Categoria: Pragmática

Variedades linguísticas: norma, correção e adequação. Apontamentos das aulas de Comunicação Empresarial (1)

I – Variedades linguísticas: norma, correção e adequação

Nílvia Pantaleoni

O uso adequado e eficaz da língua, nas mais variadas situações de comunicação, pressupõe uma competência pragmático-utilitária que emerge, não só da utilização de normas e convenções, mas também da conveniência de se distinguir entre uma variedade erigida em norma-padrão, institucionalmente reconhecida como tal, e outras variedades geográfica e socialmente diferentes e legítimas.[1]

 

A variação linguística existe, não podemos ignorar sua riqueza. A marca da diversidade deve ser considerada como algo positivo e ser incorporada aos nossos hábitos linguísticos à medida que nos adequamos ao momento interativo, ou seja, à situação comunicativa. Aliás, a adequação à situação comunicativa incorpora-se entre as máximas conversacionais, regidas pelo princípio de cooperação postulado pelo filósofo da linguagem H.P. Grice.

Grice observa que os falantes seguem um princípio cooperativo geral que orienta os usos eficientes da língua. Numa conversa e, podemos também dizer, numa interação por escrito, ou via internet, os interlocutores guiam-se – mesmo que disso não tenham consciência – por máximas da qualidade, da quantidade, da relevância e do modo. É evidente que elas são frequentemente desobedecidas, mas, num plano ideal, os interlocutores são cooperativos.

Como se dá essa cooperação entre os interlocutores? Como eles podem contribuir com o outro?

Falando só o que é verdadeiro, ou o que eles imaginam que seja verdade (máxima da qualidade); contribuindo com a informação necessária, não mais do que isso (máxima da quantidade); além disso, suas contribuições devem ser relevantes para o propósito da comunicação (máxima da relevância); e, o que mais nos interessa no momento, já que estamos tratando da variedade, da adequação e da correção linguística, ele deve ser claro, evitando a ambiguidade e a falta de clareza (máxima do modo).

Não é adequado o médico que, durante uma consulta, num posto de saúde, usa seu incompreensível jargão para se dirigir ao seu paciente, completamente leigo em assuntos de medicina. Ele será menos adequado ainda, e também extremamente inconveniente se tentar imitar, muitas vezes jocosamente a variante linguística de seu paciente. A adequação à situação comunicativa é perfeitamente possível, e, na maioria dos casos, esta adaptação acontece pelo fato de existir uma espécie de linguagem comum que todos os falantes dominam.

Dino Preti[2] afirma que uma linguagem comum do ponto de vista geográfico, usada, em tese, pelos falantes urbanos de cultura média, empregada no dia-a-dia, contribui para a unificação dos falares regionais, porque é compreensível em todas as regiões do país.

Nas aulas de Comunicação Empresarial, o que deve ser estudado? O que é adequado? Com certeza, não se ensina gramática normativa. Pressupõe-se que o aluno fale e escreva com segurança, pois deve dominar essa linguagem comum.

O aluno deve sentir-se seguro para se expressar em seus trabalhos por escrito produzindo, por exemplo, resumos, resenhas, relatórios, projetos, isto é, gêneros onde predominam seqüências tipológicas ou tipos textuais expositivo-argumentativos em geral, preocupando-se com a clareza, a concisão, a organização de seu texto, não perdendo de vista o interlocutor de seu texto que, na vida universitária, é quase sempre o professor e também seus colegas.

Também nas situações comunicativas orais, isto é, em seminários, apresentações de trabalhos e debates, alguns cuidados não só com o falar, como também com o agir em público devem ser levados em consideração. Para isso existem técnicas; a simpatia  de quem está ouvindo liga-se com o ethos de quem está falando. Falar bem, em voz alta, clara, pausada e convincente, por exemplo, faz parte da adequação à situação comunicativa de um seminário que os alunos preparam antecipadamente.

Participar de discussões e debates não é entrar num bate-boca para defender a todo custo seu ponto de vista, também não é ficar calado, alheio ao que acontece, querendo que tudo termine logo, porque nada daquilo lhe interessa. Participar de uma discussão é querer demonstrar seu ponto de vista aos seus interlocutores e, mais que isso, é tentar persuadi-los com a força de sua argumentação. Finalmente, também é saber ouvir e respeitar o ponto de vista do outro.

Nas aulas de Comunicação Empresarial, você aprimora suas técnicas de leitura, interpretação e produção de textos. Se você tem dificuldades específicas para se expressar por escrito, ou mesmo, oralmente, não perca a oportunidade de se dirigir ao professor que sempre tem material-extra com conteúdos específicos e exercícios que podem eliminar dúvidas. Não podemos ignorar que a educação linguística de qualquer falante nativo inicia-se na esfera íntima do lar, continua nas esferas públicas, abertas. Finalmente, o espaço ideal para o desenvolvimento da educação linguística são as instituições de ensino que aperfeiçoam, hierarquizam e rotulam as mais diversas atividades lingüísticas sociocomunicativas.

