Mês: julho 2013

Os atos elocutivos na fala inicial de GUAIXARÁ (personagem do Auto de São Lourenço, de José de Anchieta). Nílvia Pantaleoni

AUTO REPRESENTADO NA FESTA DE SÃO LOURENÇO[1]

José de Anchieta

SEGUNDO ATO

(Eram três diabos que querem destruir a aldeia com pecados, aos quais resistem São Lourenço, São Sebastião e o Anjo da Guarda, livrando a aldeia e prendendo os tentadores cujos nomes são: Guaixará, que é o rei; Aimbirê e Saravaia, seus criados)

GUAIXARÁ
Esta virtude estrangeira
Me irrita sobremaneira.
Quem a teria trazido,
com seus hábitos polidos
estragando a terra inteira?
Só eu permaneço nesta aldeia
como chefe guardião.
Minha lei é a inspiração
que lhe dou, daqui vou longe
visitar outro torrão.
Quem é forte como eu?
Como eu, conceituado?
Sou diabo bem assado.
A fama me precedeu;
Guaixará sou chamado.
Meu sistema é o bem viver.
Que não seja constrangido
o prazer, nem abolido.
Quero as tabas acender
com meu fogo preferido
Boa medida é beber
cauim até vomitar.
Isto é jeito de gozar a vida,
e se recomenda
a quem queira aproveitar.
A moçada beberrona
trago bem conceituada.
Valente é quem se embriaga
e todo o cauim entorna,
e à luta então se consagra.
Que bom costume é bailar!
Adornar-se, andar pintado,
tingir pernas, empenado
fumar e curandeirar,
andar de negro pintado.
Andar matando de fúria,
amancebar-se, comer
um ao outro, e ainda ser
espião, prender Tapuia,
desonesto a honra perder.
Para isso com os índios convivi.
Vêm os tais padres agora
com regras fora de hora
pra que duvidem de mim.
Lei de Deus que não vigora.
Pois aqui tem meu ajudante-mor,
diabo bem requeimado,
meu bom colaborador:
grande Aimberê, perversor
dos homens, regimentado.

 

Nos ato elocutivos a seguir,  o locutor (GUAIXARÁ) situa sua intenção comunicativa em relação a si próprio, no seu ato de enunciação. Os critérios que identificam esses atos elocutivos são: o locutor se apresenta sob diversas formas (pronome pessoal e possessivo em primeira pessoa; o estatuto da frase: assertivo/declarativo/interrogativo);  o interlocutor não pode explicitar sua posição, ao contrário, o locutor pode explicitar sua posição.

ATO ELOCUTIVO

TEXTO

Declaração

Esta virtude estrangeira me irrita sobremaneira.

Questionamento

Quem a teria trazido, com seus hábitos polidos estragando a terra inteira?

ATO ELOCUTIVO

TEXTO

Declaração Só eu permaneço nesta aldeia como chefe guardião.
Justificativa Minha lei é a inspiração que lhe dou, daqui vou longe visitar outro torrão. Quem é forte como eu? Como eu, conceituado? Sou diabo bem assado. A fama me precedeu; Guaixará sou chamado.

ATO ELOCUTIVO

TEXTO

Declaração Meu sistema é o bem viver.
Justificativa Que não seja constrangido o prazer, nem abolido. Quero as tabas acender com meu fogo preferido. Boa medida é beber cauim até vomitar. Isto é jeito de gozar a vida, e se recomenda a quem queira aproveitar. A moçada beberrona trago bem conceituada. Valente é quem se embriaga e todo o cauim entorna, e à luta então se consagra. Que bom costume é bailar! Adornar-se, andar pintado, tingir pernas, empenado, fumar e curandeirar, andar de negro pintado. Andar matando de fúria, amancebar-se, comer um ao outro, e ainda ser espião, prender Tapuia, desonesto a honra perder. Para isso com os índios convivi.

ATO ELOCUTIVO

TEXTO

Constatação Vêm os tais padres agora com regras fora de hora pra que duvidem de mim.
Ameaça Lei de Deus que não vigora. Pois aqui tem meu ajudante-mor, diabo bem requeimado, meu bom colaborador: grande Aimberê, perversor dos homens, regimentado.

[1]http://objdigital.bn.br/Acervo_Digital/Livros_eletronicos/autofestasaolourenco.pdf. Fonte: ANCHIETA, José de. Auto representado na Festa de São Lourenço, Rio de Janeiro: Serviço Nacional de Teatro – Ministério da Educação e Cultura, 1973.

Enunciação, Modalização e Atos Enunciativos. Texto adaptado de: CHARAUDEAU, P. Grammaire du sens et de l’expression. Paris:Hachette Livre, 1992

Enunciação, Modalização e Atos Enunciativos

Nílvia Pantaleoni

A modalização, a partir do ponto de vista adotado por Charaudeau[1], faz parte do fenômeno linguístico  denominado enunciação que é mais geral e a engloba. A enunciação testemunha o modo como o falante “se apropria da língua” para organizar seu discurso. Nesse processo de apropriação, ele é levado a se situar em relação ao seu interlocutor, ao mundo onde está inserido e àquilo que diz. A enunciação é, pois, constitutiva do ato de utilizar elementos do sistema da língua para atualizá-los no discurso. A enunciação se manifesta em língua de modo direto e indireto. De modo direto, por meio das categorias da pessoa ou da designação; de modo indireto, pelas categorias da qualificação ou da situação temporal.

Do ponto de vista de sua manifestação, a enunciação apresenta índices das diferentes posições do falante que devem ser procuradas na organização do discurso. Estes índices participam de sistemas formais como pronomes pessoais e demonstrativos, tempos e modos verbais, ou são mais discretos e tomam a forma de adjetivos ou advérbios.

