Mês: abril 2013

As interações verbais de acordo com Kerbrat-Orecchioni

A ORGANIZAÇÃO ESTRUTURAL DAS CONVERSAÇÕES

Uma conversação é uma sucessão de turnos de fala regida pela alternância e submetida a princípios de coerência interna.

Uma conversação é uma organização que obedece a regras de encadeamento sintático, semântico e pragmático.

Uma conversação é um texto produzido coletivamente, no qual todos os fios devem de certo modo se enlaçar.

Os enunciados dos interlocutores devem ser mutuamente determinados.

A GRAMÁTICA DAS CONVERSAÇÕES

  • Organização global > cenário (script) que embasa o desenvolvimento do conjunto da interação.
  • Organização local > encadeamento dos diferentes constituintes do diálogo.

O MODELO HIERÁRQUICO

As conversações são arquiteturas complexas e hierarquizadas, fabricadas a partir de unidades que são encaixadas umas nas outras, segundo algumas regras de composição.

unidades dialogais

1. unidade máxima de análise > interação

unidade comunicativa que apresenta uma evidente continuidade interna (assunto)

2. combinadas, constituem as interações > sequência

bloco de trocas ligadas por um forte grau de coerência semântica ou pragmática (mesmo tema)

3. combinadas, constituem as sequências > troca

menor unidade dialogal

unidades monologais

4. entre dois falantes, constituem as trocas > intervenção

contribuição de um falante particular a uma troca particular

5. combinados, constituem as intervenções > ato de fala

pergunta – convite – promessa – cumprimento

Estrutura interna da troca

1. com uma intervenção > intervenção por meios não-verbais; ausência da segunda intervenção

2. com duas intervenções > par adjacente: intervenção iniciativa + intervenção reativa (troca simétrica e troca complementar)

3. com três intervenções > intervenção iniciativa (pergunta) + intervenção reativa (resposta) + intervenção avaliativa

4. com mais de três intervenções > ciclo de negociações

A RELAÇÃO INTERPESSOAL

Uma interação verbal é uma ação que afeta as relações consigo e com o outro numa comunicação face a face.

Propriedades da interação verbal

reflexibilidade

O emissor da mensagem é, ao mesmo tempo, seu primeiro receptor.

simetria

Todo receptor funciona, ao mesmo tempo, como um emissor em potencial.

transitividade

Se um emissor X transmite a um receptor Y uma informação I, Y tem a possibilidade de transmitir, por sua vez, I a Z, sem ter vivenciado ele próprio a experiência da validade de I.

 

Relação horizontal e vertical

Toda interação se desenrola num certo quadro e põe em presença determinadas pessoas. (dados externos)

Em toda interação ocorre um certo número de eventos por meio de um certo número de signos. (dados internos)

 Relação horizontal (distância social)

 O eixo da relação horizontal é gradualmente orientado, de um lado para a distância, e, de outro, para a familiaridade e para a intimidade. Essa relação é negociável entre os interlocutores por meio dos relacionemas (indicadores e construtores da relação interpessoal).

Relação vertical (relação de poder) 

Os interlocutores não são sempre iguais na interação: um pode se encontrar numa alta posição de dominante e o outro numa baixa posição de dominado. A relação de lugares depende da produção de taxemas (aparência física, postura, organização do espaço, formas de tratamento).

POLIDEZ: ASPECTOS TEÓRICOS

A polidez tem a função de preservar o caráter harmonioso da relação interpessoal. Seus princípios exercem pressões muito fortes sobre a produção dos enunciados.

O modelo de Brown e Levinson

a. noção de “face”

Todo indivíduo possui duas faces:

  • a face negativa, que corresponde grosso modo ao que Goffman descreve como os “territórios do eu” (território corporal, espacial ou temporal, bens materiais ou saberes secretos…)
  • a face positiva, que corresponde grosso modo ao narcisismo e ao conjunto de imagens valorizantes que os interlocutores constroem de si e que tentam impor na interação.

b. A noção de “FTA”  (Face Threatening Act)

Em qualquer interação com dois interlocutores, quatro faces se encontram postas em presença.

Ao longo do desenrolar da interação, os interlocutores são levados a realizar um certo número de atos verbais e não-verbais.

Atos que ameaçam a face negativa do emissor

o caso da oferta ou da promessa, pelas quais se propõe ou se compromete a efetuar um ato suscetível de lesar, no futuro, seu próprio território.

Atos que ameaçam a face positiva do emissor

a confissão, a desculpa, a autocrítica e outros comportamentos “autodegradantes”.

Atos que ameaçam a face negativa do receptor

as violações territoriais de natureza não-verbal (por exemplo, contatos corporais inadequados).

as ameaças territoriais de natureza verbal: as perguntas “indiscretas”; e atos inoportunos ou diretivos.