O que importa em relação à ética linguística que procuramos observar na instituição escolar, esperando que continue em qualquer situação nas diversas esferas das atividades humanas, é o respeito que devemos ter com o direito linguístico que todo cidadão possui de falar sem ser discriminado e, como alunos que têm como meta o aprimoramento de competências e a aquisição de novas habilidades, importa o crescimento como leitores, falantes e autores na língua que lhes pertence por direito de nascimento.

A língua portuguesa não é fácil nem difícil, mas é um idioma com potencialidades tamanhas que nem os imortais acadêmicos conhecem integralmente. Uma parcela de sua riqueza, de sua diversidade a qual estamos acostumados todos os dias, em todos os lugares, nas mais diversas situações, será tema de outros textos de Comunicação Empresarial, pelo menos, por dois motivos: como futuro profissional, o conhecimento da heterogeneidade da língua portuguesa é fundamental. Por isso, citando Evanildo Bechara, devemos ser poliglotas em nossa própria língua; e como falantes nativos de português que têm consciência de que devem ser cooperativos com seus interlocutores, devemos respeitar a situação comunicativa em que estamos inseridos.

Com os amigos, no trabalho, em casa, na rua, nos corredores da universidade, na sala de aula, nos trabalhos escritos, em uma comunicação mais formal, nos bate-papos da Internet. Cada tempo, cada ambiente, cada situação pede o uso de uma variação. O importante é que não nos esqueçamos da linguagem comum, informal, usada, em tese, pelos falantes urbanos de cultura média, empregada no dia-a-dia, para as situações mais frequentes de nosso cotidiano. Também é importante ter consciência de que a leitura de textos acadêmicos e a produção de trabalhos que o estudante universitário realiza são orientados pela variedade considerada culta da língua portuguesa, quando se emprega a linguagem dita formal.


[1] Guimarães, E. in: Dino Preti e seus temas: oralidade, literatura, mídia e ensino. SP: Cortez, 2001.

[2] Preti, Dino. Sociolinguística: Os Níveis de Fala. SP: Cortez, 2000.

A correspondência por escrito. Quarta parte. Nílvia Pantaleoni

A correspondência por escrito
 (Quarta Parte da Introdução da Dissertação de Mestrado concluída em 1999).
Nílvia Pantaleoni

Como a área de interesse de nossa dissertação não abrange as cartas ficcionais presentes, não só nos romances epistolares, mas em inúmeras narrativas, deixaremos de lado este rico filão, projetando para o futuro, quem sabe, uma pesquisa nesta área. Existe um campo vastíssimo a ser explorado envolvendo a temática das cartas. É necessário, pois, que delimitemos com exatidão o objeto da presente pesquisa.

Nossa proposta é uma análise exploratória de aspectos semânticos e pragmáticos das correspondências amorosas às noivas de duas figuras conhecidas no cenário social, político e literário brasileiro: Ruy Barbosa e Monteiro Lobato; uma leitura crítica de um manual de cartas de amor atual; e uma reconstituição da expressão do sentimento amoroso por meio de alguns textos literários fundamentais.

No primeiro capítulo, após definirmos epistolografia, trataremos das cartas de amor, fazendo uma leitura crítica de um manual de cartas de amor de nossos dias, salientando que, inúmeras vezes, amorosos do mundo todo, há muito tempo, pedem socorro às fórmulas prontas, representadas atualmente tanto pelos manuais quanto pelos cartões impressos. Em seguida, traçaremos um rápido percurso da constituição da expressão do sentimento amoroso a partir do Cântico dos Cânticos (século IX a.C.), do Antigo Testamento; passando pelo Banquete (século IV a.C.), de Platão; pela Arte de Amar, do poeta romano Ovídio (43 a. C.-18 d.C.); pela correspondência amorosa mais famosa da Idade Média, a de Abelardo e Heloísa (século XII);

Julie ou La Nouvelle Heloise. J.J. Rousseau
Julie ou La Nouvelle Heloise. de J.J. Rousseau

também nos deteremos nos transportes amorosos de Saint-Preux à Júlia, personagens criados por J.J. Rousseau (1712-1778) no romance epistolar Júlia ou A Nova Heloísa, abordando, principalmente, seu esclarecedor prefácio.

No segundo capítulo, empregando a abordagem interacionista que postula a interação verbal como a realidade fundamental da linguagem e que, de um ponto de vista pragmático, preocupa-se com os enunciados realizados em situações comunicativas particulares concretizadas, procuraremos estabelecer algumas estratégias que os remetentes das cartas empregam com a intenção de modificar ou conservar a informação pragmática das destinatárias, tendo em vista alimentar e aumentar o sentimento amoroso das mesmas. Para tanto, estudaremos o emprego dos vocativos epistolares, a utilização das máximas de polidez pelos missivistas e as estratégias empregadas para garantir a troca de turno.

No terceiro capítulo, fundamentando-nos nos trabalhos da semântica cognitiva que apresenta como um de seus postulados que conceitualizamos[1] o mundo usando a metáfora em tão larga escala que, muitas vezes, não temos consciência da existência de metáforas de nível básico que servem para categorizar o modo como o percebemos e o entendemos e que os valores de uma cultura são coerentes com a estrutura metafórica dos conceitos dessa cultura, realizaremos o levantamento das metáforas presentes nas declarações amorosas das cartas de amor dos, então, noivos Rui Barbosa e Monteiro Lobato, a partir da hipótese de que suas expressões metafóricas amorosas formam um sistema coerente com os modelos conceituais de amor que eles têm introjetados em suas mentes.