A modalização, portanto, é uma categoria à qual correspondem os meios de expressão que permitem explicitar as diferentes posições do falante e de suas intenções enunciativas. Os  atos enunciativos de base (modalidades) que correspondem a uma posição e a um comportamento particulares do locutor em seu ato de locução compõem a modalização. Esses atos de base são os atos locutivosalocutivo, elocutivo e delocutivo – e às suas especificações, denominamos modalizações enunciativas.

No ato alocutivo (modalidade alocutiva), o locutor implica o interlocutor no seu ato de enunciação e lhe impõe o conteúdo de sua intenção comunicativa.

Exemplo: Ordeno que saia!

Os critérios que permitem identificar o ato alocutivo são os seguintes: o interlocutor está presente no ato de enunciação sob diversas formas (pronomes pessoais: tu, vós, você, vocês; nomes próprios ou comuns que identificam o interlocutor; o próprio estatuto da frase: imperativo, interrogativo); o interlocutor pode explicitar sua posição dizendo: sou objeto de uma ordem, de uma sugestão, de um pedido etc., e o locutor pode dizer: eu dou uma ordem, eu faço um pedido, eu faço uma pergunta etc.; depois de um ato alocutivo, supõe-se que o discurso se interrompa para permitir ao interlocutor a possibilidade de reagir.

No ato elocutivo (modalidade elocutiva),  o locutor situa sua intenção comunicativa em relação a si próprio, no seu ato de enunciação.

Exemplo: Eu devo partir!

Os critérios que permitem identificar o ato elocutivo são os seguintes: o interlocutor não está presente no ato de enunciação; ao contrário, o locutor se apresenta sob diversas formas (pronomes pessoais: eu; nós nome próprio ou comum que identificam o locutor; o próprio estatuto da frase: exclamativo/optativo, assertivo/declarativo);  o interlocutor não pode explicitar sua posição, dizendo: sou objeto de… , ao contrário, o locutor pode explicitar sua posição, dizendo: eu penso que, eu creio etc.; depois de um ato elocutivo, o discurso não é necessariamente interrompido (o interlocutor não é obrigado a reagir).

No ato delocutivo (modalidade delocutiva), o locutor apresenta seu propósito comunicativo como se não fosse responsável por ele. Locutor e interlocutor estão ausentes desse tipo de ato de enunciação.

Exemplo: É verdade que isso não é simples.

Os critérios que permitem identificar o ato delocutivo são os seguintes: nem o locutor, nem o interlocutor estão presentes no ato de enunciação, porque os enunciados se apresentam de forma impessoal ou se referem a uma terceira pessoa; nem o locutor, nem o interlocutor podem explicitar sua posição, porque a enunciação diz que a intenção comunicativa existe por “si própria”; depois de um ato delocutivo, o discurso não é necessariamente interrompido, o interlocutor não é obrigado a reagir, e o locutor pode guardar a palavra. Evidentemente, o locutor continua responsável por seu ato de comunicação. É a configuração linguística que se apresenta como se ele não o fosse.

A cada tipo de ato locutivo correspondem categorias que especificam as relações entre os interlocutores, entre o locutor e o propósito comunicativo. Ao ato alocutivo correspondem categorias como a “interrogação”, a “injunção”, a “interpelação” que especificam a relação que se estabelece entre locutor e interlocutor e o modo como eles estão implicados no ato de linguagem. Ao ato elocutivo correspondem categorias como a “opinião”, a “avaliação”, a “obrigação” a “promessa”,  “acordo”, que especificam a relação que o locutor estabelece com seu propósito comunicativo. Ao ato delocutivo correspondem categorias como a “asserção” e o “discurso citado” que especificam o modo como o propósito comunicativo se apresenta e se impõe aos interlocutores.

As modalizações são polimórficas, isto é,  podem ser configuradas de diversas maneiras:

a) por marcas formais explícitas:

– verbos:  (eu penso que…, eu devo…, eu duvido que…, eu confesso que…)  que se combinam, segundo o caso, com o modo Indicativo, Subjuntivo ou Infinitivo;

gerúndio: forma nominal do verbo na função adjetiva ou adverbial (Escreveu uma carta protestando contra as injustiça. Entregou uma lista compreendendo os termos técnicos).

– advérbios e locuções adverbiais: na verdade, sem dúvida, provavelmente, a meu ver.

– adjetivos: é terrível, é provável que…,

– nomes nas construções perifrásticas (com verbos-suporte): fazer uma confissão, dar uma ordem, fazer uma sugestão.

b) pelos estatutos das frases: declarativa, imperativa, interrogativa: assinaladas pela entonação, pela pontuação, pelo modo verbal ou por uma expressão interrogativa.

c) polaridade das orações: afirmativa ou negativa.


[1] CHARAUDEAU, P. Grammaire du sens et de l’expression. Paris:Hachette Livre, 1992

Primeira atividade de linguagem relacionada à introdução de “Feitos de Mem de Sá” de José de Anchieta

Relacione os nomes aos atributos.

NOMES

Pai  
força  
feitos  
arrojo  
  empresas
  Sul
  rajadas
  borrascas
  mares
mundo  
luz  
  espaço
  raios
nuvens  
  chuvas
disco

ATRIBUTOS

altos
brilhante
celeste
densas
divina
furiosas
gigante
gloriosos
límpido
longas
magnas
mais fulgente
novos
oprimido
tremendas
úmido

Resposta:

Pai celeste
força divina
feitos gloriosos
arrojo gigante
magnas empresas
úmido Sul
furiosas rajadas
tremendas borrascas
altos mares
mundo oprimido
luz mais fulgente
límpido espaço
novos raios
nuvens densas
longas chuvas
disco brilhante