, um jornal que era simples, de uma folha só, onde eu dava as mensagens diárias. Fazia um jornal de recortes da bíblia e de jornal e punha sobre a mesa e cada notícia era uma poesia. A gente comentava alguma coisa sobre notícia diária ou sobre aumento de imposto, etc.

A poesia está em todos os lugares. Eu falo sempre: “está aqui!”, “está ali”, você precisa ver e sentir, porque o poeta vê a vida com toda a sublimidade possível. No Brasil, existem mais de duas mil entidades de poetas. Tenho a relação das entidades com quem nos correspondemos, mandamos os jornais, os informativos. Só aqui em SP, temos a Casa do Poeta, o Movimento Poético Nacional, a União Brasileira dos Trovadores, a Academia de Letras, a Academia Cristã de Letras, dentre muitas outras.

O Movimento Poético Nacional tem 22 anos. E o incentivador, o fundador é o Dr. Silva Barreto, um amante da poesia. O Menotti del Picchia é nosso patrono. É importante mencionar a nossa linha de conduta em relação à poesia. Nós aceitamos todos os tipos de poesia: livre, moderna, clássica, sonetos, mas não admitimos: pornografia, palavras de baixo calão, nunca, consideramos a poesia algo tão sublime, que não pode ser poluída. A poesia é um bálsamo, mas também sublima as coisas, deixa a vida mais amena, mais razoável. Também podemos enaltecer todos os nossos sentimentos na poesia.

“A prece da árvore” virou um símbolo. É uma poesia simples, ao alcance de todos, é um símbolo de proteção à árvore. Quando escrevi esta poesia, tirei trinta e poucas cópias para o meu filho levar para seus colegas, na escola. Tirei mais cópias para vizinhos e para uns colegas da Secretaria da Fazenda. Esta poesia foi publicada no Diário Oficial.

“Ser humano,

Protege-me!

Junto ao puro ar

Da manhã ao crepúsculo,

Eu te ofereço:

Aroma, flores, frutos e sombra!

Se ainda sim não te bastar,

Curvo-me e te dou:

Proteção, para teu ouro,

Pinho para tua nota;

Teto para teu abrigo;

Lenha para teu calor,

Mesa para teu pão,

Leito para teu repouso,

Apoio para teus passos,

Bálsamo para tua dor,

Altar, para tua oração

E te acompanharei até a morte…

Rogo-te: não me maltrates!”

Ilustrar uma poesia da árvore é fácil. Foi isso que fizemos. Então, disse para a minha mulher que nunca mais iria fazer uma poesia igual. Depois, fiz uma poesia sobre a terra. Como que nós iríamos representar a terra? Eu fiquei bolando uma representação filosófica para a terra, escrevi a súplica da terra. Se eu colocasse um globo terrestre, não seria muito frio? Então fui buscar um símbolo que representasse a terra. O Dedo de Deus!

Ser humano,

Não me destruas!

Eu te ofereço:

O chão seguro para teu passo firme,

O silencioso vale onde tua messe é pródiga,

A planície calma onde apascentas o gado,

A mansa colina de teu horizonte azul,

O monte suave onde tua fonte canta.

Se ainda assim não te bastar,

Rasga-me o ventre e tira-me das entranhas:

O metal dourado de tua moeda,

O duro aço de tua ferramenta,

O negro líquido que te move e aquece,

A preciosa pedra de teu ornamento,

A fina areia, que te mede o tempo,

A pura lama que te embeleza e cura,

A cerâmica para teu cântaro e para teu teto,

a argila que te obedece ao molde,

O alicerce para tua morada.

Rogo-te: não me tires o manto verde

Que te dá o oásis de tua caminhada,

Porque hás de te lembrar

Que do pó tu surgiste

E ao meu seio tu voltarás…

A poesia não precisa ter palavras difíceis, precisa ser simples, mas que toquem o coração. Escrever uma poesia para uma mulher, por uma árvore ou por uma rosa, é tudo natural. Mas escrever uma poesia para um prédio? Você fica pensando, como? Ele é meio frio. Mas, mesmo assim escrevi uma poesia para o prédio da AFRESP, Associação de fiscais de renda, a qual eu pertenço.

O poeta sempre gosta de falar de poesia, foi um prazer estar num ambiente propício para isso.