Na conclusão, procuraremos verificar a validade do estudo realizado, e, em anexo, apresentaremos: 1) um modelo de carta de amor extraído do manual analisado; 2) uma carta de Ruy Barbosa à Maria Augusta; e 3) uma carta de Monteiro Lobato à Purezinha.

Uma pequena digressão: meu interesse por cartas é muito antigo. Quando pequena, esperava com ansiedade o carteiro que passava por minha rua e entregava todos os dias, em casa, os jornais, os pacotes de livros que meu pai encomendava, as cartas que recebia. Sua figura era a do mensageiro que transportava a notícia, a palavra, as novidades. Ele passava à tarde, mais ou menos às duas horas, e, quando ele se atrasava, eu me preocupava. Os jornais eu lia, as cartas, não. Elas vinham lacradas e ninguém, a não ser o destinatário, meu pai, poderia abri-las. Esta interdição, evidentemente, aguçava minha curiosidade: aquele objeto fechado continha uma mensagem que só o dono podia conhecer. Este caráter particular da correspondência fazia dela algo precioso, secreto, proibido.

Quando chegava alguma carta para minha mãe, geralmente de algum parente, ela deixava que eu a abrisse e líamos juntas – com que prazer – o seu conteúdo. Com o passar do tempo, minha mãe me incumbiu de responder as cartas que um velho tio lhe escrevia: o tio Osório. Pela primeira vez, vi meu nome sobrescritado num envelope, encimado por “à gentil senhorita” Ele foi o meu primeiro correspondente, dele foram as primeiras cartas que recebi. Posso afirmar com segurança que não são apenas as cartas de amor que emocionam. Receber palavras de amizade, de carinho, saber que alguém distante pensou em você, deixou de lado suas atividades e sentou-se para enviar-lhe uma mensagem, mesma que curta, aquece o coração.

Passados tantos anos, e tantas cartas depois, ainda sinto um prazer muito grande ao abrir minha correspondência pessoal. Arrependo-me por ter queimado uma coleção delas, mais de cem, quando fiquei noiva, não do remetente das cartas. E são justamente as cartas de amor de outros remetentes para outras destinatárias que quero analisar. Este trabalho tem para mim, entre outras funções, a catártica pelo fato de me desvencilhar do teor daquelas outras cartas. Afinal uma carta de amor é sempre uma carta de amor e ‑ como escreveu Fernando Pessoa ‑ toda carta de amor é ridícula. Ridículas, risíveis, não importa. Queimei as minhas cartas, quando tinha vinte e poucos anos, hoje tenho cinquenta e quero remexer em suas cinzas, analisando as cartas de amor alheias antes de jogá-las ao vento definitivamente.


[1] Os termos da língua inglesa conceptualize, conceptual e conceptualization, empregados pela semântica cognitiva, foram traduzidos nesse trabalho por conceitualizar, conceitual e conceitualização.

A METÁFORA DO AMOR NA CORRESPONDÊNCIA DE RUI BARBOSA (Parte 3). Nílvia Pantaleoni

A METÁFORA DO AMOR NA CORRESPONDÊNCIA DE RUI BARBOSA  (Parte 3)
A Língua como instrumento de interação verbal

O objetivo principal da língua, do ponto de vista do funcionalismo, é de estabelecer relações comunicativas entre seus usuários. O modelo de interação verbal de Simon Dik (The Theory of Functional Grammar, 1997) leva em consideração a intenção do falante que antecipa a interpretação do destinatário que, por sua vez, reconstrói esta intenção. É fundamental neste esquema, para que haja efetivamente a interação verbal, a informação pragmática do falante e do destinatário, que se orientam por regras pragmáticas que governam os padrões de interação verbal.  O usuário da língua é muito mais que um animal com uma capacidade linguística. Ele é dotado de uma série de outras capacidades que, juntas, lhe permitem um uso comunicativo eficiente e eficaz da língua.

Estas capacidades são:

a) epistêmica, que permite que ele derive conhecimento de expressões linguísticas, arquive-o, recupere-o e utilize-o, posteriormente, na interpretação de   outras expressões linguísticas;

b) lógica, que permite que ele, munido de parcelas de conhecimento, por meio do raciocínio, extraia outras parcelas de conhecimento;

c) perceptual, que permite que o usuário derive conhecimento de suas percepções e utilize-os tanto na interpretação quanto na produção de expressões linguísticas; e

d) social: o usuário sabe o que dizer ao seu parceiro, numa interação verbal, e como dizer para atingir seu objetivo comunicativo.

Simon Dik postula para uma teoria geral da gramática três tipos de adequação. São elas:

a) a adequação tipológica que exige que uma teoria gramatical seja capaz de prover gramáticas para línguas de qualquer tipo;

b) a adequação pragmática que permite a inserção da gramática numa teoria pragmática mais ampla da interação verbal; e

c) a adequação psicológica que se refere ao relacionamento  entre os modelos psicológicos da competência linguística e o comportamento linguístico do usuário. Estas duas últimas adequações são denominadas explanatórias, pois se referem aos modelos de produção que definem como os falantes constróem e formulam as expressões linguísticas e os modelos de compreensão que definem como os destinatários processam e interpretam estas mesmas expressões.