Atos que ameaçam a face positiva do receptor

a crítica, a refutação, a reprovação, o insulto e a injúria, a chacota e o sarcasmo que colocam em risco o narcisismo do outro.

 

 

c. A noção de face want (desejo de preservação das faces)

 Os atos efetuados de ambas as partes ao longo da interação são potencialmente ameaçadores para os interactantes: “Uns e outros, sejam cuidadosos”.

d. A noção de face work (tudo o que uma pessoa empreende para que suas ações não impliquem perda diante de ninguém)

Para Brown e Levinson: utilizando diversas estratégias de polidez. A polidez aparece como um meio de conciliar o mútuo desejo de preservação das faces, com o fato de que a maioria dos atos de fala são potencialmente ameaçadores para uma dessas faces.

AS MANIFESTAÇÕES LINGUÍSTICAS DA POLIDEZ

 Polidez positiva

A polidez positiva consiste exatamente em produzir algum ato que tenha um caráter essencialmente “antiameaçador” para seu destinatário: manifestação de acordo, oferta, convite, elogio, agradecimento, fórmula votiva ou de boas-vindas.

 

Polidez negativa

Evasão: A melhor maneira de ser (negativamente) polido é evitar cometer um ato que, aparecendo na interação, correria o risco de ser ameaçador para o destinatário (crítica, recusa etc.).

Suavizadores

de natureza paraverbal ou não-verbal

voz mansa, sorriso ou inclinação lateral da cabeça (que acompanha frequentemente a formulação das interpelações ou das refutações).  
Suavizadores

de natureza verbal

 

substitutivos

consistem em substituir a fomulação mais direta por uma outra mais “suave”

ato de fala indireto:

ordem substituída um pedido: Você pode fechar a porta?;

pergunta que equivale a uma reprovação: Você colocou todo esse sal na sopa?.

desatualizadores modais, temporais ou pessoais:

condicional: Você poderia fechar a porta?;

passado de polidez: Eu queria te pedir que … ;

apagamento da referência direta aos interlocutores: O problema não foi resolvido corretamente. Não se fuma aqui.

lítotes ou eufemismo:

Não é muito inteligente o que você acaba de fazer.

acompanhantes

são procedimentos subsidiários

enunciado preliminar (fórmula especializada): por favor; se for possível; Você tem um momento?; Posso te dar uma opinião?
minimizadores:  Eu queria simplesmente te pedir;  Você pode me dar uma ajudinha?; Eu tenho uma perguntinha pra te fazer; Me dá um cigarrinho.
modalizadores: eu penso/creio/acho/tenho a impressão que… ; me parece que… ; talvez/possivelmente/ provavelmente; para mim; na minha opinião (pelo menos).
desarmadores: Não queria te importunar, mas… ; Fico embaraçado por te incomodar, mas… ; Espero que você não me interprete mal, mas … ;

APLICAÇÃO DAS NOVE OPERAÇÕES DE RETEXTUALIZAÇÃO PROPOSTAS POR MARCUSCHI.

Operações de regularização e idealização
estratégia de eliminação baseada na idealização linguística 1ª operação: eliminação de marcas estritamente interacionais, hesitações e partes de palavras. L2 — e ela mora lá… mas ela é…  bem velhinha… maluca né? ela até hoje não sabe das coisas ela esquece os nome ela:: a mim ela sabe… mas eu invento história pra ela… e ela acredita em todas as história que eu invento… perturba mui:to a vida de minha irmã porque não tem… os conceitos de higiene dela já sumiram… só gosta de andar mulamba…

L1 — ((riu))

L2 — e ela mora lá mas ela é bem velhinha maluca ela até hoje não sabe das coisas ela esquece os nome ela a mim ela sabe mas eu invento história pra ela e ela acredita em todas as história que eu invento perturba muito a vida de minha irmã porque não tem os conceitos de higiene dela já sumiram só gosta de andar mulamba

 