De acordo com o pensamento de J. L. Austin (How to do things with words, 1962),desenvolvido por John Searle (Speech Acts, 1969) nós nos comunicamos não por meio de proposições mas por meio de atos de fala, interpretáveis como instruções do falante ao destinatário para que este realize certas ações mentais a respeito do conteúdo da proposição, denominamos a estas instruções “frames”, ou molduras ilocucionárias.

A interpretação que a Gramática Funcional faz dos atos ilocucionários pode ser resumida da seguinte forma:

(i)            Há uma distinção básica entre a intenção ilocucionária do falante; a ilocução codificada na expressão linguística; e a interpretação ilocucionária do destinatário. O principal objetivo de uma comunicação bem sucedida é naturalmente que a intenção ilocucionária do falante seja igual à interpretação ilocucionária do destinatário. Mas pode haver uma diferença, e muitas vezes isso acontece, entre a intenção do falante, o conteúdo da expressão linguística e a interpretação do destinatário pois o conteúdo da expressão linguística não é sempre idêntico para os usuários da língua.

(ii)          Em relação à ilocução codificada na expressão linguística, observamos que todas as línguas apresentam sentenças que se classificam como declarativas, interrogativas e imperativas e que quase todas as línguas apresentam sentenças exclamativas. Estes tipos de sentença são considerados valores ilocucionários básicos.

(iii)         Interpretamos estas ilocuções básicas como instruções do falante para que o destinatário efetue determinadas mudanças em sua informação pragmática. Na sentença

a)            declarativa, há instruções do falante para que o destinatário inclua o conteúdo proposicional à informação pragmática;

b)            interrogativa, há instruções do falante para que o destinatário consiga a informação verbal especificada na proposição;

c)      imperativa, há instruções do falante para que o destinatário realize a ordem especificada na proposição

d)      exclamativa, há instruções do falante para que o destinatário inclua à sua informação pragmática que o falante considera que o conteúdo proposicional é surpreendente, inesperado ou que vale a pena ser notado.

As reflexões que apresentamos a respeito da metaforização e das funções pragmáticas na interação verbal subsidiam a análise do corpus. (Parte 4).

Reflexões sobre a Pragmática e o Ensino da Língua Materna. Nílvia Pantaleoni (2000)

Reflexões sobre a Pragmática  e o Ensino da Língua Materna

 

Nílvia Pantaleoni (2000)

Obs: as fontes bibliográficas encontram-se no corpo do artigo

 

I. O que é uma abordagem pragmática?

Pragmática (do lat. pragmatica) significava “coleção de regras e fórmulas que regulam os atos e cerimônias da corte e da Igreja”; por extensão, passou a significar qualquer formalidade de cortesia ou de etiqueta. Nesse sentido, Monteiro Lobato, em sua primeira carta de amor à Purezinha, sua noiva, declarava: “Já que a pragmática não permite a dois noivos o conversar a sós numa sala, deve por coerência, estender semelhante fiscalização às cartas, pois que são elas palestras escritas; chama, portanto a pobrezinha da Noemia para junto de ti, a vigiar a leitura desta”.

Por pragmatismo, entende-se a doutrina que toma como critério de verdade o valor prático que tenha efeitos positivos e seja útil ao homem. Charles S. Peirce e William James foram seus principais representantes. Enquanto o primeiro formulou a doutrina num sentido puramente lógico e metodológico, o segundo procurou estendê-la ao campo da ética. (Larrouse. Enciclopédia)

Atualmente, pragmática também se refere ao ramo da linguística que propõe integrar ao estudo da linguagem o papel dos usuários, bem como as situações em que a linguagem é utilizada. Como tal, ela estuda as motivações psicológicas dos falantes, as reações dos interlocutores, as pressuposições, os subentendidos, as implicações, as convenções do discurso, etc.

Nossa preocupação é com a pragmática, ramo da linguística, que atualmente vem se firmando como um novo paradigma. Ela nos propõe muitas questões, e é tentando respondê-las que o novo paradigma vai se estabelecendo. A pragmática estuda:

  1. a natureza da linguagem como instrumento de comunicação;
  2. os princípios regulares que norteiam os processos de interpretação linguística;
  3. como a gramática das línguas afeta a função comunicativa;
  4. que relação existe entre o significado literal e o significado comunicado, já que o significado do falante é intencional e depende das circunstâncias em que se produz;
  5. qual é a função do contexto na interpretação dos atos de fala.

E assim por diante.

Reyes (El abecé de la pragmática, 1995) esclarece qual é o domínio da pragmática em relação à gramática e à semântica. A gramática, que se divide em fonologia, morfossintaxe e semântica, é a disciplina linguística que estuda as estruturas convencionais de sons, combinações de morfemas e significados. A semântica é a parte da gramática que relaciona as formas linguísticas com os objetos do mundo que essas formas representam. Finalmente, a pragmática estuda a porção do significado que não é convencional ou gramatical, quer dizer, que não está codificado por regras. A autora vai contestar esta limitação do campo da pragmática, seus limites não são tão definidos como a afirmação acima parece fazer crer, pois as diferenças entre o significado semântico e o significado pragmático não são sempre nítidas.

Retornamos à nossa pergunta inicial: O que é uma abordagem pragmática?

É justamente a abordagem que as gramáticas funcionais empregam, já que sua preocupação é com a língua em uso. Uma concepção funcionalista da gramática valoriza o papel do falante na produção de seu texto. De acordo com Neves, M.H.M. (Mesa-redonda: Temas em Funcionalismo, s.d.), a perspectiva funcionalista integra-se em uma teoria global de interação social, e a hipótese fundamental da Gramática Funcionalista é de que existe uma relação não-arbitrária entre o funcional – a instrumentalidade do uso da língua – e a gramática – sistematicidade  da estrutura da língua.

Para os funcionalistas, a gramática é acessível às pressões do uso, e a competência comunicativa é a capacidade que os indivíduos têm de usar e interpretar de uma maneira interacionalmente satisfatória as expressões que codificam e decodificam; dessa forma, a concepção da linguagem como atividade cooperativa entre falantes reais se apresenta como um de seus princípios básicos. Neves, citando Auwera (1989), reconhece que a gramática funcional, até o presente momento, é o modelo gramatical que obteve a maior integração da pragmática na gramática.

 

II. A interação professor-aluno na abordagem pragmática

Partindo da pressuposição de que o contexto do processo ensino-aprendizagem insere-se em situações de fala, portanto, de interações verbais, podemos transportar as máximas conversacionais de Grice para a sala de aula.

Os estudos iniciais de Grice, apresentados originalmente na conferência “Lógica e Conversação”, 1967, preconizam um modelo que hoje denominamos griceano, baseado no Princípio da Cooperação: “Faça sua contribuição conversacional tal como é requerida no momento em que ocorre, pelo propósito ou direção do intercâmbio conversacional em que você está inserido”.

Para Grice, a comunicação é um ato de fé na linguagem e no interlocutor.

O professor, em sua aula, se observar este princípio, estará seguindo as máximas conversacionais. Senão, vejamos: A asserção acima está dividida em duas partes:

1)    a comunicação é um ato de fé na linguagem;

2)   a comunicação é um ato de fé no interlocutor.

Em relação à primeira parte da asserção, o professor tem que confiar no instrumento de comunicação que ele possui: a linguagem. Ora, ele saberá utilizar este instrumento em situações rotineiras de fala, de conversação, a não ser que ele seja portador de alguma patologia que o impediria de interagir satisfatoriamente na sala de aula.

No entanto, ele apenas poderá “confiar”, “ter fé na linguagem”, somente e se souber o que deve falar em sua aula. Por exemplo, se o assunto a ser tratado for “a coesão e a coerência do texto escrito”, ele precisa dominar estes conceitos, saber reconhecê-los em textos escritos e, finalmente, saber transmitir estes conceitos para seus alunos.

Todos os passos descritos são realizados por meio da linguagem, que ele precisou “especializar”, apoderando-se e dominando os conceitos e os termos científicos relacionados a eles.

Em relação à segunda parte da asserção: “a comunicação é um ato de fé no interlocutor”, se for transposta para a situação de aula, continuando o nosso raciocínio, o professor (x) tem de acreditar, tem de confiar no seu interlocutor, o aluno(y). De nada adianta x ter adquirido um arsenal de conhecimentos, dominando, pois, o assunto que deve comunicar ao seu interlocutor, se não acreditar que y seja capaz de ouvir, entender, compreender e assimilar este assunto.

Supondo que y ouça com nitidez, decodificando todos os sinais emitidos por x, esta não é condição suficiente para que y entenda e compreenda os enunciados, pelo fato de não possuir os mesmos conhecimentos prévios de x; a mesma capacidade de compreensão de x (sabe-se que a capacidade de compreensão do indivíduo vai se alargando, à medida que ele vai se apossando de novos conhecimentos, estocando-os em sua memória profunda ou semântica e utilizando-os adequadamente, sempre que for necessário).

Para que y entenda e compreenda e, posteriormente, assimile os conceitos que x quer comunicar, é necessário que x acredite que y possui qualificações para entender o que ele quer ensinar (evidentemente, supondo-se que, no planejamento, a adequação do conteúdo às condições de percepção e compreensão do aluno já foi devidamente efetuada).

Finalmente, se x está devidamente preparado, dominando o assunto que vai tratar com y; e se y tem condições de receber as informações que lhe serão passadas por x, o que é necessário para que a interação entre ambos seja satisfatória?

É aqui que entra o Princípio de Cooperação de Grice:

“Faça sua contribuição conversacional tal como é requerida no momento em que ocorre, pelo propósito ou direção do intercâmbio conversacional em que você está inserido”.

III. Ensinar a língua portuguesa por quê e para quê?

De acordo com Widdowson “O ensino de língua para a comunicação” (1991), o grande objetivo de se ensinar uma língua estrangeira é o de propiciar ao aprendiz a habilidade de usar esse idioma para fins comunicativos. Esta sua proposta de aprendizagem responde a pergunta “Para que ensinar uma língua estrangeira”.