estratégia de inserção em que a primeira tentativa segue a sugestão da prosódia 2ª operação: introdução da pontuação com base na intuição fornecida pela entoação das falas. L2 — e ela mora lá mas ela é bem velhinha maluca ela até hoje não sabe das coisas ela esquece os nome ela a mim ela sabe mas eu invento história pra ela e ela acredita em todas as história que eu invento perturba muito a vida de minha irmã porque não tem os conceitos de higiene dela já sumiram só gosta de andar mulamba L2 — e ela mora lá, mas ela é bem velhinha, maluca, ela até hoje não sabe das coisas, ela esquece os nome, ela a mim, ela sabe, mas eu invento história pra ela e ela acredita em todas as história que eu invento, perturba muito a vida de minha irmã porque não tem os conceitos de higiene, dela, já sumiram, só gosta de andar mulamba.
estratégia de eliminação para uma condensação linguística 3ª operação: retirada de repetições, reduplicações, redundâncias, paráfrases e pronomes egóticos. L2 — e ela mora lá, mas ela é bem velhinha, maluca, ela até hoje não sabe das coisas, ela esquece os nome, ela a mim, ela sabe, mas eu invento história pra ela e ela acredita em todas as história que eu invento, perturba muito a vida de minha irmã porque não tem os conceitos de higiene, dela, já sumiram, só gosta de andar mulamba. L2 — ela mora lá, mas ela é bem velhinha, maluca, ela esquece os nome, eu invento história pra ela e ela acredita em todas, perturba muito a vida de minha irmã porque os conceitos de higiene, dela, já sumiram, só gosta de andar mulamba.
estratégia de inserção 4ª operação: introdução da paragrafação e pontuação detalhada sem modificação da ordem dos tópicos discursivos. L2 — ela mora lá, mas ela é bem velhinha, maluca, ela esquece os nome, eu invento história pra ela e ela acredita em todas, perturba muito a vida de minha irmã porque os conceitos de higiene, dela, já sumiram, só gosta de andar mulamba. Ela mora lá, mas ela é bem velhinha, maluca. Ela esquece os nome. Eu invento história pra ela e ela acredita em todas. Perturba muito a vida de minha irmã porque os conceitos de higiene, dela, já sumiram. Só gosta de andar mulamba.

 

 

 

Operações de transformação
estratégia de reformulação

objetivando explicitude

5ª operação: introdução de marcas metalinguísticas para referenciação de ações e verbalização de contextos expressos por dêiticos. Ela mora lá, mas ela é bem velhinha, maluca. Ela esquece os nome. Eu invento história pra ela e ela acredita em todas. Perturba muito a vida de minha irmã porque os conceitos de higiene, dela, já sumiram. Só gosta de andar mulamba. Ela mora na casa de minha irmã, mas ela é bem velhinha, maluca. Ela esquece os nome. Eu invento história pra ela e ela acredita em todas. Perturba muito a vida de minha irmã porque os conceitos de higiene, dela, já sumiram. Ela só gosta de andar mulamba.
estratégia de reconstrução

em função da norma escrita

6ª operação: reconstrução de estruturas truncadas, concordâncias, reordenação sintática, encadeamentos. Ela mora na casa de minha irmã, mas ela é bem velhinha, maluca. Ela esquece os nome. Eu invento história pra ela e ela acredita em todas. Perturba muito a vida de minha irmã porque os conceitos de higiene, dela, já sumiram. Ela só gosta de andar mulamba. Ela é uma velhinha maluca que mora na casa de minha irmã. Ela esquece os nomes. Eu invento histórias e ela acredita em todas. Perturba muito a vida de minha irmã porque os conceitos de higiene, dela, já sumiram. Ela só gosta de andar mulamba.
estratégia de substituição

visando a uma maior formalidade

7ª operação: tratamento estilístico com seleção de novas estruturas sintáticas e novas opções léxicas. Ela é uma velhinha maluca que mora na casa de minha irmã. Ela esquece os nomes. Eu invento histórias e ela acredita em todas. Perturba muito a vida de minha irmã porque os conceitos de higiene, dela, já sumiram. Ela só gosta de andar mulamba. Maria é uma velhinha maluca que mora na casa de minha irmã. Ela esquece os nomes das coisas e das pessoas. Eu invento histórias absurdas e ela acredita em todas. Perturba muito a vida de minha irmã porque seus conceitos de higiene já sumiram. Ela só gosta de andar maltrapilha.
estratégia de estruturação argumentativa 8ª operação: reordenação tópica do texto e reorganização da sequência argumentativa. Maria é uma velhinha maluca que mora na casa de minha irmã. Ela esquece os nomes das coisas e das pessoas. Eu invento histórias absurdas e ela acredita em todas. Perturba muito a vida de minha irmã porque seus conceitos de higiene já sumiram. Ela só gosta de andar maltrapilha. Maria é uma velhinha maluca que mora na casa de minha irmã. Ela só gosta de andar maltrapilha. Perturba muito a vida de minha irmã porque seus conceitos de higiene já sumiram. Ela esquece os nomes das coisas e das pessoas. Eu invento histórias absurdas e ela acredita em todas.
estratégia de condensação 9ª operação: agrupamento de argumentos condensando as ideias. Maria é uma velhinha maluca que mora na casa de minha irmã. Ela só gosta de andar maltrapilha. Perturba muito a vida de minha irmã porque seus conceitos de higiene já sumiram. Ela esquece os nomes das coisas e das pessoas. Eu invento histórias e ela acredita em todas. Maria mora na casa de minha irmã e perturba muito sua vida porque anda suja e maltrapilha. A velhinha parece maluca, pois esquece os nomes das coisas e das pessoas e acredita nas histórias absurdas que eu invento.

 

MARCUSCHI, L.A. Da Fala para a Escrita: atividades de retextualização. São Paulo: Cortez Editora, 2001.