Já a pergunta – “Por que ensinar uma língua estrangeira”-  poderia ser respondida de diversas formas:

  1. porque o aprendiz vai estagiar ou residir num país onde se fala essa língua;
  2. porque as oportunidades de colocação no mercado de trabalho aumentam quando o candidato é proficiente ou, ao menos, sabe atender o telefone, traduzir e responder cartas nesse idioma;
  3. porque o profissional atuante no mercado de trabalho sente a urgência de uma especialização e, para tanto, ele precisa saber ler nesse idioma, já que, em quase todas as áreas do conhecimento, existe uma bibliografia básica ainda não traduzida para o português;
  4. porque essa língua estrangeira faz parte do currículo escolar.

Podemos afirmar que as três primeiras razões são “automotivantes” para o aprendiz, pois é imperiosa a necessidade de aprender essa língua estrangeira, para poder se comunicar, principalmente no que se refere aos itens 1 e 2.

Contudo, quando a língua estrangeira faz parte do currículo escolar (item 4), a coisa muda de figura. Inúmeras vezes, os alunos não percebem a aplicação imediata do que lhes está sendo ensinado e, o que é pior, provavelmente nada disso terá aplicação em tempo algum. O que se ensina normalmente nas aulas de língua estrangeira são formas gramaticais que podem levar o aluno, sendo otimistas, à produção de frases isoladas.

Nesse sentido, Widdowson (1991) vai tentar priorizar o ensino do uso comunicativo em vez da aprendizagem das formas gramaticais, pois, segundo ele, quando se ensina o uso, garante-se o aprendizado das formas e a contrapartida não é verdadeira. Não podemos ignorar que ele parte do pressuposto básico de que o professor de língua tem sempre de saber coisas além da língua que vai ensinar.

Quando transportamos para o ensino da língua materna as questões que abordamos em relação ao ensino da língua estrangeira, somos convidados a algumas reflexões. Parar, de vez em quando, para refletir sobre nossa prática pedagógica é salutar. Ninguém, em sã consciência, pode afirmar que a razão e a finalidade do ensino de língua não possam ser mudadas. Como já dizia Camões:

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,

Muda-se o ser, muda-se a confiança;

Todo mundo é composto de mudança,

Tomando sempre novas qualidades.

Por que, então, ensinar a língua portuguesa para falantes nativos, se eles já sabem falar esta língua?

Se examinarmos o problema por este ponto de vista simplista, é evidente que vamos responder que “não se ensina o padre-nosso ao vigário”. No entanto, podemos redarguir que o vigário sabe rezar o padre-nosso em sua paróquia, lá no interior de Goiás, mas, se chegar à capital, deverá conhecer determinadas regras e convenções de variantes diferentes das que emprega no dia-a-dia, para dizer o mesmo padre-nosso, sem ferir ouvidos e suscetibilidades.

São essas outras variantes, que o aluno ainda não domina, que devem ser ensinadas na escola, partindo-se, sem dúvida, de seu próprio registro, com seu dialeto e seu sotaque como ponto de partida. A razão do ensino da língua, dessa forma, pode ser a proposta por E. Bechara que postula que a escola deve procurar formar alunos “poliglotas em sua própria língua”. E isso se obtém por meio da ampliação de sua competência comunicativa que, segundo Hymes (1974) é a capacidade que os indivíduos têm, não apenas de codificar e decodificar expressões, mas também, de usar e interpretar essas expressões de uma maneira interacionalmente satisfatória.

Para que ensinar a língua portuguesa?

A pergunta deve ser respondida sem se perder de vista o objetivo maior do ensino da língua, discutido no parágrafo acima. Passamos a elencar algumas finalidades práticas obtidas no ensino de língua, ainda que algumas delas também devam participar do planejamento de outros componentes curriculares.

As atividades de língua devem ser orientadas para que no final do curso fundamental, por exemplo, o aluno saiba:

  1. consultar um dicionário;
  2. fazer uma pesquisa na biblioteca;
  3. acessar a Internet;
  4. ler, o que implica pensar criticamente sobre o que lê, seja um artigo de jornal ou um livro;
  5. escrever, o que implica, por exemplo, narrar um acontecimento, externar opiniões;
  6. conversar, o que implica, segundo Widdowson, saber dizer e ouvir, isto é, saber interagir, formulando e respondendo questões, usando com propriedade a língua.

Podemos afirmar que o ensino da língua portuguesa é fundamental para que o aluno tenha sua competência comunicativa ampliada e adquira a consciência de que esta ampliação é contínua, devendo acompanhá-lo vida afora, já que a escola apresentou-lhe e ensinou-lhe o manejo das ferramentas adequadas para isso.

 

IV. Quais os avanços e os limites em uma abordagem pragmática?

Apoiando-nos na tradução espanhola (1995) da obra de Teun A. van Dijk, Texto e contexto: Semântica e pragmática do discurso, confirmamos que o grande avanço em uma abordagem pragmática no ensino da língua é a preocupação que se passa a ter, não apenas com o discurso manifestado, mas também com as estruturas mentais subjacentes implicadas na interação comunicativa: necessidades, crenças, conhecimento, intenções e propósitos dos participantes dos atos de fala, isto é, do falante e do ouvinte. No entanto, é extremamente importante não perder de vista a interação real que acontece na sala de aula.

A atual visão funcional que se tem da língua, como sistema convencional e como produto histórico, enfatizando seu papel na interação social, corrige a visão “psicologizante” da língua e de seu uso. É evidente que não se questiona que nosso conhecimento da língua seja um sistema mental complexo e que o avanço representado pelos trabalhos de Chomsky e seguidores contribuiu enormemente para a compreensão de nossa competência linguística, isto é, a possibilidade do falante de construir e de reconhecer uma infinidade de frases gramaticalmente corretas, de interpretar as que são dotadas de sentido e de descobrir as frases ambíguas. Contudo, Chomsky preocupava-se com o falante ideal, com sua competência e, numa abordagem pragmática da língua, enfatiza-se o seu uso, o seu desempenho por falantes reais em situações reais, levando se em consideração o contexto.

Atualmente, nós, professores de língua, não podemos perder de vista que a maioria de nossas atividades tem implicações sociais, nossos atos são, portanto, parte de interações. Nesse sentido, não podemos ignorar a Teoria da Ação que procura explicar a natureza dos atos comunicativos. Todo ato comunicativo supõe uma troca e baseia-se num conjunto de ações, das quais fazem parte os atos de fala.

Para que nosso discurso pedagógico não seja autoritário, ignorando o interlocutor, devemos tirar proveito da teoria da ação que subsidia nossa prática educativa, ao salientar a importância da cooperação que deve existir entre os agentes: professor e aluno. Ambos devem interagir satisfatoriamente mesmo que tenham propósitos ou intenções diferentes. Enquanto que a intenção e o propósito do professor, na maioria das vezes, estão centrados no aluno, já que seu propósito é fazer com que ele seja aprovado e sua intenção é que esse aluno seja capaz, por exemplo, de ler e interpretar textos de dificuldade média; o propósito do aluno  é compatível com o do professor na medida em que ele quer ser aprovado, contudo sua intenção não é aprender, mas, na maioria das vezes, conseguir o seu diploma.

Algumas práticas de sala de aula que são facilitadas, se empregarmos uma abordagem pragmática, referem-se, por exemplo, à leitura, à interpretação e à produção de textos. Já que essa abordagem preconiza a contextualização de todas as atividades, torna-se muito mais produtiva e interessante a aula de leitura e interpretação de textos, se fornecermos ao aluno indicações como título, autor, prefácio, editor, forma externa do livro ou da revista, permitindo que ele faça inferências, criando hipóteses provisórias que serão ou não confirmadas durante a atividade. Por sua vez, a aula de redação não precisa necessariamente ser um momento de enfado ou de tortura para o aluno, se o professor, de acordo com Maria Teresa Serafini, (Como Escrever Textos. Globo, 1985) montar com ele o contexto de produção, determinando o destinatário, o objetivo do texto, seu gênero, o papel do redator, a extensão do texto e ‑ o que é de fundamental importância para o aluno ‑ os critérios de avaliação que serão empregados e que não podem ser alterados pelo professor.

Por outro lado, quando, em nossas aulas de gramática, procuramos trabalhar com o discurso, abordando as funções pragmáticas que podem ter os conectivos, por exemplo, nas sequências de orações ou nas orações compostas, com certeza, só iremos nos confundir e aos nossos alunos. Um dos motivos, além do nosso despreparo,  é que, muitas vezes, o discurso precedente, essencial para esse tipo de estudo, não pode sempre ser representado pelo contexto. De acordo com van Dijk (Texto e contexto: Semântica e pragmática do discurso.1995),

“…um número limitado de indivíduos e propriedades pode estar disponível para a referência direta, indicativa no contexto. Todos os outros indivíduos, propriedades e relações requerem introdução pelo discurso prévio. Mais especificamente, a interpretação relativa das orações em uma sequência deve definir-se sobre se a sequência está realmente expressa ou não”.

Trocando em miúdos, só por meio de textos é que se pode trabalhar com a sintaxe do discurso. Sabemos, por experiência própria, que o nível sintático, morfológico e fonológico devem ser explorados pelo professor nos pequenos textos, mas também, fora dele quando precisamos exercitar e sistematizar alguns pontos. A Gramática Normativa nos subsidia a contento nesse tipo de atividade.

A lição mais importante que a Pragmática pode nos oferecer é que não podemos perder de vista o nosso interlocutor, quando estamos ensinando. Mesmo que nossas intenções sejam diferentes, temos de caminhar juntos e ele nos acompanhará mais satisfeito, se perceber que nos baseamos em situações concretas de uso em nossas aulas de língua, como ponto de partida para o desenvolvimento de conceitos, ou aplicações de regras, já que os sistemas da língua são convencionais e suas categorias e regras se desenvolvem sob a influência da estrutura da interação em sociedade.

Para finalizar, não devemos nunca demonstrar que conhecemos aquilo que, na realidade, conhecemos muito pouco, o Princípio de Sinceridade deve ser observado em nossa sala de aula. Xenofonte, no século IV a. C. dizia a respeito de Sócrates, modelo para todos os professores, que: “Tudo o que sabia ser útil ao homem e que ele próprio conhecesse, apressava-se a ensinar-lhes, e, para fazê-los aprender o que ele, Sócrates, ignorava, remetia-os a mestres competentes.

 

V. A interação e a argumentação enquadram-se numa abordagem pragmática?

Se levarmos em consideração que uma abordagem pragmática do ensino da língua é aquela na qual o professor está preocupado em interagir com o aluno, procurando abordar situações reais do uso da língua, demonstrando que a argumentatividade é uma importante característica da linguagem, podendo ser ensinada, pois faz parte da retórica que, na concepção aristotélica e na de seus seguidores, entre eles, Perelman, é uma techné, podemos convictamente assegurar que a interação e a argumentação se enquadram numa abordagem pragmática. Considerando que a Pragmática no ensino constitui-se de todo e qualquer aparato que o professor se utiliza para a eficácia de seu discurso pedagógico, passamos a apresentar sucintamente algumas observações baseadas na Nova Retórica de Perelman (1996).

Para que se entenda aonde pretendemos chegar, resgatemos alguns conceitos básicos da retórica antiga retomados pela Nova Retórica. Para Aristóteles, o discurso do orador é uma ação verbal orientadora, ação de persuadir na qual estão envolvidos três fatores: o caráter do orador (ethos), as disposições do ouvinte (pathos) e aquilo que o discurso (logos) demonstra ou parece demonstrar.  Transportando para a sala de aula, estão em jogo a individualidade do professor (ethos), suas intenções, o contexto de enunciação, sua aula, os enunciados em si (logos) e a motivação e a interpretação do aluno (pathos).

Para Perelman, é preciso alguma qualidade para tomar a palavra e ser ouvido, além disso, o orador deve ter apreço por seu auditório. A qualidade do orador é o que lhe garante credibilidade e confiança, permitindo que o ouvinte acredite em sua sinceridade. Seu discurso também deve apresentar certa modéstia, mas não humildade; sua argumentação deve ser convincente, mas não axiomática. O orador deve, portanto, demonstrar que se preocupou com seu ouvinte, interessou-se por seu estado de espírito, já que seu discurso apresenta um ponto de vista que pode ser aceito, e que, aliás, é o preferível e por isso mesmo deve ser aceito.

Um dos maiores problemas enfrentados pelo professor é a sua dependência em relação ao conjunto de conhecimentos que constitui o corpo de sua disciplina. A falta de desenvoltura no tratamento dos elementos de ligação que tornam o saber autônomo, na medida em que transformam simples informações em conhecimentos, embaraçam o seu discurso. A solução, infelizmente, de sobrevivência como professor na sala de aula é sua concordância irrestrita ao livro didático adotado.

Imaginando-se que a situação apresentada no parágrafo acima não exista ou, está sendo sanada constantemente, visto que o saber do professor não pode restringir-se ao conjunto de conhecimentos que adquiriu em sua formação acadêmica, mas deve estar em constante renovação e em sintonia com os avanços da ciência e das transformações sociais, o professor pode aliar seu domínio do conteúdo (logos) ao domínio de sua fala (ethos), como meio de persuadir seus alunos (pathos).

O professor, portanto, deve colocar-se na posição do orador que procura as manifestações explícitas ou implícitas de adesão de seu auditório particular: seus alunos. Um dos maiores problemas de interação que pode acontecer em sala de aula é a desqualificação do professor pelo aluno, ou vice-versa. O aluno, que não consegue ser convencido e também persuadido pela fala do professor, vai desqualificá-lo e não dará importância aos argumentos, mesmo que verdadeiros, que ele venha a apresentar. Da mesma forma, o professor, que considera seus alunos incapazes de seguir suas aulas, não tem consideração nenhuma por eles e não perceberá todo o potencial que neles existe, à espera de ser eficientemente aproveitado, se ele, professor, mudasse as estratégias em suas aulas.

O discurso pedagógico deve ter em mente um dos pressupostos da Retórica de que a linguagem não é só meio de comunicação, é também instrumento de ação sobre as mentes. Por isso mesmo, o estudo dos estilos que o orador se utiliza para obter o acordo com seu auditório pode ser também realizado pelo professor e uma das lições, que ele pode aprender, procede de Quintiliano, o grande retórico do primeiro século de nossa era, citado por Perelman e Tyteca, no Tratado da Argumentação (1996):

Talvez o defeito mais grave, para o orador, seja o de recuar ante a linguagem comum e ante as ideias geralmente aceitas. a aproximação entre linguagem comum e ideias aceitas não é fortuita: a linguagem comum é, por si só, a manifestação de um acordo, de uma concordância, da mesma forma que  as ideias aceitas…”.

O professor não precisa empregar uma linguagem difícil, argumentos herméticos e incompreensíveis, para se impor a seus alunos. Aliás, a expressão adequada, em se tratando do discurso pedagógico, não é “impor-se aos seus alunos”, mas conseguir a sua adesão, a sua cooperação, para que haja uma real interação.